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Quando uma banca de jornal morre, ela leva para a cova boa parte da formação musical de muitos brasileiros. Nas últimas cinco décadas, essas tendas de alumínio foram o oráculo que fez muita gente transpor a linha que separa o leigo do iniciado quando o assunto é música.
É de uma frequência aterrorizante andar pelas ruas e se perguntar: “Cadê a banca que tava aqui?”. Hoje, as que heroicamente sobrevivem perderam tamanho, relevância e foram convertidas em pontos de recarga de celular, quiosques da Tele Sena e postos de venda do Bilhete Único.
No Centro da cidade, mesmo aquelas mais vistosas e imponentes sucumbiram. De mãos cruzadas sobre o peito e com algodão no nariz, desceram pela vala do esquecimento. Sem direito a extrema-unção ou a uma lápide que registrasse o legado de informação e entretenimento que elas deixaram em vida. Sou a mais chorona das carpideiras quando encontro o vazio numa calçada outrora ocupada por uma banca de jornal.
E que delícia era andar pela São João se deixando seduzir pelos conteúdos ofertados por esses estabelecimentos. A começar pelo lado de fora, onde os jornaleiros usavam pregadores para pendurar e expor, além da Folha e do Estadão, o Notícias Populares, o Popular da Tarde e a Gazeta Esportiva. Os mais generosos prendiam as edições apenas pela parte de cima, o que permitia ver, sorrateiramente, o resultado do futebol ou se o nome de um parente estava na lista de aprovados no vestibular.
Fisgado por essa exposição externa, o amante de música é atraído para o interior, onde encontrava o paraíso. No meu caso particular, o apego pelas bancas começou na primeira metade dos anos 70. Naquela época, foi lançada a revista Violão & Guitarra ou, simplesmente, Vigu. Impressa em papel jornal, com formato pequeno e preço amigável, ela trazia os sucessos do momento com arranjos facilitados para violão. Foi com ela que aprendi a tocar “Feelings”, do Morris Albert (nome artístico do paulistano Maurício Alberto Kaisermann), e “Don’t Let Me Cry”, de Mark Davis (conhecido atualmente como Fábio Jr.).
Em dia de pagamento, era difícil sair só com ela da banca. Afinal, expostos ali também estavam títulos como Som Três, Pop, a versão nacional (e em jornal) da Rolling Stone, Rock: História e Glória e, mais tarde, a revista Música. Esta última era editada pelo mesmo conservatório que produzia o Vigu, o Grupo Ama, onde eu viria a estudar guitarra no final daquela década.
As bancas não se limitavam a vender papel impresso. Era possível sair delas com discos para ouvir em casa. Os fascículos das coleções musicais da Editora Abril traziam um LP, acompanhado de texto biográfico e discografia do compositor retratado.
Da série sobre a história da música brasileira, vieram parar na minha discoteca os vinis de Noel Rosa, Pixinguinha, Chico Buarque e Gilberto Gil, por exemplo. Pelo lado do jazz, essas edições me apresentaram às obras de Duke Ellington, Count Basie, Charles Mingus e Miles Davis, entre outros. Comprei o primeiro fascículo da série sobre música clássica, mas não me empolguei. É que, para um afrodescendente como eu, fica complicado se não tiver negão no baixo, no surdo ou na bateria.
De volta às revistas, havia títulos internacionais disponíveis. As bancas mais antenadas traziam publicações americanas como a Rolling Stone e a Guitar Player. Mas duas razões as mantinham fora do meu alcance. Primeiro, claro, o preço. Segundo porque, na época, o meu inglês era tão rudimentar quanto o do Fábio Jr, o Mark Davis de alguns parágrafos acima.
Já na década de 80, começaram a aparecer nas bancas do Centro tabloides ingleses como Melody Maker e New Musical Express. Mais baratos que as revistas gringas, eles me permitiram acompanhar de perto as carreiras de Smiths, Echo & The Bunnymen e The Cure (meu inglês já tinha melhorado consideravelmente). E também desmascararam alguns críticos que eu admirava e que se limitavam a chupar os conteúdos desses tabloides. Mas dou a eles o crédito de ter antecipado, em pelo menos 15 anos, o ctrl+c, ctrl+v.
Alguns dos inúmeros planos econômicos que vieram dos anos 80 até o Real valorizaram, na maioria das vezes de forma insustentável, a moeda nacional e, em consequência, baratearam as revistas importadas. Já com o gosto musical mais apurado, sempre que podia levava uma Downbeat, Jazz Times ou Blues Access. Além de não perder nenhum número da Bizz e das revistas de guitarra que começaram a disputar espaço nas bancas.
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Já na década em que vivemos, visitava as bancas ansioso para encontrar o número mais recente da Wax Poetics ou alguma edição especial das britânicas Mojo e Uncut, com aqueles CDs que só elas são capazes de produzir.
Muitos dos títulos citados aqui não existem mais ou sobrevivem apenas em versão digital. Infelizmente, as bancas não podem (ou pelo menos não deveriam) vender PDFs. E essa é a sentença de morte delas. Assim como em breve será a dos táxis, da TV paga e de alguns serviços de telefonia. Mas destes eu não sentirei saudade.
Para nós, jornalistas, a situação é ainda mais apavorante. Consequência inevitável da extinção de bancas e títulos, algumas redações também partem desta para a melhor. Na sexta-feira passada, dia 2 de fevereiro, recebi de um amigo querido e diretor de redação competentíssimo o seguinte e-mail:
Oi, Edson,
Tudo bem? Quanto tempo, hein?
Estou entrando em contato porque a XXX XXX praticamente fechou e agora estou à procura de um novo trabalho – fixo ou freelance. Por favor, posso mandar meu currículo para você?
Obrigado e grande abraço!
Para não terminar este post muito pra baixo, deixo aqui um som pra cima do Toni Tornado. Na faixa, gravada no começo dos anos 70, ele canta a história de um jornaleiro que consegue sustentar três herdeiros com o fruto do seu trabalho. Bons tempos!
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