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Os nomes das ruas que contam a história de São Paulo

O historiador, publicitário e escritor José Roberto Walker fala sobre sua relação com São Paulo e as ruas que contam a história da cidade

José Roberto Walker

Nasci em São Paulo, filho de uma família de imigrantes que chegou à cidade em 1889, umas semanas antes da proclamação da República. Como a maior parte dos meus antepassados vivi a vida toda em São Paulo, não sei se saberia morar em outra cidade. Passei a infância na Liberdade e da minha janela ainda era possível ouvir no início dos anos 60 os sinos da Catedral que tocavam ao meio dia e às seis da tarde.

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São Paulo é uma cidade estranha, que guarda o seu passado sempre escondido. Embora já tenha quase 500 anos, a sua história não está à vista de todos e é preciso procurá-la. Até os nomes das velhas ruas quase desapareceram. Na Liberdade, as marcas do passado estão mais ou menos visíveis e eu, até hoje, gosto de percorrer aquelas ruas procurando os vestígios de outros tempos.

A praça da Liberdade foi originalmente o Largo da Forca e era lá que os condenados eram executados. Uns metros adiante, o largo da Pólvora ainda mantém o nome antigo. Era o local onde existiu a Casa do Trem de Guerra, onde se armazenavam armas e munições.

Descendo a encosta na direção da várzea do rio Tamanduateí, se encontra a rua da Glória, que mantém também o nome original. Ali ficava o Cemitério da Glória, destinados aos pobres e aos enforcados. Resta dele apenas a capelinha dos Aflitos, num beco que sai da rua dos Estudantes. Tem esse nome porque os condenados faziam nela as suas últimas orações antes da execução.

Igreja dos Aflitos Foto: Osvaldo Furiatto

No antigo largo da Glória, hoje rasgado pela ligação Leste-Oeste, existia desde o século 18, a Chácara dos Ingleses, que pertenceu ao comerciante inglês John Rademaker – daí o nome. Dominava a propriedade um sobradão onde, na época da Independência, morou uma beldade paulistana chamada Domitila e foi lá que o jovem Príncipe D. Pedro a conheceu. Depois que Domitila se tornou Marquesa e se mudou para um palacete na Rua do Carmo, o velho casarão serviu à Santa Casa e mais tarde transformou-se em república de estudantes. Foi nele que moraram o romancista Bernardo Guimarães e o maior poeta acadêmico, Álvares de Azevedo, que ali escreveu a maior parte da sua obra.

A chácara e o cemitério desapareceram ainda no século 19, invadidos pela cidade que crescia, mas durante muitas décadas, essa área foi dominada pelos estudantes da Faculdade de Direito. É em memória desse tempo remoto que aquela rua ainda se chama Rua dos Estudantes, guardando a lembrança das repúblicas que durante muitos anos os abrigaram, no que era então, um arrabalde da cidade.

José Roberto Walker é historiador, publicitário, produtor cultural e autor do romance histórico Neve na Manhã de São Paulo, sobre o grupo de amigos que viria a dar origem à Semana de Arte Moderna.

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