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Uma caminhada pelo Centro de São Paulo pode revelar a riqueza de se viver numa das cidades mais diversas do mundo
Por Wans Spiess
A casa onde morava com os meus pais quando eu era criança ficava em um bairro afastado de todos os meus compromissos infantis: escola, aula de inglês, violão, visita à casa dos avós. Como as opções de transporte público eram restritas, minha santa mãe assumiu o papel de motorista da casa e nos levava pra cima e pra baixo. Não havia espaço para andar a pé; quando muito, alguns passos rápidos entre o meio fio e a porta de entrada.
A adolescência trouxe a rebeldia e a liberdade (controlada) de poder andar sozinha nas ruas. Mas eu e minhas amigas não estávamos interessadas em desbravar a vida urbana. Preferíamos a paquera fácil dos corredores de shoppings e galerias, ou das matinês aos domingo nas danceterias dos clubes. A calçada permanecia apenas como meio para chegar lá.
Foi só quando entrei na faculdade que descobri o prazer de caminhar. Como estudante de Direito da USP, deslocada do Campus Universitário para o Centro de São Paulo, andar pelas calçadas tornou-se não só necessário como também prazeroso. Foi nesse compasso que entendi o quão interessante pode ser caminhar para descobrir a cidade.
Lembro-me como se fosse hoje do cheiro do churrasco grego no caminho do metrô à faculdade. Era ainda cedo, mas os pedaços de carne amontoados já rodavam nas máquinas metálicas. Ao redor da iguaria reuniam-se desempregados, aposentados, motoboys, homens-placa e outras figuras típicas do centro da capital. Hoje os vejo como monumentos de uma parte da cidade que recusa a gourmetização.
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Já os olhos contemplavam os diferentes estilos arquitetônicos que insistem em coexistir. Fui aprendendo a identificar o neogótico da Catedral da Sé, o art-nouveau do Teatro Municipal, o colonial português do Pateo do Colégio e toda a história da formação da metrópole que carregam. Numa época em que o mundo virtual dava seus primeiros passos – veja bem, estamos falando do início dos anos 90 – eu dava passadas largas pelo meu “Google Street View” da vida real.
Mas o que aprendi mesmo vai muito além dos sentidos. Ao caminhar pelas calçadas de São Paulo cruzamos com gente de origem árabe, chinesa, africana e nem nos damos conta disso porque, naquele espaço, nossos passos são iguais. É o privilégio de viver numa das cidades mais étnicas e culturalmente diversas do mundo. Caminhar me ensina a verdadeira democracia e que a cidade é lugar de acolhimento, não importando raça, crença ou status social.
Depois de formada, com o olhar apreciativo apurado e a curiosidade como guia, ganhei o mundo. Viajei muito, sempre que possível, caminhando muito.
Há 3 anos, resolvi voltar para o centro de SP, dessa vez como moradora. Uma das perguntas que mais ouço hoje em dia é se não tenho medo de andar a pé por aqui. Minha resposta é invariavelmente a mesma: “Você toparia caminhar comigo? Tenho certeza que vai se surpreender.” E ai, vamos?
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