A Vida no Centro

Tipologias Ficcionais

Marcio Aquiles é escritor, crítico literário e teatral, autor dos livros Artefato Cognitivo nº 7√log5ie (Prêmio Biblioteca Digital 2021); A Cadeia Quântica dos Nefelibatas em Contraponto ao Labirinto Semântico dos Lotófagos do Sul; A Odisseia da Linguagem no Reino dos Mitos Semióticos; O Eclipse da Melancolia; O Esteticismo Niilista do Número Imaginário; entre outros. É um dos organizadores da obra Teatro de Grupo (Prêmio APCA 2021). Foi jornalista e crítico da Folha de S.Paulo, e desde 2014 trabalha como coordenador de projetos internacionais na SP Escola de Teatro. A coluna trará resenhas de espetáculos em cartaz na cidade e textos sobre literatura.

Marcio Aquiles: vamos falar sobre teatro e livros?

O crítico literário e teatral e escritor Marcio Aquiles, novo colunista do A Vida no Centro, apresenta sua coluna e explica o que ele busca quando assiste a uma peça teatral ou está escrevendo um novo romance

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Erudição e radicalidade são dois meios eficientes para se alcançar alguma originalidade, que, sim, julgo importante para as obras neste terceiro milênio do nosso calendário.

Por Marcio Aquiles

A proposta dessa coluna será compor alguns escritos sobre espetáculos em cartaz em São Paulo. Serão textos sem uma tipologia inicialmente definida, sem amarras, nem críticas tampouco resenhas, e sim algo mais próximo ao ensaio, já que trarão tópicas específicas e algum delineamento teórico por trás, ao mesmo tempo em que darão espaço ao devaneio e alguma poética.  

No dia 16 de março, organizamos uma palestra do Gerald Thomas, com os estudantes de direção, na SP Escola de Teatro. Ao responder a uma pergunta sobre categorias, o encenador demonstrou seu desagrado em colocar trabalhos dentro de caixinhas pré-determinadas, opinião que compartilho em absoluto, embora a meu ver isso não seja reducionismo acadêmico ou jornalístico, mas simplesmente uma práxis humana de agrupar fenômenos semelhantes ou divergentes – seja segmentar alimentos em carboidratos e proteínas ou escolas literárias em, digamos, naturalismo ou surrealismo.

Dessa feita, pessoalmente não sinto a menor necessidade de enquadrar o trabalho de Gerald, porém, se tivesse que fazê-lo, dentro de um recorte bem específico, definido pelas cerca de dez montagens suas a que assisti, eu apontaria como fundamental certo eixo abstrato de seu trabalho. Um adjetivo é pouco para definir um trabalho? Evidente. Porém, seres humanos conversam e precisam delimitar, nem que seja dentro de nosso restrito campo mental e linguístico, os fenômenos naturais/culturais. Nesse particular, o “abstrato” sugere uma linha para que se possa vislumbrar sobre o que se lê, vê ou fala.

Esse eixo abstrato de seu trabalho se manifesta por muitas formas: estilização cenográfica, verborragia e/ou hiperintelectualização das personagens, frenesi metafísico, e por aí vai. E são formas, ateste-se, que não excluem reverberações ou interpretações políticas. Elas apenas não estão, neste meu palpite e olhar crítico, em primeiro plano.

Aliás, a dicotomia entre o teatro épico-dialético catalisado por pautas sociais e o teatro que, de forma ampla, vou chamar de abstrato (podendo incluir dispositivos alegóricos, do nonsense, simbolistas etc.), talvez venha muito da cisão que ocorreu na historiografia entre os acadêmicos marxistas e pós-modernistas. Parece que o teatro herdou um pouco disso, e qualquer flerte com o transcendental amiúde é visto como burguês, formalista, alienado e alienante… E esse ‘tipo de arte’ é tão vital e válido quanto qualquer outro. [Mais exemplos de artistas/coletivos que, em alguns trabalhos, seguem essa mesma veia: Bia Lessa, Estúdio Lusco-Fusco, Felipe Hirsch, ultraVioleta_s]

Chegando agora ao trechinho em negrito que abre essa primeira coluna, no alto da página, quando assisto a um espetáculo ou estou escrevendo um romance novo, o que busco como fonte de prazer ou referência de criação orbita essas esferas. Radicalidade, no que tange à instauração de temáticas não convencionais; implementação de tensões sejam linguísticas, filosóficas ou audiovisuais/sensoriais; proposição de soluções ou impasses estéticos ou dramatúrgicos inovadores. E a tal da erudição, pobrezinha, adquiriu conotação tão pejorativa que muitos acham mais fácil nem estudar, afinal, qualquer opinião ou banalidade se derrete no relativismo absoluto. Mas, felizmente, muitos criadores sabem de sua própria mediocridade e insignificância (o meu caso), e se matam de estudar para vencer essas limitações e produzir algo significativo.

Pois bem, o Gerald invadiu a pauta aqui porque, para mim, ele é o epítome dessas duas palavras/concepções tão importantes. Erudição e radicalidade são também dois meios eficientes para se alcançar alguma originalidade, que, sim, julgo importante para as obras neste terceiro milênio do nosso calendário. A valoração do conceito – que, na história da arte, é novo, surgindo, na forma mais ou menos como o conhecemos hoje, apenas no século XVIII – também vem sofrendo desgaste, porém considero essencial para nos levar a algum lugar além que sobrepuje a mimese dessa realidade chata do cotidiano.  

Por fim, encerro com o comprometimento de, quando der na telha, escrever sobre livros também.
@marcioaquiles

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