Entre concreto e grama: onde ainda brota vida no Centro de SP
Wans Spiess fala dos refúgios interiores e urbanos que podem ser criados dentro de cada um, inclusive no Centro de São Paulo
Wans Spiess
Para acompanhar o caminho
Vamos pra rua — Maglore, na playlist #quercaminharcomigo no Spotify
“O toque humano não tem Wi-Fi. Mas tem conexão.” — anônimo
Nas últimas semanas, tenho caminhado pelo Centro de São Paulo com outro tipo de urgência. Não mais a de chegar rápido, mas a de olhar mais devagar. Para o próximo Levante — nossas caminhadas com o projeto #quercaminharcomigo — venho mapeando pequenos refúgios de natureza em meio ao concreto. Espaços onde o corpo pode respirar e os olhos desaceleram. São poucos, mas existem. E resistem.
Olhando para alguns desses espaços aqui no Centro de SP, são muitas as reflexões:
A Praça da República, mesmo com os seus desafios, ainda guarda em seu desenho o sonho de um centro mais vibrante e plural. Seu coreto está calado, mas o vento que passa ali parece guardar memória de bandas e discursos. Quando foi que descuidamos desse palco público?
A Praça Dom José Gaspar é o quintal urbano da Biblioteca Mário de Andrade. À sombra das árvores, há bancos onde poderia ser bem mais possível sentar com um livro e esquecer o tempo. É um dos espaços onde a pressa pode desacelerar.
O jardim da Galeria Metrópole, quase escondido no coração do quarteirão entre Consolação e República, parece um oásis no meio da construção. Um lugar que passa despercebido por quem corre.
Ainda permeando ruas e prédios, a Galeria Barão é discreta, vintage, com uma escada que nos leva a uma descoberta quase impensável.
O terraço da Prefeitura de São Paulo, no Viaduto do Chá, é um segredo pouco divulgado: ali, entre vasos e arbustos, existe um mirante com vista para o horizonte da cidade. É preciso se cadastrar, subir, esperar. Mas a espera recompensa. Ver São Paulo do alto, com respiro, muda a perspectiva.
Esses espaços têm algo em comum: a promessa de pausa. E é isso que tenho buscado. Isso porque, nos últimos tempos, uma inquietação tem me atravessado com força. Sabe aquela sensação de desalinho, como se algo estivesse fora do eixo? Não de forma ruidosa, mas silenciosa — lá no cotidiano, no modo como a gente anda existindo.
A vida online prometeu eliminar o tédio — e cumpriu. Mas talvez tenha cumprido demais. Entre vídeos, notificações e carrosséis infinitos, às vezes me pego com a mente hiperestimulada… e o corpo ausente. Rolamos timelines como quem belisca distraidamente, sem digerir de verdade o que vê.
E aí surge a pergunta: o que realmente nos alimenta?
Tenho pensado muito sobre presença. Não a presença que posta stories, mas a que escuta. A que compartilha tempo e não só tela. E, nessa busca, encontrei algumas pistas inspiradoras:
— Em Londres, médicos têm prescrito jardinagem e arte como parte do tratamento de depressão e ansiedade.
— Em Neuchâtel, na Suíça, prescrições culturais dão acesso gratuito a teatros e museus.
— E no livro O Caminho do Artista, Julia Cameron sugere “passeios criativos” — pequenos deslocamentos sem destino prático, só para sentir.
Nada disso é tão novo quanto parece. Me lembrei de Thoreau, que no século XIX escreveu Walden, após dois anos vivendo numa cabana no meio do mato: “Fui para a floresta porque queria viver com propósito”.
Mas nem sempre podemos fugir para o mato. Podemos criar refúgios — interiores e urbanos. Para mim, eles têm nomes simples: luz natural, menos notificações, mais afeto. Às vezes é uma planta em casa. Às vezes é uma caminhada sem pressa.
E às vezes é descobrir que existe, sim, flor em SP. E afeto. Ainda.
Para encerrar, deixo uma homenagem a José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai, que nos deixou no último 13 de maio. Suas palavras, lembradas em um vídeo delicado da artista Nat Farias, ecoam forte neste momento: “A coisa mais importante que você tem é o tempo da sua vida.”
@nat.fariass https://www.instagram.com/p/DHGkvu0NThy/
E fica a reflexão:
O que tem feito você sair da tela e voltar pra vida?
Que espaços têm te dado pausa e presença?
Se quiser, me conta. Pode ser por e-mail, DM, carta — ou no próximo Levante.
Com afeto e presença,
Wans
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