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Histórias de São paulo

Laercio Cardoso de Carvalho é guia de turismo cadastrado desde 1983. Com bastante vivência no Centro, criou vários roteiros temáticos e é o guia da Caminhada Noturna desde o seu início, em 2005. É professor no Senac nos cursos de formação de Guia de Turismo e nas Faculdades da Maturidade na PUC e na UNIP. Palestrante, é autor do livro "Quando Começou em São Paulo? 458 respostas pelo Guia de Turismo Laercio Cardoso de Carvalho”.

Arte no alto: obras de artistas nos prédios do Centro de São Paulo

Mosaicos, pinturas em painéis construídos para este fim ou em empenas cegas dos prédios. Veja obras de arte no alto em São Paulo

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Tempo de leitura:5 minutos

No post anterior comentei sobre obras de arte, de autores consagrados, que são  facilmente visíveis em paredes do centro de nossa cidade. Vamos falar agora de obras de artistas consagrados que, para serem vistas, é necessário levantar a cabeça, e às vezes, até mudar de calçada para poder apreciá-las melhor. É a arte no alto.

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É o que acontece com o painel Alegoria das Artes no Teatro de Cultura Artística, na Rua Nestor Pestana, número 196. É o maior painel horizontal em mosaicos. Quarenta e oito metros de comprimento por oito de altura. Para ornamentar a fachada do prédio projetado por Rino Levi em 1942, e construído entre 1947 e 1949, foram convidados para apresentar propostas para um painel em mosaico Roberto Burle Marx, Jacob Ruchti e Di Cavalcanti.

O vencedor foi Di Cavalcanti com tema figurativo e didático, remetendo ao que acontece naquele espaço. As figuras femininas representam o Teatro, a Música e a Dança.

Painel de Di Cavalcanti na fachada
do teatro Cultura Artística

Desde 1952 o painel embeleza a fachada do prédio. Felizmente sobreviveu ao incêndio que destruiu todo o teatro em agosto de 2008. Necessitou de reparos que foram feitos por Isabel Ruas a partir de 2010, durando um ano e quatro meses. Além da limpeza, foram corrigidas mudanças no desenho que haviam sido feitas numa reforma nos anos 1970. Também houve a substituição da argamassa degradada da superfície que o sustenta. No momento está protegido por uma tela enquanto o teatro está sendo reconstruído.

Do maior mosaico em horizontalidade vamos ao maior em área. São 600 metros quadrados, com 20 tonalidades de azul. Fica no Edifício Comercial Executive na av. Angélica, 2016, inaugurado em 25 de junho de 2003. O autor é Claudio Tozzi, vencedor do concurso em que 506 artistas estavam concorrendo. Foram 4 meses de trabalho, 5 fornecedores das pastilhas para as 20 tonalidades de azul. Diferente de outros, o painel ocupa toda a fachada do prédio e mais uma estreita faixa na lateral.

Vale uma saída da área central para a av. Professor Alfonso Bovero, número 52, no Sumaré. No prédio projetado por Gregório Zolko, inaugurado em agosto de 1960 pela TV Tupi para ser sua nova sede, estão dois interessantes painéis, um na fachada e outro na lateral. Foram projetados pelo artista israelense Gerson Kispel e encomendados em 1958 pelo próprio Assis Chateaubriand. O tema: índios, uma referência à TV Tupi. Chateaubriand era admirador dos índios brasileiros e várias de suas emissoras de rádio e TV tinham nomes indígenas.

Gerson Knispel era judeu alemão nascido em 1935. Chegou ao Brasil em 1957 e com o regime militar vai para Israel. Nesses painéis usou técnica novíssima para a época, agregando material jateado para realizar uma espécie diferenciada de mosaico.

Pintura na Casa Ramos de Azevedo

Lei Cidade Limpa e a propaganda

Antes da Lei número 14.223 de 26/9/2006 (Lei da Cidade Limpa) não havia pinturas artísticas nas empenas cegas dos prédios. Quando começaram a surgir, na metade da década de 2010, passaram a atrair a atenção de moradores e visitantes. Antes da lei, esses espaços eram usados para propaganda, como podemos ver em fotos antigas, divulgando produtos ou atividades relacionadas ao prédio onde estavam instaladas. Um exemplo: na rua Boa Vista, a Casa Ramos de Azevedo era um prédio comercial onde ficavam os escritórios de Ramos de Azevedo e, no térreo, a loja de materiais de construção administrada por seu genro, Ernesto de Castro, visível  só em fotos antigas. Hoje impossível verificar se ficou alguma marca pois o prédio vizinho está encostado a ele.

Empena cega do Edifício Martinelli com vista para a Rua Líbero Badaró

Já no prédio Martinelli, na empena cega voltada para a rua Líbero Badaró está lá ainda visível uma moldura. Dá para perceber que ali esteve pintada uma garrafa. Em imagens antigas vemos que se tratava de uma bebida italiana, a Fernet Branca.

Surpresa foi o aparecimento de um painel com pintura fazendo a propaganda da cerveja Caracu. Ficou visível quando o edifício Wilton Paes de Almeida, abandonado e invadido, pegou fogo e desabou sobre a igreja luterana em 2018. O painel estava no edifício Caracu destinado aos escritórios da empresa. Na empena a grande pintura fazia a divulgação da cerveja. Com a construção do edifício Wilton Paes de Almeida, colado ao prédio, a propaganda ficou encoberta. Pela Lei Cidade Limpa não poderia permanecer assim. Foi então toda pintada de verde e pouco tempo depois recebeu um alegre painel.

Antiga propaganda da Caracu que apareceu na empena cega após o desabamento do Wilton Paes de Almeida
Empena cega que apareceu após o desabamento do Wilton Paes de Almeida
Empena cega que apareceu após o desabamento do Wilton Paes de Almeida, agora com um grafite

Merece destaque  o prédio do Banco de São Paulo (não confundir com o Banco do Estado de São Paulo). Fica no final da rua XV de Novembro e foi inaugurado em 1938, um projeto de Álvaro de Arruda Botelho. Um exemplar maravilhoso de Art Déco. Todo trabalhado com o mesmo tema, presente nas grades e portões, nos botões dos elevadores e de cima a baixo na empena cega, na parte mais alta da parede as três letras BSP. Mesmo prevendo que poderia ser encoberto, como aconteceu na parte mais baixa da parede, a decoração foi efetuada, tornando-se um caso único.

Lateral do edifício do antigo Banco de São Paulo

Com o passar do tempo esses espaços começaram a ser comercializados para instalação de painéis de  propaganda. Havia empresas especializadas na comercialização desses espaços, variando o preço pelo tamanho do espaço e pela visibilidade, a localização desses prédios, a quantidade de pessoas que passavam por esses espaços.

Pinturas artísticas, antes da Lei Cidade Limpa, eram raridade. Devemos destacar:

No prédio na Praça da República, na parte mais alta da empena estava o painel A Zebra, pintado em poliuretano sobre zinco, com 64 metros quadrados, de autoria de Claudio Tozzi em 1972.

Mauricio Nogueira Lima (Recife 1930 – Campinas 1999) pintor, arquiteto, desenhista, artista gráfico, professor, autor da logomarca da Primeira Feira Internacional da Indústria Têxtil (Fenit) e de diversos trabalhos em espaços públicos, em estações do Metrô, fez em 1979 um painel com pintura geométrica nas paredes de prédio na rua São Bento, com vista para o Largo São Bento.

Painel de Tomie Otahke ao lado do metrô Anhangabaú

Tomie Ohtake (Japão 21/1/1913 – SP 12/2/2015), artista consagrada na pintura e escultura é autora do painel bidimensional com 55 metros de altura e 22 metros de largura, na empena cega do edifício Santa Mônica na rua Cel. Xavier de Toledo, bem junto à entrada da estação Metrô Anhangabaú. Bem fácil de ser visto, agora que a pintura foi restaurada. Difícil é ver a pequena assinatura da Tomie, no canto esquerdo. O painel de 1984 é a ampliação 50 vezes de uma tela pintada por ela. Uma equipe de pintores da Emurb, coordenada pelo arquiteto José Roberto Gracian, transferiu  a tela para a parede.

Na avenida Cásper Líbero, 115, na empena cega voltada para o Largo Santa Ifigênia, em 1998 Maria Villares, pintora, desenhista, escultora, ceramista, realizou uma pintura bastante colorida ocupando todo o espaço.

Com a Lei Cidade Limpa as empenas passaram a ter novos usos, servindo de telas para novos artistas, não oriundos de escolas de arte, mas grafiteiros hoje com trabalhos em várias partes do mundo.

Isso é assunto para o próximo post.

Leia também: PORTINARI, DI CAVALCANTI, CLAUDIO TOZZI. VEJA OBRAS DE ARTISTAS CONSAGRADOS NAS PAREDES DO CENTRO