O sumiço da cracolândia. Onde o buraco é mais embaixo
O esvaziamento do espaço conhecido como cracolândia “surpreendeu” autoridades públicas, mas o problema é muito maior e não desapareceu
Celso Fonseca
Santa mágica, Batman! O fluxo da cracolândia – aglomeração de usuários de drogas que mancha a cidade de vergonha – sumiu sem deixar vestígio e nosso prefeito jura que não sabe o que aconteceu. Disse estar surpreso.
O que Doria tentou com snipers nos telhados e muito marketing e Haddad com medidas humanizadas no programa Braços Abertos, que até trouxe o príncipe Harry à cracolândia mas não frutificou, Nunes conseguiu entre um sonho e outro.
A semana começou com notícias desencontradas envolvendo o maior estigma enfrentado na esperada revitalização do Centro de São Paulo, a concentração de usuários de drogas que há mais de 20 anos ocupa e assusta uma região no entorno da estação da Luz e Santa Ifigênia, repleta de bons equipamentos culturais e ávida por renascer. E exatamente para onde são anunciados grandes investimentos públicos, como a transferência da sede administrativa do governo do estado, num projeto ambicioso que se espera decolar.
O fato: na segunda-feira (12) a rua dos Protestantes, na Santa Ifigênia, onde se encontrava a maior parte da aglomeração de usuários amanheceu vazia. Segundo a ONG Craco Resiste, que monitora a situação e denuncia abusos policiais, o “sumiço” é fruto de uma ação não muito delicada da polícia. E que os usuários teriam sido apenas dispersados para outros locais próximos.
O governador Tarcísio disse que o fim do fluxo coincide com as intervenções na favela do Moinho, nos arredores da cracolândia, entre duas linhas de trens metropolitanos, que seria abrigo para um QG de vendas de drogas que abastece a cracolândia.
É mais do que sabido que o PCC controla a distribuição do crack no local. Na segunda-feira 12 começaram as demolições de imóveis na favela do Moinho, sob a resistência de alguns moradores enquanto outros aceitavam a remoção para moradias oferecidas pelo governo. O projeto é transformar o espaço da favela num parque.
Em janeiro a prefeitura já havia construído um muro de 40 metros numa área de concentração de dependentes, o que a Defensoria Pública de São Paulo batizou de “curral humano”.
Na terça-feira (13), quando a cracolândia voltava o noticiário, a Folha de SP publicou um editorial sob o título: “Cracolândia pulverizada, acolhimento integrado” em que sugere: “É hora de o país debater a sério a revisão de penas para usuários, com a descriminalização de drogas leves – e, a exemplo de países europeus, um programa de redução de danos, sem impor a abstinência completa, com o consumo ministrado e supervisionado por profissionais”. Uma sugestão que lembra, na essência, a operação Braços Abertos, que apesar de início promissor deixou resultados quase insignificantes e caiu no esquecimento.
Resta esperar os próximos episódios e como o prefeito Nunes ninguém mais seja surpreendido com ações supostamente arbitrárias e amargas e entenda-se que os usuários – não os traficantes – são as maiores vítimas deste flagelo. E que, na verdade, mesmo fora do fluxo tradicional, eles continuam espalhados pela cidade dividindo com todos nós suas intermináveis mazelas.
PF responsa
Um dos lugares mais tradicionais do centro quando o assunto é um prato feito raiz é a Leiteria Ita, na rua do Boticário, numa calçada cheia de motos estacionadas. Desde 1953 o lugar é sinônimo de comida farta, caprichada e variada. Não há mesa, só um balcão, não tem frescura, e os preços são honestos. O cardápio fica exposto em quadros na parede e sempre há o prato do dia. Os atendentes somam a conta a lápis riscando o próprio balcão. Já fui de almôndegas (meu preferido), picadinho, bife a milanesa, panqueca e bife com ovo, nada decepcionou. Só o incensado pudim de sobremesa que achei dispensável.
Pepe entre nós
Depois da troca do nome do Minhocão para viaduto João Goulart, há alguns anos, nossos governantes poderiam pensar em alguma homenagem para Pepe Mujica nas bandas do Centro. O homem merece muito e a diversidade da região combina com seu espírito libertário e ideias inclusivas.
Sonny Rollins
Como ninguém é de ferro, o blog dessa semana foi escrito ao som de Sonny Rollins Bossa Nova, com o saxofonista Sonny Rollins.
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