Igreja Santa Ifigênia: conheça a história da Basílica da Imaculada Conceição
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Conheça a história do Chaguinhas e o que ela tem a ver com o congolês Moise Kabagambe e o bairro da Liberdade
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Thiago de Souza
Vou contar a história da alma de um homem preto que, por cobrar seus vencimentos mensais atrasados, foi estrangulado e morto a pauladas.
Apesar da semelhança do relato com monstruosa execução do jovem congolês Moise Kabagambe (e de tal fato não ser mera coincidência), não se trata deste brutal e atual assassinato.
A conversa é sobre outra alma, embora o paralelo referido seja coadjuvante nessa história, na medida em que homicídios relacionados às pessoas que lutam por direitos e melhores condições de trabalho ocorrem ininterruptamente no Brasil desde sempre.
O espírito que protagoniza nossa história é o que navega sobre o concreto que tenta cobrir a negritude, as versões e verdades, os pensamentos enforcados e as fundações originárias do bairro da Liberdade.
A imagem desse espírito, que não toca o chão, desafia a pálida retórica que afirma que o bairro da Liberdade é chamado assim em razão da independência do Brasil.
Não é o que diz o povo de lá.
E não é o que a alma de Chaguinhas reflete quando paira invencível nas ruas do bairro que testemunhou o povo gritar liberdade a cada corda rompida nas tentativas de agredirem seu pescoço.
Antes de virar Santo do Povo, Francisco José das Chagas pertenceu ao primeiro Batalhão de Caçadores de Santos.
Na companhia de seu amigo, o soldado José Joaquim Cotindiba, comandou uma revolta pouco antes da Independência do Brasil.
A Revolta Nativista.
Sua luta era para que os soldados nativos recebessem seus soldos atrasados – por mais de cinco anos – e que o tratamento entre os soldados brasileiros e portugueses fosse equânime.
Isso porque, àquela época, existiam dois exércitos: o da Coroa Lusitana – formado por portugueses, e o Exército Nativo, formado por brasileiros – majoritariamente negros forros e indígenas.
Depois de enfrentarem bravamente o Exército Português por quase 10 dias, os insurgentes não resistiram e se entregaram.
Chaguinhas e Cotindiba foram condenados à forca pelo quase deposto regime imperial português.
A revolta custou a vida de ambos no dia 20 de setembro de 1821.
O cenário do assassinato foi o largo da forca.
Cotindiba foi morto primeiro.
E com a mesma corda que estrangulou seu amigo, houve a primeira tentativa de enforcamento de Chaguinhas.
A corda arrebentou.
Um frenesi toma conta da audiência do macabro espetáculo, que pede clemência e os carrascos libertem o homem, diante do evidente milagre que acabavam de testemunhar.
A corda estourada é substituída, mas a segunda corda também arrebenta, instantes depois do comando do oficial que respondia pela execução.
Neste momento, o largo da forca estremecia enquanto ecoava em coro… Liberdade!
A segunda corda estourada é substituída e a principal versão dos fatos dá conta de que a terceira corda também sucumbe diante de uma plateia incrédula.
Outra versão aduz que duas cordas arrebentaram e a terceira, uma trança de couro, mesmo não arrebentando, foi incapaz de encerrar a vida do Santo soldado.
O que se tem confirmado é que Chaguinhas, sobrevivendo a todas as tentativas de enforcamento, foi morto a pauladas.
Se diz ainda que, para intimidar possíveis insurgentes, seu corpo foi esquartejado e quase todos os pedaços foram expostos.
Quase todos seus pedaços.
Pois corria nas conversas da época que, durante o esquartejamento, sua cabeça rolou para dentro da capela dos aflitos, como se seu orixá, pai de cabeça, a reclamasse.
E o substantivo feminino (que expressa a independência legítima de um ser, de uma comunidade e sua cultura, do povo e de seu país) que o povo gritou durante a execução de Chaguinhas, rebatizou o largo da forca e o bairro: Liberdade.
No local de martírio dos enforcados, ergueram uma cruz e depois a Igreja da Santa Cruz das Almas dos Enforcados.
E é na humilde Capela de taipa de pilão, situada no final do Beco dos Aflitos, que Chaguinhas ganhou culto e altar.
Por ironia do destino, ela repete o destino de seu protetor e é visivelmente sufocada por forças nada ocultas.
Mas, assim como Chaguinhas, fé e coragem sustentam seus alicerces.
O aspecto frágil da construção não reflete a potência alimentada pelo pulso de bravura que a mantém amparada…
Foi lá que Francisco José das Chagas passou sua última noite.
Hoje, no lugar da cela em que pernoitou o Cabo, há o velário que possui uma porta voltada para dentro da Capela.
Nesta porta são colocados os bilhetes com as demandas para o Santo Chaguinhas e, após a inserção dos bilhetes, a tradição é que se bata três vezes na porta, relembrando o milagre das três cordas estourando.
Na porta também se acumulam agradecimentos de muitos devotos que tiveram suas graças alcançadas.
Dizem que o que sobrou de seus restos mortais também repousa na Capela, que é mantida de pé pela luta da comunidade que entende seu papel de pilar da resistência do povo que foi enterrado ali, mas deixou herdeiros de um orgulho inalienável.
A Capela dos Aflitos é o marco geográfico do que já foi um imenso cemitério onde foram sepultados povos originários brasileiros e africanos escravizados e explorados, pobres, muitos enforcados como Chaguinhas – que morreu para ser dono de seu destino, se transformar no Senhor da Liberdade e se mover, até hoje, pelo sopro de vida e de morte de todos os aflitos.
*Esse texto serve de singela homenagem ao Coletivo UNAMCA – União dos Amigos da Capela dos Aflitos – que guarda com sacrifício, fé, paixão e entusiasmo o mais significativo símbolo da identidade negra e indígena do bairro da Liberdade.
Leia também: SÃO PAULO: O BAÚ DE ANHANGÁ
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