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Histórias de São paulo

Laercio Cardoso de Carvalho é guia de turismo cadastrado desde 1983. Com bastante vivência no Centro, criou vários roteiros temáticos e é o guia da Caminhada Noturna desde o seu início, em 2005. É professor no Senac nos cursos de formação de Guia de Turismo e nas Faculdades da Maturidade na PUC e na UNIP. Palestrante, é autor do livro "Quando Começou em São Paulo? 458 respostas pelo Guia de Turismo Laercio Cardoso de Carvalho”.

O Governo de São Paulo nunca construiu sua sede

Laercio Cardoso de Carvalho fala sobre as sedes de governo de São Paulo, que sempre foram instaladas em prédios construídos para outros fins

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Laercio Cardoso de Carvalho

O governador Tarcísio de Freitas lançou, em março deste ano, as bases do concurso para a construção da sede administrativa do Estado. Se o projeto realmente for realizado, será a primeira vez que um espaço será planejado e construído com esse fim. Até hoje, a sede administrativa do Estado de São Paulo sempre foi instalada em espaços já existentes.

Difícil de acreditar? Então vejamos: quando a Vila de São Paulo passa ser “cabeça de capitania”, algo correspondente à capital, o primeiro governador, D. Luiz Antônio de Souza Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, requisita da Coroa Portuguesa o Colégio dos Jesuítas, confiscado pelo Marques de Pombal para nele instalar o “Palácio dos Governadores”. Para viabilizar o uso realizou diversas reformas.

Antiga sede do governo de São Paulo, onde hoje é o Pátio do Colégio

O Colégio dos Jesuítas, o atual Pátio do Colégio, localizava-se no local indicado pelo cacique Tibiriçá aos padres dessa ordem religiosa para a instalação de um colégio, cujo objetivo era a conversão dos indígenas. Inaugurado em 25 de janeiro de 1554, esta passou a ser considerada a data da fundação de São Paulo. Era apenas uma pequena construção que servia de escola, enfermaria e residência dos religiosos. Foi sendo ampliado, uma igreja também foi feita. Passou por várias reformas. Em 1647 foi reconstruído em pedra e barro.

Foi sede do poder paulista até 1935. Passou por várias fases – Brasil Colônia, Reino Unido a Portugal e Algarve, Brasil Independente, Brasil República. Com a independência, as capitanias passaram a ser províncias, e os que a dirigiam eram chamados “presidentes de província”. Com a República, as províncias passaram a ser denominadas Estados e seus dirigentes passaram a ser “presidentes de Estado”. Getúlio Vargas em 1930, com uma revolução militar, derrubou a chamada “República do Café com Leite”. Demitiu todos os “presidentes de Estado” e nomeou interventores para governar os Estados. Após a destituição de Vargas em 1945, e o fim da ditadura, voltaram a ser realizadas eleições diretas e o eleito para comandar o Estado passou a ser chamado de Governador.

Antiga sede do governo de São Paulo, onde hoje é o Pátio do Colégio

Não aconteceram mudanças apenas na nomenclatura. O prédio também sofreu várias alterações. Em 1881, na presidência de Florêncio de Abreu, passou por uma reforma radical, perdendo as características coloniais para ganhar colunatas e ornamentos neoclássicos. Com a proclamação da República, o prédio passou a pertencer ao Estado. O local onde estava situado não era mais chamado de “Pátio do Colégio”, mas de “Largo do Palácio”.

Quando da saída do Palácio do Governo, o prédio pertencente ao estado de São Paulo passou a sediar a Secretária da Educação até 1953, quando foi transferida para o grandioso edifício construído no Largo do Arouche. Com a aproximação do “IV Centenário de São Paulo” como reconhecimento pela fundação da cidade o espaço foi aos jesuítas, com a condição que ali viesse a ser construído um centro cultural, um museu.

Iniciada a demolição total, foi encontrada uma parede de taipa de pilão. Até hoje preservada, é a única parte realmente antiga do colégio. Tudo o que vemos foi inaugurado em 1979.

A parede de taipa de pilão pode ser vista, gratuitamente, de terça-feira a sábado, das 9 às 16h45. Está nos jardins do Pátio do Colégio.

Centro de economia criativa do Sebrae
Palácio Campos Elíseos

Segunda Sede: Palácio dos Campos Elíseos 

O governo do Estado comprou da família de Elias Chaves o palacete que ele mandara construir, inspirado no Castelo de Ecouen, localizado nos arredores de Paris. A obra iniciada em 1896 e concluída em 1899 teve todo o material importado da França. A decoração interna foi realizada por Cláudio Rossi, arquiteto e cenógrafo que decorou internamente o Theatro Municipal de São Paulo. Passou a ser denominado Palácio dos Campos Elíseos. A partir de 1911 os “presidentes de Estado” vão morar lá e a partir de 1935 passou a ser o local de despacho.

Terceira sede, a atual “Palácio dos Bandeirantes”

Em 22 de abril de 1964 o Palácio do Governo é transferido para o Morumbi. A residência oficial continuou a ser nos Campos Elíseos. Em 17 de outubro de 1967, 15 minutos de incêndio destroem a parte superior do Palácio com grandes prejuízos, sem vítimas. Todos foram retirados, o governador estava despachando no Morumbi. O prédio estava passando por uma reforma de nove meses, faltava pouco para ficar pronto. Muitas obras de arte foram destruídas. Esse incêndio acelerou a mudança total para o Palácio dos Bandeirantes, atual sede. Esta também não foi idealizada para ser sede de governo.

Em 1938 a família Matarazzo pediu ao grande arquiteto italiano Marcelo Piacentini um projeto para a Universidade Francisco Matarazzo. Ele projetou um prédio com linhas abstratas, muros lisos, amplas fachadas, mas o projeto não foi executado. Só em 1954, no terreno que já era da família Matarazzo, começam as obras, com projeto de Francisco da Nova Monteiro, engenheiro das IRFM (Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo). Com modificações no projeto a obra foi iniciada, passando a ser no estilo italiano com influência neoclássica. A obra foi interrompida por problemas financeiros.

Adhemar de Barros (eleito por voto direto, governou de janeiro de 1963 a 5 de junho de 1966, quando foi cassado pelo regime militar) desejava mudar a sede do governo estadual para um local mais tranquilo. O Morumbi era despovoado, não havia praticamente nada ali. O prédio destinado à faculdade estava inacabado, sem uso. Houve então uma permuta em função de dívidas da família Matarazzo com o Estado sem despesas para sua aquisição. Foi escolhido o nome de Palácio dos Bandeirantes, homenageando os antigos paulistas que desbravaram os sertões brasileiros.

Obra de arte no Palácio dos Bandeirantes

Inicialmente, era um palácio de despacho. Com o incêndio em 1967, sem vítimas, mas com destruição total da parte residencial, apressou-se sua transferência para o Morumbi.

Nos anos 1970 o governador Abreu Sodré nomeia uma comissão de intelectuais para aquisição de obras de arte a serem instaladas no Palácio dos Bandeirantes. Assim, no Salão Nobre podem ser vistos painéis de Portinari, Clóvis Graciano, Djanira, Volpi, Adhemir Martins, Tomie Ohtake.

Obra de arte no Palácio dos Bandeirantes

O Palácio passou a ter mais uma função, além daquelas de residência oficial e local para despachos, a de um espaço cultural. Essas obras de arte podem ser vistas em visitas monitoradas. Eventualmente ali são realizadas exposições.

Vale a pena conhecer o espaço, que não foi construído para ser sede do governo estadual, mas para isso foi luxuosamente adaptado.

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