A Vida no Centro

Denize Bacoccina

Blog da Denize Bacoccina

Denize Bacoccina é jornalista e especialista em Relações Internacionais. Foi repórter e editora de Economia e correspondente em Londres e Washington. Cofundadora do projeto A Vida no Centro, mora no Centro de São Paulo. Aqui é o espaço para discutir a cidade e como vivemos nela.

Minhocão, Augusta e Bixiga: uma nova visão de parques urbanos

Nem todo parque precisa de árvores e lago com carpas, mas sim de um espaço que possibilite brincar, andar de bicicleta ou bater papo com os amigos

O radicalismo de um empresário, milionário, dono de inúmeros imóveis no bairro do Bixiga, pode ajudar na criação de um novo parque na região central de São Paulo. Sílvio Santos, o dono do terreno em questão, quer construir três torres de apartamentos de classe média alta em torno do Teatro Oficina, teatro histórico do Bixiga. O teatro foi fundado em 1958 pelo diretor José Celso Martinez Corrêa e cuja sede foi desenhada pela arquiteta Lina Bo Bardi, a mesma que projetou o Masp e o Sesc Pompeia.

Durante 30 anos, Zé Celso e o Oficina ficaram protegidos pela recusa do Condephaat, o órgão estadual de defesa do patrimônio artístico e cultural, em autorizar a construção das torres no local. Em outubro deste ano, no entanto, o mesmo órgão, agora com nova composição, autorizou a construção, que tem o potencial de mudar completamente o perfil artístico da região.

Lá estão ainda outros prédios históricos, como o Teatro Brasileiro de Comédia, atualmente fechado para reforma, e a Casa da Dona Yayá, construção de 1902 que hoje é administrada pelo Centro de Preservação Cultural da USP. Todos esses imóveis são tombados pelo patrimônio histórico, o que limita a construção em seu entorno.

A construção ainda precisa ser aprovada pelo órgão municipal, mas a pressão da mobilização liderada por Zé Celso pode levar o navio de Silvio Santos para a direção contrária. Num vídeo vazado pela equipe do Oficina, Silvio aparece debochando de Zé Celso e de sua pretensão de criar um espaço público. Diz que não é vergonha ser rico e que nem por isso está lá para jogar dinheiro fora.

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A resposta do diretor teatral foi mobilizar artistas e militantes para sucessivas manifestações em defesa do teatro, em um movimento que vem ganhando força. O que começou como #vetaastorres já avançou para #parquedobixiga e ganhou o apoio de artistas do quilate de Fernanda Montenegro e sua filha, Fernanda Torres.

Pressão dos moradores

Se sair do papel, o parque do Bixiga será o terceiro de uma lista de parques urbanos criados na região central por pressão da opinião pública. São moradores organizados que usam todo o seu poder de voz para exigir do poder público a criação de novos espaços de lazer.

Leia aqui uma entrevista exclusiva com Zé Celso sobre o parque e a disputa com Silvio Santos pelo terreno.

Os outros são o Parque Augusta, que surgiu de uma mobilização para proibir a construção de edifícios num terreno que é privado e será trocado pela Prefeitura por um outro lote, na Marginal Pinheiros. O projeto, negociado em conjunto com o Ministério Público, prevê a instalação de um parque mantendo as árvores que ainda existem no local e plantando outras. Enquanto o parque não sai do papel, no entanto, duas construtoras já vendem apartamentos na rua em frente, anunciando como principal atrativo a vista para a reserva verde.

O terceiro parque é o Minhocão. Chamado oficialmente de parque por uma lei sancionada neste ano, ele vai virar efetivamente um parque, com conselho gestor e tudo, a partir de um projeto que foi aprovado pela Câmara dos Vereadores no início de dezembro e já foi para sanção do prefeito.

O curioso é que todos esses projetos não nasceram das pranchetas de arquitetos, urbanistas ou engenheiros (embora esses profissionais estejam entre os militantes), mas de grupos de moradores, que se organizaram para pressionar o poder público pela realização de mais espaços de lazer.

Neste movimento de ocupação do espaço público, o primeiro passo foi uma demanda por atividades de consumo ao ar livre – como feirinhas e parques de food truck. Mas o jovem paulistano parece ter percebido que nem todo espaço precisa ser de consumo e que não precisa continuar sendo verdade a afirmação de que “praia de paulistano é shopping center”.

As ruas, praças e avenidas, ou qualquer lugar possível, também podem ser ocupadas pelo lazer. Gratuitamente. Exercendo a cidadania. E que nem toda praça precisa ser arborizada, nem todo parque precisa ter laguinho. O importante é ter gente.

Este texto foi originalmente publicado no blog A Vida no Centro no HuffPost Brasil. Esta versão foi atualizada para incluir a aprovação do projeto do Parque Minhocão, no início de dezembro. Leia outros textos aqui.