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Ivam Cabral fala sobre como se apaixonou por Helena Ignez desde o primeiro filme e como se tornaram amigos e vizinhos na Praça Roosevelt
Por Ivam Cabral
ivampsic@gmail.com
Eu me lembro da primeira vez que fui ao cinema. Devia ter três, no máximo quatro anos. Me lembro do lugar onde ficamos sentados, eu, minha mãe, uma amiga dela, a dona Emídia, e meus irmãos Cláudio e Dimi. Chovia na tela e o colorido era muito colorido. Me lembro do som alto e também que era um filme de faroeste. Só não me lembro do nome do filme. Mas recordo, como se fosse hoje, da nossa alegria naquela sala, o Cine Brasil, na praça de cima da minha cidade natal, Ribeirão Claro, lá no Paraná.
Depois desse dia, passei toda a infância e adolescência indo ao cinema. Apesar de bem pobres, o dinheiro para a matinê dominical era reservado pela minha mãe. Religiosamente.
Não sei ao certo quando comecei a ir ao cinema às noites, sozinho. Mas foi bem cedo, talvez aos 10, 11 anos. Embora os filmes em exibição naquele tempo, início dos anos 1970, eram em sua maioria pornochanchadas, eu assistia a todos eles, com raríssimas exceções. É que o Waldemar, que recolhia os ingressos e também fazia as vezes de lanterninha do Cine Brasil, morava na mesma rua de casa e era amigo da minha família.
Assim, minha formação cinematográfica passou todinha pela produção do cinema feito pela rua do Triunfo, pelos filmes do Mazzaropi, por alguns clássicos do cinema brasileiro e pelos grandes sucessos de Hollywood que chegavam até nós com muitos, muitos anos de atraso.
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Atrasado, chegou, um dia, o hoje clássico “O Padre e a Moça”, de Joaquim Pedro de Andrade, lançado em 1966. Eu assisti ao filme talvez em 1975, eu devia ter uns 12 anos, não mais que isso. Era um domingo, isso me lembro bem, porque havia ido à missa – eu sempre fui às missas aos domingos, na celebração das sete e meia. E me lembro, como se fosse hoje, da maravilha que foi encontrar Mariana, a personagem de Helena Ignez no filme.
“O Padre e a Moça” (veja no link acima) se passa em uma zona de garimpo de diamantes decadente, em Rio das Pedras, uma pequena cidade do interior de Minas Gerais, e conta a história de Mariana, que foi entregue por seu pai aos dez anos para criação ao comerciante Honorato (Mario Lago), que a toma como esposa. O filme começa quando o casamento do comerciante e da moça se aproxima e o Padre (Paulo José), recém-chegado à cidade, é chamado para oficializar a cerimônia. Porém, o jovem vigário fica relutante e, ao conhecer a moça, uma paixão avassaladora surge entre os dois.
Só quem assistiu ao filme pode atestar sobre a grandeza que é o trabalho de Helena Ignez nessa obra. Acostumados a ver Helena nos filmes de Rogério Sganzerla, principalmente, em interpretações sempre debochadas e viscerais, não podem dimensionar a grandeza de suas tessituras de composição nessa obra. Na película de Joaquim Pedro de Andrade, a lavra de Helena transita em um registro absolutamente realista. Não acho que seja seu melhor filme. Suas composições em “O Bandido da Luz Vermelha” (1968) e “A Mulher de Todos” (1969), ambos de Sganzerla – que foi seu marido e o grande amor de sua vida –, são, seguramente, dois dos momentos mais marcantes da cinematografia nacional de sempre. Mas vistos em cotejo com “O Padre a Moça” atestam, sem nenhuma sombra de dúvidas, que Helena Ignez é, sim, a maior atriz do cinema nacional.
Mas eu falava da minha paixão pela Mariana, a mocinha do filme da minha adolescência, que habitou o meu imaginário durante muitos e muitos anos. O tempo passou e um dia, no início dos anos 2000, quando chegamos à Praça Roosevelt, eu vejo ali uma mulher caminhando com um cachorro. Os dois chamavam muito a atenção. O cão era enorme, esguio e gracioso. A mulher, além de linda, caminhava, sempre vestida de preto, com donaire e imponência, com seus óculos escuros enormes e passos airosos e majestosos. A visão parecia saída de um filme da nouvelle vague. Essa mulher era Helena Ignez que, soube depois, era nossa vizinha.
Assim nos aproximamos e lá se vão quase 20 anos. A partir daí a história do Satyros e de Helena se borrariam. Fizemos muitas coisas juntos. Helena participou de muitas edições das Satyrianas, nosso festival anual que celebra a chegada da primavera; além de ter atuado em nossas peças, viajado com a gente em digressões pelos interiores (e capitais também) desse Brasilzão afora. Também trabalhamos em seus filmes e colecionamos histórias lindas e incríveis. A última delas é a chegada de Helena ao conselho de administração da Adaap, a Associação dos Artistas Amigos da Praça, que gere o projeto da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco.
Mas me ocorreu falar de Helena aqui porque na semana passada o programa “Persona em Foco”, da TV Cultura, fez uma homenagem a ela e eu fui convidado para dar um depoimento. Nem preciso dizer da minha alegria e honradez. Estava ao lado de monstros sagrados da cultura nacional, como Jean-Claude Bernardet, Julio Bressane e Lia Robatto.
No programa, disponível no Youtube, Julio Bressane disse que Helena inventou a arte de representar e Jean-Claude Bernardet afirma que a partir de “O Bandido da Luz Vermelha” Helena irá rechaçar com o realismo para criar um estilo próprio, em interpretações expressionistas. Diz, ainda, que Helena “é um acontecimento” porque “como atriz criadora, uma parte da dramaturgia é criada por ela”, que não entra no corpo da personagem; antes, seu corpo é responsável pela criação da personagem.
Aos 82 anos, Helena está em seu melhor momento profissional, trabalhando – incansavelmente! – em filmes como atriz, roteirista, diretora e produtora; além de atuar – muito, mas muito mesmo! – no teatro, encontrar tempo para participar de conselhos de instituições importantes e ainda encontrar espaço para se reunir com amigos. Está sempre pronta para a troca, para pensar novos projetos e é uma das companhias mais agradáveis do planeta. Sim, sou um cara afortunado por ter me encontrado – e me apaixonado, pela primeira vez – por essa mulher incrível e dona absoluta de seu tempo.
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