Quando os facínoras viviam em árvores (da Avenida São Luís)
O jornalista Celso Fonseca estreia sua coluna falando sobre a vida e as histórias que ouviu sobre o Centro de São Paulo
Celso Fonseca
Meu nome é Celso Fonseca, sou jornalista desde o tempo do onça, do telex, do fax e do mundo analógico. São perto de 40 anos de profissão nas maiores e mais extravagantes redações, da imprensa local, nanica, aos grandes veículos, entre aventuras, sofrimentos e recompensadoras alegrias. Assim foram passagens em jornais locais em Jundiaí, Campinas, Jornal da Tarde, revista IstoÉ, revista Brasileiros, portal R7, entre tantos veículos. Feliz agora por colaborar com esse site que borrifa afeto a essa eterna luta do lindo Centro de SP de sobreviver à incompreensão e se mostrar, entre contradições, ser ainda o coração real da maior cidade da América Latina. Obrigado Denize e Clayton pela oportunidade e pela vivacidade diária na condução dessa jornada.
Cada coluna vai ser escrita ao som de um disco de jazz, uma paixão. Começamos então com The awakening (não por acaso O despertar) com o trio do pianista Ahmad Jamal, o preferido de Miles Davis.
Quando os facínoras viviam em árvores
Essa ouvi de uma corretora de imóveis que circula no Centro. Um cliente, depois de adorar um apartamento, foi conferir a noite na região para se certificar de sua injusta fama de mau. Saiu ileso, mas ouviu essa em um restaurante. O Centro é tão perigoso que os assaltantes atacam saltando das árvores. Desde então, nunca mais passei incólume pela arborizada avenida São Luís, onde moro. Sabe-se lá…
A imagem, obviamente falsa, fala muito da percepção que boa parte da cidade ainda mantém do seu centro histórico. Desde a mudança do eixo financeiro para outras regiões, o Centro foi aos poucos sendo meio abandonado, criando-se uma ideia de lugar perigoso para a sempre amedrontada classe média paulistana.
É obvio que a presença da cracolândia contribuiu para essa sensação. Mesmo com a suposta decadência, o Centro sempre preservou a elegância, principalmente arquitetônica, imbatível em São Paulo.
Tivemos momentos realmente ruins, o pós-pandemia, por exemplo, foi verdadeiramente caótico e complicado. Mas passou. O Centro vive hoje uma clara retomada, com um policiamento visível e uma vida gastronômica que vai se ampliando com ótimas opções, sem precisar esperar gongóricas promessas governamentais para se reerguer de fato. Desde a barulhenta abertura da padaria francesa do Olivier na esquina da avenida São Luís, até achados como o Hermes Café, nas imediações da Roosevelt, um misto de restaurante e brechó, que por acaso conheci num honestíssimo nhoque da sorte e vinho, as possibilidades se ampliam num burburinho crescente. Oxalá estejamos vivendo nosso despertar definitivo.
Ah, esses argentinos…
Sempre adorei argentinos, pela verve sarcástica, resiliência, o rock meio indigente e principalmente por Maradona. O poeta e livreiro Henrique Wagner não é argentino, mas baiano. Entende de literatura como poucos e é proprietário do sebo-banca Macunaíma, bem em frente à Galeria Metrópole, na Praça Dom José Gaspar. É dele a indicação do escritor portenho Pedro Mairal, que li num fôlego só, Uma noite com Sabrina Love (seu premiado livro de estreia), que virou filme também premiado e A uruguaia, ambos recomendadíssimos.
Defumados e felizes
Muito tardiamente, fui conhecer o tradicional Churrasqueto na 24 de maio, no começo da rua do Sesc. Sempre cheio, é um daqueles clássicos. De entrada, um pãozinho quentinho, molho de salsa e cebola. Depois carnes fartas, batata frita, arroz e um feijão que não provei ainda para evitar excessos. O frango na brasa é sensacional. A grelha fica à vista do cliente, o que explica a defumação, mas não compromete a visita. Glamour zero e satisfação garantida.
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