Cemitério da Consolação: onde história e arte tumular se encontram

Primeiro cemitério público de São Paulo conta a história da cidade por meio de suas sepulturas e obras de arte

Denize Bacoccina

Quem passa hoje pelo Cemitério da Consolação, no meio do caminho entre a Avenida Paulista e o Centro de São Paulo, nem imagina que quando o cemitério foi criado, em 1858, o local foi escolhido justamente por ficar distante da área urbana.

A história começa em 1828, quando o imperador Dom Pedro I, poucos anos após a independência do Brasil, promulgou uma lei que obrigava as Câmaras Municipais a construírem cemitérios a céu aberto, proibindo o sepultamento dentro ou ao redor das igrejas, conforme o costume da época, que passou a ser condenado pelos higienistas por representar riscos à saúde pública.

Na época, São Paulo contava apenas com o Cemitério dos Aflitos, onde é hoje o bairro da Liberdade, destinado principalmente ao sepultamento de escravizados, condenados e pobres. Saiba mais sobre essa história aqui. A elite era sepultada nas igrejas, pois se acreditava que o enterro em solo sagrado facilitava a chegada ao céu.

A construção de um cemitério público foi defendida pela primeira vez pelo vereador Joaquim Antônio Alves Alvim, em 1829. Nas décadas seguintes, a cidade discutia o local da nova necrópole, sem consenso. Foram considerados o entorno da igreja da Consolação (que já existia, mas em um prédio mais modesto), a região da Luz e dos Campos Elíseos (que na época ainda não era o loteamento residencial que depois se transformou), mas a ideia não prosperou.

Até que em 1855 o engenheiro Carlos Rath indicou como local ideal os altos da Consolação, considerando a altitude da região, a direção dos ventos, a qualidade do solo e sua “grande distância” da cidade. Em 1850 a capital tinha cerca de 25 mil habitantes.

A área escolhida ficava à margens da Estrada dos Pinheiros (hoje Rua da Consolação e Avenida Rebouças), caminho que já era utilizada pelos bandeirantes desde o século 17. Parte das terras era de domínio público e outra parte, pertencente a Marciano Pires de Oliveira, foi adquirida pela Câmara Municipal por duzentos mil réis, de acordo com o historiador Luís Soares de Camargo em texto no blog do Departamento do Patrimônio Histórico (DPH). As obras foram iniciadas, mas a falta de verbas imprimia um ritmo lento. Elas foram finalmente concluídas após a doação de dois contos de réis por Domitila de Castro Canto e Melo, a Marquesa de Santos, destinados à construção da primeira capela do cemitério, em 1857.

O Cemitério da Consolação foi inaugurado em 15 de agosto de 1858, num momento em que a cidade enfrentava uma epidemia de varíola. O primeiro sepultamento registrado foi o de Thereza, agregada do Major Matheus Fernandes Coutinho, conforme o Arquivo Histórico Municipal de São Paulo.

Nove anos depois, a Marquesa de Santos, que ajudou a viabilizar a nova necrópole, foi sepultada no local.

Nas décadas seguintes, a área do cemitério foi ampliada. Em 1884, parte da chácara do Conselheiro Ramalho, nos limites com Higienópolis, foi incorporada ao espaço e, em 1890, um grande lote da chácara de Joaquim Floriano Wanderley, na direção da Avenida Paulista foi desapropriada e anexada.

Até a inauguração do Cemitério da Quarta Parada, em 1893, o Consolação foi o único cemitério público de São Paulo. Em 1897 foi aberto o Cemitério do Araçá.

Em 1901, o vereador José Oswald Nogueira de Andrade – pai do escritor modernista Oswald de Andrade –, cuja família também está sepultada no local, propôs a reforma dos muros e do pórtico do cemitério, argumentando que o aspecto do local não condizia com a importância da cidade. O projeto foi encomendado ao arquiteto Ramos de Azevedo, que também construiu a capela atual, em 1902.

As obras foram concluídas em 1909 e transformaram o Cemitério da Consolação em uma necrópole bastante visitada e de grande importância histórica, pelas pessoas públicas sepultadas ali, quanto pelo rico acervo de arte tumular, com esculturas, vitrais e monumentos assinados por artistas e arquitetos renomados, como Victor Brecheret, Rodolfo Bernardelli, Bruno Giorgi, Celso Antônio de Menezes e outros, além de várias obras sem assinatura do autor.

Entre os sepultados no Cemitério da Consolação estão figuras como Tarsila do Amaral, Mário e Oswald de Andrade, Monteiro Lobato, Líbero Badaró, Luís Gama e Domitila de Castro, a Marquesa de Santos.

Veja galeria de imagens do Cemitério da Consolação:

Visitas mediadas e preservação da memória

Quer conhecer e saber onde estão enterradas essas figuras históricas? O local tem entrada livre, entre 7h e 17h. O endereço é Rua da Consolação, 1660.

É possível se guiar pelo mapa preparado pela Prefeitura de São Paulo com os principais túmulos ou participar de uma das visitas gratuitas guiadas por Francivaldo Gomes, conhecido como Popó, funcionário do cemitério desde 2000 e profundo conhecedor do espaço.

As visitas guiadas acontecem às segundas, a partir das 14h, e os ingressos gratuitos podem ser retirados no Sympla.

O Cemitério da Consolação está sob gestão da Consolare, e os registros históricos e documentos originais permanecem sob a guarda do Arquivo Histórico Municipal de São Paulo.

Veja alguns dos túmulos mais visitados do Cemitério da Consolação

Mausoléu da Família Matarazzo

Mausoléu da Família Matarazzo

Construído pelo Conde Francesco Matarazzo, imigrante italiano que se tornou o maior industrial brasileiro no início do século 20, para enterrar seu filho Ermelino Matarazzo, que morreu num acidente de carro, na Itália. O mausoléu tem 150 metros quadrados e 20 metros de altura. Foi escupido em Gênova, na Itália, e trazido ao Brasil em blocos. O italiano Luiggi Brizzolara é o autor das esculturas de bronze Guardiões e Pietá.

Túmulo do abolicionista Luiz Gama

Luiz Gama

Luiz Gonzaga Pinto da Gama foi um jornalista e advogado abolicionista autodidata, responsável pela libertação de cerca de 500 escravizados em meados do século 19. Ele nasceu em Salvador, em 21 de junho de 1830, filho de Luísa Mahin, africana livre vinda da Costa da Mina e de um fidalgo português que vivia em Salvador e o vendeu como escravo sem o consentimento da mãe. Em 1848, Gama fugiu da casa de seus senhores e logo depois conseguiu documentos que confirmavam sua liberdade.

Morreu em São Paulo em 24 de agosto de 1882 e, em 2015, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) lhe concedeu o título de advogado por sua atuação como abolicionista. O seu enterro foi acompanhado por milhares de pessoas, num cortejo que saiu do Brás e seguiu até o Cemitério da Consolação. O túmulo tem o compasso e o esquadro, símbolo da Maçonaria, que ele integrava com o grau máximo.

Sepultura da Família Andrade, da Oswald de Andrade

Oswald de Andrade

Túmulo da Família Andrade. Ali estão sepultados também seu pai, sua mãe, e sua primeira esposa, Daisy. Em frente à sepultura da família, em 1930, ele fez uma cerimônia de casamento simbólica com Patrícia Galvão, a Pagu. Oswald de Andrade morreu em 22 de outubro de 1954.

Túmulo da Marquesa de Santos

Marquesa de Santos

Domitila de Castro Canto e Melo, Marquesa de Santos, descendente de família tradicional paulista, foi amante de Dom Pedro I, imperador do Brasil, que lhe conferiu o título nobiliárquico de marquesa em 1826. Foi enterrada no Cemitério da Consolação em novembro de 1867 e até hoje seu túmulo é muito visitado.

Túmulo de Dom Luiz Gastão de Orleans e Bragança

Dom Luiz de Orleans e Bragança

Túmulo de Sua Alteza Imperial e Real o Augusto Senhor Dom Luiz Gastão Maria José Pio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Orleans e Bragança, Chefe da Casa Imperial do Brasil, Príncipe do Brasil, Príncipe de Orleans e Bragança, considerado o primeiro na sucessão do trono, se o Brasil não tivesse deixado de ser uma monarquia em 1889. Durante boa parte da vida, fez campanha pela volta da monarquia.

O guia Popó explica os símbolos retratados na imagem em bronze no Mausoléu do Chapeleiro, da Sociedade Beneficente dos Chapeleiros

Túmulo coletivo da fábrica de chapéus

Túmulo coletivo para o sepultamento dos empregados da fábrica de chapéu de João Adolfo. A placa de metal conta a história de São Paulo da época, com seus rios e símbolos de riqueza econômica. O último funcionário foi sepultado em 1986.

Túmulo de Armando Álvares Penteado

Túmulo de Armando Álvares Penteado

Com forte influência da arquitetura racionalista e de autoria desconhecida, este mausoléu abriga os restos mortais de Armando Álvares Penteado, cafeicultor, empresário e fundador da FAAP, criada pela doação de seus bens. Merece atenção o mármore, importado da França, muito rico em mica. Foi enterrado no local em janeiro de 1947.

Túmulo da Família Siniscalchi, com jazigo em formato de templo gótico italiano

Túmulo da Família Siniscalchi

Jazigo em formato de templo gótico italiano, em mármore de Carrara, executado por Ocheri & Barrieri, da Marmoraria Savóia. Emilio Siniscalchi nasceu em Benevento, na Itália, chegou ao Brasil em 1903 e estabeleceu a primeira confeitaria italiana na cidade de São Paulo, a Confeitaria Guarany, na Avenida Rangel Pestana, no Brás. Décadas mais tarde seu filho abriu uma das primeiras cantinas com forno a lenha na cidade, a Cantina Castelões, também no bairro do Brás.

Interrogação, de Francisco Leopoldo e Silva, no jazigo de Moacyr Piza

Interrogação

Nesta escultura em granito de 1922, colocada sobre o túmulo de Moacir de Toledo Piza, o autor, Francisco Leopoldo e Silva, apresenta uma mulher nua, semi-reclinada, sentada com as pernas sobrepostas e parcialmente estendidas, com o rosto abaixado demonstrando pesar, formando um ponto de interrogação para demonstrar a incompreensão sobre a morte de Moacir Toledo Piza.

Francisco Leopoldo e Silva iniciou seus estudos de escultura no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, na capital, com orientação do mestre Amedeo Zani e, em seguida, frequentou a Academia de França, em Paris, junto com o escultor ítalo-brasileiro Victor Brecheret (1894-1955). Entre 1911 e 1914, estudou em Roma com uma bolsa de estudos do Governo do Estado de São Paulo. No ano seguinte, voltou a Roma para estudar com o grande escultor Arturo Dazzi no Instituto de Belas-Artes.

Túmulo do ex-presidente Campos Salles

Túmulo do presidente Campos Salles

Tumulo feito em 1919 pelo mexicano Rodolfo Bernardeli por encomenda do governo de São Paulo para o quarto presidente da República, entre 1898 e 1902. Manoel Ferraz de Campos Salles nasceu em Campinas e morreu em São Paulo em 1913.