A Vida no Centro

CalçadaSP

Wans Spiess e Tony Nyenhuis são publicitários e criadores do CalçadaSP, iniciativa de ativismo urbano com olhar artístico. Aqui, eles usam as calçadas do centro para caminhar sobre diferentes temas da região mais pulsante da cidade.

Quer caminhar comigo?

Uma caminhada pelo Centro de São Paulo pode revelar a riqueza de se viver numa das cidades mais diversas do mundo

Publicado em:
Tempo de leitura:5 minutos

Por Wans Spiess

A casa onde morava com os meus pais quando eu era criança ficava em um bairro afastado de todos os meus compromissos infantis: escola, aula de inglês, violão, visita à casa dos avós. Como as opções de transporte público eram restritas, minha santa mãe assumiu o papel de motorista da casa e nos levava pra cima e pra baixo. Não havia espaço para andar a pé; quando muito, alguns passos rápidos entre o meio fio e a porta de entrada.

A adolescência trouxe a rebeldia e a liberdade (controlada) de poder andar sozinha nas ruas. Mas eu e minhas amigas não estávamos interessadas em desbravar a vida urbana. Preferíamos a paquera fácil dos corredores de shoppings e galerias, ou das matinês aos domingo nas danceterias dos clubes. A calçada permanecia apenas como meio para chegar lá.

Foi só quando entrei  na faculdade que descobri o prazer de caminhar. Como estudante de Direito da USP, deslocada do Campus Universitário para o Centro de São Paulo, andar pelas calçadas tornou-se não só necessário como também prazeroso. Foi nesse compasso que entendi o quão interessante pode ser caminhar para descobrir a cidade.

Lembro-me como se fosse hoje do cheiro do churrasco grego no caminho do metrô à faculdade. Era ainda cedo, mas os pedaços de carne amontoados já rodavam nas máquinas metálicas. Ao redor da iguaria reuniam-se desempregados, aposentados, motoboys, homens-placa e outras figuras típicas do centro da capital. Hoje os vejo como monumentos de uma parte da cidade que recusa a gourmetização.

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Já os olhos contemplavam os diferentes estilos arquitetônicos que insistem em coexistir. Fui aprendendo a identificar o neogótico da Catedral da Sé, o art-nouveau do Teatro Municipal, o colonial português do Pateo do Colégio e toda a história da formação da metrópole que carregam. Numa época em que o mundo virtual dava seus primeiros passos – veja bem, estamos falando do início dos anos 90 – eu dava passadas largas pelo meu “Google Street View” da vida real.

Mas o que aprendi mesmo vai muito além dos sentidos. Ao caminhar pelas calçadas de São Paulo cruzamos com gente de origem árabe, chinesa, africana e nem nos damos conta disso porque, naquele espaço, nossos passos são iguais. É o privilégio de viver numa das cidades mais étnicas e culturalmente diversas do mundo. Caminhar me ensina a verdadeira democracia e que a cidade é lugar de acolhimento, não importando raça, crença ou status social.

Depois de formada, com o olhar apreciativo apurado e a curiosidade como guia, ganhei o mundo. Viajei muito, sempre que possível, caminhando muito.

Há 3 anos, resolvi voltar para o centro de SP, dessa vez como moradora. Uma das perguntas que mais ouço hoje em dia é se não tenho medo de andar a pé por aqui. Minha resposta é invariavelmente a mesma: “Você toparia caminhar comigo? Tenho certeza que vai se surpreender.” E ai, vamos?

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