A Vida no Centro

Origens paulistanas

Vera Lucia Dias atua como guia cultural na cidade de São Paulo. Tem graduação em Turismo e pós em Globalização e Cultura pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Conselheira de Turismo, representou a Secretaria Municipal de Cultura e o Sindicato de Guias do Estado de São Paulo. Nascida no bairro da Mooca, publicou em 2008 “O Tupi em São Paulo Vocabulário de nomes tupis nos bairros paulistanos” pela editora Plêiade. Busca a reflexão sobre a presença Guarani nas aldeias da cidade.

Arouche, José Bonifácio, Barão de Itapetininga e as questões indígenas

Intelectuais de origem europeia decidiram o destino dos indígenas e viraram nomes de ruas no Centro de São Paulo

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Vera Lucia Dias

Porém andam muito bem curados e muito limpos. E naquilo me parece ainda mais que são como aves …. às quais faz o ar melhor … porque os corpos seus são tão limpos, tão gordos e formosos, que não pode mais ser.” Carta de Pero Vaz de Caminha em maio de 1500 ao avistar homens da terra denominada Ilha de Vera Cruz.

Trezentos anos depois, entre 1820 a por volta de 1835, dois intelectuais de São Paulo refletem e trabalham para decidir o que seria melhor para os povos indígenas e o uso da terra. E trinta anos depois um grande proprietário luta para proteger suas terras, o Barão de Itapetininga.

O General José Arouche de Toledo Rendon estudou direito em Coimbra. Foi deputado, após a Independência; primeiro diretor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco de 1828 a 1833. Era de conhecimento geral que desde meados do século XVI na capitania de São Paulo estavam os Guaianás em Piratininga, do tupi “peixe seco”. Mudaram-se para subúrbios fundando Aldeias como São Miguel e Pinheiros. E que a maior parte dos moradores era formada por gente mestiça oriunda do gentio.

Como então coordenar as aldeias distantes do interior e do litoral com brancos, mestiços e as aldeias próximas? Segundo escreve Arouche seriam necessários princípios e regras gerais para achar meios de tirar proveito da civilização dos índios e seus territórios, dando braços à agricultura e aliviando a necessidade do negro do comércio de escravos com a África.

O plano de Arouche em 1823 dizia: “Convém extinguir para sempre o bárbaro costume de atacar os índios como inimigos; convém em toda a ocasião tratá-los bem; convém aldeá-los um pouco perto de nossas povoações para ensinar cultivo e convém separar-lhes os filhos entregando a boas famílias que os saibam educar, e que em prêmio lucrem os seus serviços até certa idade.”

O Largo que recebeu seu nome era o antigo Largo da Legião ou da Artilharia, depois batizado de Arouche.

O intelectual José Bonifácio de Andrade e Silva, nascido em Santos, formou-se também em Coimbra concluindo estudos jurídicos, matemática e filosofia natural. Pesquisou mineralogia, química e geognosia ou estudos da terra.

No seu escrito “Apontamentos para a Civilização dos Índios Bravos do Império do Brasil”, elaborou projeto de integração dos índios à sociedade nacional. Acreditava na mestiçagem para surgir uma nova raça, prevalecendo o branco. Para isso, o governo deveria favorecer por todos os meios possíveis os casamentos entre índios, brancos e homens de cor.

Foi um precursor da reforma agrária, defendendo restrições aos latifúndios e incentivando a pequena e média propriedade. E, como cientista, enquanto ministro, foi autor da lei obrigando reflorestamento, em 1823.

A Praça do Patriarca homenageia José Bonifácio, considerado o patriarca da Independência.

No meio desse caminho central da cidade de São Paulo, uma via chamada Barão de Itapetininga, do tupi “pedra seca/rasa”. Homenagem ao paulistano Joaquim José dos Santos Silva, que mais de vinte anos depois da atuação dos dois intelectuais reclamou da divisão de suas terras para a abertura de rua. Sua propriedade no Chá, localizada no Morro com mesmo nome, era delimitada pelo Largo da Memória, Rua 7 de Abril, Avenida Ipiranga e Praça da República até a Avenida São João.

Em 1862 recebeu desapropriação de um trecho através da Câmara Municipal para a abertura da citada via. E, após dez anos foi homenagem com seu nome um local que se tornou elegante passagem.

Como se observa, o período em que esses pensadores viveram em nenhum momento estabelece diálogos com povos da terra, mas exerce o domínio nas decisões. E pode-se afirmar que foram propositores de respeito a essas populações.

Para os povos indígenas pouco restou, seja de suas terras ou da cultura. Mesmo assim nunca deixaram de lutar, de sobreviver e respeitar as matas. Herança forte foram as denominações que inseriram e que permaneceram com mais de dez mil palavras em nosso vocabulário.

Por isso conversamos sobre o Pari, o Morumbi, o Pará, a pipoca, a tapioca, o Tatuapé, o Ibirapuera, o araçá, o Grajaú, o jaguar, o ipê, o Itamarati, o jacarandá, Sergipe, Capivari, maracatu ou manacá.

Fontes: Escravidão e Liberdade. Texto 5 / Dicionário de ruas

Vera Lucia Dias

vera@passeiopaulistano.com

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