A poesia sonora e visual no espetáculo “Morte e Vida Severina”, por Marcio Aquiles
Peça que inaugurou o Tuca em 1965 volta ao teatro com direção de Elias Andreato
Por Marcio Aquiles
O deserto californiano abriga casas ecologicamente sustentáveis produzidas com uma impressora 3D. Mais da metade do território de Israel é desértico, o que não impede que o país tenha uma agricultura altamente produtiva por meio de irrigação por gotejamento, tecnologia de estufas, sementes híbridas e processos de dessalinização. Exemplos não faltam.
Em nosso sertão nordestino, contudo, território muito menos inóspito do que os acima mencionados, o subdesenvolvimento e a miséria ainda perduram graças à ganância de políticos corruptos e uma elite retrógrada que perpetua a pérfida “indústria da seca”. A expressão, cunhada por Antônio Callado nos anos 1960, é realidade onipresente no contexto de “Morte e Vida Severina”, auto de natal pernambucano de João Cabral de Melo Neto publicado em 1955, tanto quanto neste 2022, em que Elias Andreato leva aos palcos o drama e a poesia de gente aguerrida que precisa lutar diariamente para sobreviver.
A primeira encenação do texto foi no mesmo teatro, o Tuca, em sua inauguração em 1965, com direção de Silnei Siqueira e composições criadas por Chico Buarque. A montagem de agora é de requintada visualidade, onde se harmonizam cores quentes, frias e tons pastéis nas caracterizações de cenário (Elifas Andreato), figurino (Fábio Namatame) e desenho de luz (Elias Andreato e Júnior Docini). A dramaturgia sonora, especialmente a construção de sons e ruídos ambientes pela percussão de Raphael Coelho, reina absoluta, criando uma atmosfera lúdica e instigante que se mantém equilibrada ao verbo em si, este cantado ou narrado por afinado elenco a valorizar o texto melódico que combina os ritmos do auto, do cordel e da prosa.
A gramática do espetáculo é linear, sem reviravoltas ou invencionices, ao assistir cinco minutos já se percebe que a mesma estrutura da encenação irá se manter até o final, o que de modo algum é algo negativo, sobretudo quando a execução é primorosa e milimétrica, como neste caso.
Por fim, é chocante perceber que tantas décadas se passaram e ainda perdura a fome e a pobreza nesses territórios retratados, onde falta de tudo um pouco, com exceção de cultura rica e (verdadeira) cordialidade.
@marcioaquiles
Sexta e sábado às 21:00; domingo às 19:00; até 26 de junho de 2022
Tuca / PUC-SP – Rua Monte Alegre, 1024 – Perdizes, São Paulo
Leia também
Festival de Curitiba, a primavera do teatro
Viver não basta
Marcio Aquiles: vamos falar sobre teatro e livros?
Hedonismo, amor platônico e desencontros em Anjo de Pedra
Ivam Cabral: Fernanda Torres, Jefferson Del Rios e Os Satyros em Lisboa
Vida em comunidade, pertencimento e minha casinha em Parelheiros