Tony Nyenhuis
Nunca fui de questionar se na vida existe uma lógica para as coisas acontecerem. Acho que algumas pessoas chamam isso de destino, essa coisa que a gente adora acreditar desconfiando – no meu caso, pendendo muito mais para a incredulidade.
Faço a introdução porque a história que compartilho com os leitores do
A Vida no Centro parece destinada a mostrar que destino existe. Tal qual como se imagina: um acontecimento banal destinado a mudar nossa vida. Fica a critério de cada leitor ou leitora o veredito da situação que se segue.
Era agosto de 2014, há exatos quatro anos, e caminhava pela Brigadeiro Luís Antônio. Pela Brigadeiro “do lado do Centro”, como a gente diz. Pertinho da Paulista. E no passo apressado típico da cidade vi caída na calçada uma figura. Um recorte em papel pardo de um bichinho que parecia da família dos dinossauros. Continuei andando. Mas, ao passar pela figura na calçada, alguma coisa dentro de mim dizia para tirar uma foto.
Esses momentos que a gente briga com a gente mesmo se perguntando o motivo. Tirei o celular da mochila, liguei a câmera, e voltei. Abaixei-me ao lado da figura para tirar a foto e quase fui atropelado pela multidão. Fiz o click. Achei a atitude estranha e segui até o Centro. Dias depois, comecei a trabalhar em uma agência e como gosto de andar decidi fazer o trajeto a pé. Lembrei da figura que havia fotografado na Brigadeiro e passei a fotografar detalhes das calçadas. Não pensava serem tantos.
Chegava na agência e mostrava à galera. As fotos chamavam a atenção por serem tiradas de perto, eu praticamente ajoelhava. Aí, alguém falou que o tema era diferente e meu olhar sobre o tema também. E que deveria colocar na internet. Fiz um Tumblr e passei a escrever textos como se as calçadas ‘falassem’. Isso. As pessoas começaram a gostar, fazia postagens nas minhas redes sociais e a ideia foi se desenvolvendo.
A ideia virou projeto
Coloquei o nome de
CalçadaSP. O conceito era mostrar “as belezas e tristezas das calçadas de São Paulo”. Lendo o jornal, tomei conhecimento sobre um prêmio de mobilidade urbana. E inscrevi o CalçadaSP, por que não? Embora a iniciativa tivesse poucos meses, tratava de um tema pouco falado e importantíssimo para as cidades: as calçadas, e por extensão os pedestres. E não é que ganhamos Menção Honrosa?
O prêmio foi um belo impulso para seguir fotografando calçadas. Nos fins de semana ia principalmente ao Centro, também aos bairros e às periferias. O CalçadaSP acabou transformando a minha maneira de ver a cidade, as pessoas e a mim mesmo. Quanto mais caminhava pela cidade, mais descobria o significado da palavra Empatia.
Veio, então, outro passo importante. Inscrevi a iniciativa para expor as fotos no Metrô. E não é que o projeto foi selecionado? Em agosto de 2015 inaugurávamos uma mostra na estação Paraíso, no mês seguinte nossas fotos de calçadas foram para a estação Santana, depois estação Alto do Ipiranga e a exposição terminou na estação Clínicas.
Conseguimos matérias na TV Globo, na Record News, dei entrevista na Rádio Estadão e, quando vi, a brincadeira ficou séria. Um dia tocou o telefone e era do Sesc, peguei o avião e fui até Rio Preto participar de debate com professores da USP. Depois, estava na banca de TCC do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. O CalçadaSP foi parar até na programação da Virada Sustentável, evento que gosto tanto.
Novos olhares, novos horizontes
Comecei a ver que precisaria de mais gente para levar a nossa mensagem cada vez mais longe. Convidei a Wans Spiess, amiga comprometida com causas e projetos de impacto social, e ela topou. Com a Wans caminhando junto, suas referências e visão de quem conhece várias cidades do mundo, descobrimos a essência do CalçadaSP.
E, através da essência,
o verdadeiro propósito da iniciativa: despertar o olhar apreciativo. O que a gente faz é usar arte, design e inovação para chamar a atenção das pessoas para as calçadas – primeiro passo de uma longa jornada de descobertas. Como elas estão judiadas, é verdade. Escolhemos, no entanto, a direção oposta: revelar histórias, pisos e formatos invisíveis no dia a dia que a população se surpreenderia em conhecer.
Acabamos por virar um hub de criatividade sobre o tema, explorando novos caminhos. Fizemos parcerias, como este blog no A Vida no Centro, e estamos conversando até para ter um programa de rádio. Temos planos para transformar a exposição do metrô em uma mostra itinerante, fazer documentário sobre calçadas, lançar livro de fotos e várias outras ideias. Tudo por causa daquela singela figura na calçada da Brigadeiro.
Se foi destino, não sei dizer. Seguimos caminhando e felizes por esses 4 anos.
Siga o CalçadaSP no Instagram (@calcadasp) e use #calçadasp para compartilhar suas fotos, elas podem fazer parte da galeria de calçadas do projeto.