De novo, tentando explicar a cracolândia, e que Deus nos ajude…
Espalhar a cracolândia por todo o Centro é mesmo a solução ou apenas uma tentativa de tapar o sol com a peneira?
Celso Fonseca
Sei que estou monotemático, espero que seja a última vez que abordo o tema, mas a forma com que se dá o esfacelamento da cracolândia e todo o movimento em torno do eventual “sumiço” do fluxo de usuários de drogas precisa ser explicado, antes de ficarmos apenas com a versão triunfante das autoridades.
Devagar com o andor, o santo é de barro, diziam nossos sábios avós. Na terça-feira 20, durante o lançamento de um programa de erradicação da fome no Palácio dos Bandeirantes – uma espécie de bolsa família – o presidente da Assembleia Legislativa de SP, André Prado, atribuiu o “sumiço” da cracolândia à parceria entre o prefeito Ricardo Nunes e o governador Tarcísio de Freitas, não por acaso dois eventuais candidatos ao governo do estado nas próximas eleições.
Na mesma terça-feira, o vice-prefeito de São Paulo, Mello Araújo, um ex-comandante da Rota, caminhou com moradores e comerciantes da região e disse que a prefeitura avalia diminuir os equipamentos assistenciais no local como uma forma de acabar com a cracolândia. Segundo a Folha de S. Paulo a ideia ocorreu numa conversa entre Mello e a presidente da Associação de Moradores do Campos Elíseos, República e Santa Ifigênia, Rose Correia, que sugeriu o fechamento do Bom Prato da Luz, por causa da sujeira causada pelas marmitas entregues aos moradores de rua.
É a primeira vez que ouço falar em Rose e tal Associação, mas possivelmente por negligência minha mesmo. Para quem não se lembra, em 2012, o então prefeito Gilberto Kassab quis, sob protestos, acabar com a distribuição de sopão a moradores de rua. Kassab é hoje secretário de Governo e Relações Institucionais do governo Tarcísio.
Ainda na Folha de S.Paulo, uma reportagem de fôlego ouviu usuários e descreve atos de violência policial, com tiros de balas de borracha e gás de pimenta e pancadas de cassetete para dispersar o fluxo e espalhar os usuários, o que explica o tal sumiço. A repressão dilui a concentração e extermina vínculos formados entre dependentes, que agora em menor número ou solitários, continuam a perambular pela cidade.
Num artigo na Carta Capital, que recomendo imensamente, a advogada e diretora da Rede Liberdade, Amarílis Costa, define: “A cracolândia não sumiu, foi pulverizada”, para atestar: “Nenhum deslocamento resolve o que é estrutural. Sem moradia, sem emprego, sem tratamento contínuo, sem uma rede real de assistência, a cidade continuará produzindo novas cracolândias. Hoje na Marechal. Amanhã em Guarulhos. Depois, quem sabe, na sua rua”.
Mais uma vez, medidas que aparentemente incluem violência e pouca transparência parecem antecipar a morte da cracolândia. Mas se seguirmos sem questionar, o que parece morrer é a cidade de São Paulo, com em todo seu cinismo e indiferença com os vulneráveis. Que habitemos então nossas ruas com os empertigados cidadãos de bem e vamos lustrar nossa cidade tão bem requalificada.
Diversão
Nenhuma atração da Virada Cultural deste final de semana me comove ou chama a atenção, acho que o evento perdeu sua efervescência e seu charme. Já tivemos versões infinitamente mais ousadas e inventivas. Mas a descentralização das apresentações principalmente para a zona leste e um olhar voltado para as crianças vale os aplausos. Que todos se divirtam.
Almoço saudável
O restaurante vegano Pratada, na rua General Jardim vive momento de ótimo custo-benefício. São três PFs diferentes todos os dias, saborosos e muito bem-feitinhos, com um preço muito honesto que inclui chá à vontade e uma sobremesa. Tem lotado, com méritos.
Esse blog foi escrito ao som de Blues & Roots, lançado em 1960 pelo contrabaixista Charles Mingus.
Leia também: O sumiço da cracolândia. Onde o buraco é mais embaixo