A Vida no Centro

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Conheça a Casa do Baixo Augusta, projeto de Alê Youssef no centro de São Paulo

Alê Youssef diz que vai usar a multidão arrastada pelo bloco de carnaval para defender bandeiras como ocupação dos espaços públicos, criação do Parque Augusta e manutenção da Praça Roosevelt aberta

Por Denize Bacoccina

O que começou como uma brincadeira de amigos cresceu e virou um fenômeno. No carnaval de 2017, a Associação Cultura Acadêmicos do Baixo Augusta levou 500 mil pessoas para a rua e patrocinou um painel com o slogan A Cidade é Nossa, tema do bloco neste ano e uma resposta às ameaças contra a ocupação dos espaços públicos.

Ao final do desfile, decidiram criar algo mais duradouro, que mobilizasse a multidão arregimentada no carnaval durante o restante do ano. Surgiu aí a ideia da Casa do Baixo Augusta.

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Instalada no térreo e sobreloja de um prédio de nove andares na esquina da Rua da Consolação com a Rego Freitas, a Casa do Baixo Augusta será a sede oficial da agremiação e vai abrigar uma escola com cursos ligados à economia criativa, como tecnologia, artes cênicas, música. Terá ainda uma programação regular de shows e rodas de samba para divertir e mobilizar a galera e arrecadar recursos para as outras atividades, todas gratuitas. A abertura está prevista para o início de outubro.

Veja aqui a programação.

Nesta entrevista ao projeto A Vida no Centro, Alê Youssef, o porta-voz do grupo, diz que não teme um retrocesso no processo de ocupação das ruas, mas diz que é preciso manter a vigilância. E garante que eles farão isso, inclusive para manter a Praça Roosevelt como um espaço aberto, combatendo os que fazem pressão para que ela se transforme num parque e fique fechada à noite.

“O nosso bloco vai agregar a eles a multidão que nós representamos na luta contra o fechamento da Roosevelt. A Roosevelt é uma praça, não é um parque. Não pode ter um horário de abertura e de fechamento”, afirma Youssef.

Abaixo, a entrevista ao projeto A Vida no Centro:

Como surgiu a ideia do Baixo Augusta?

De uma brincadeira de amigos. Bloco de carnaval tem que surgir assim, de uma brincadeira de amigos, tomando cerveja. Uma decisão coletiva de amigos que eram empreendedores, ou frequentadores, ou entusiastas do Baixo Augusta. A gente começou a ver que a Augusta estava virando uma espécie de praia do paulistano. As pessoas começaram a frequentar só pra ficar ali na rua, mesmo sem ir a nenhuma casa. As calçadas ficavam lotadas e as ruas começavam a ser ocupadas com festas. Aí a gente entendeu que tinha que fazer alguma coisa que simbolizasse esse processo de ocupação das ruas e que fosse forte o suficiente para disputar o pensamento conservador, defender a rua para as pessoas e não para carros. Na primeira edição, em 2009, tivemos autorização para ocupar a calçada, e ocupamos as ruas. Eu cheguei a ter voz de prisão.

Quantas pessoas foram?

A gente chamou umas 500 e já tinha umas 2 mil. A gente falou: epa, que coisa é essa? A melhor maneira de disputar essa guerra fria que existe entre quem quer uma cidade ocupada, colorida e entre os que são mais do business, que não quer saber muito disso, é através do carnaval.  Porque o carnaval é o que nos une. Carnaval fura polarizações.

Interior da Casa do Baixo Augusta, que servirá de palco para shows e rodas de samba. Foto: Denize Bacoccina

Interior da Casa do Baixo Augusta, que servirá de palco para shows e rodas de samba. Foto: Denize Bacoccina

E como ele virou uma ONG?

Ele surgiu como um bloco informal e virou uma ONG em 2014, quando chegou a 30 mil pessoas, a vimos que a coisa ficou muito grande. Tínhamos que tomar uma decisão: ou virava uma empresa ou uma ONG. Tomamos uma decisão coletiva de fazer um projeto sem fins lucrativos, uma espécie de projeto social de todos os fundadores. Foi também uma maneira de evitar disputas, colocar a amizade em primeiro lugar. Aí montamos essa ONG, com a função específica organizar o carnaval e que tem como missão lutar por uma cidade mais humana e pela ocupação dos espaços públicos. Como desde o começo a gente teve uma espécie de enfrentamento com o poder público para poder realizar o carnaval, o bloco acabou se tornando um ativista para a ocupação da rua. Todo ano a gente fazia um tema e neste ano, na mudança de gestão fizemos A Cidade é Nossa.

Você achou que tinha um risco, naquele momento, de haver uma reversão desse movimento de ocupação do espaço público?

A gente tinha muita dúvida e tinha que usar o carnaval para isso. Já que o carnaval é o que nos une, era uma chance de marcar uma posição em relação à ocupação da cidade, em relação ao carnaval, em relação à arte urbana, em relação ao Parque Augusta, ao Parque Minhocão.

E aí vocês fizeram aquele painel no início da Rua da Consolação.

Fizemos aquele painel, entregamos para a cidade. É um painel politizado, forte. A inauguração, no encerramento do desfile, foi um momento mágico, um momento muito bonito, de catarse coletiva.

Painel A Cidade é Nossa, tema do bloco de carnaval do Baixo Augusta, tema do carnaval de 2017. Foto: Denize Bacoccina

Painel A Cidade é Nossa, tema do bloco de carnaval do Baixo Augusta, tema do carnaval de 2017. Foto: Denize Bacoccina

E como foi a decisão de fazer uma sede, fazer esta Casa?

Já era nossa vontade fazer algum projeto social. E percebemos que era o momento de colocar em prática o nome acadêmicos, que surgiu no começo como uma brincadeira. Mas tem vários fundadores do bloco ligados à economia criativa. Gente que trabalha com moda, que trabalha com noite, com várias dimensões de empreendedorismo. Então a gente sacou que podia juntar essa palavra acadêmicos com a expertise de cada pra devolver alguma coisa pra cidade. E aí que surgiu a ideia da escola em torno das áreas da criatividade.

Os fundadores vão dar aulas?

Também, mas não só. Vamos ter cursos, palestras, com outras pessoas, seja organizadas pela própria associação seja através de parcerias com entidades. Por exemplo, o Instituto Tecnologia e Sociedade, do Ronaldo Lemos, vai ser um parceiro da Casa do Baixo Augusta para atividade na área de tecnologia. A SP Escola de Teatro vai ser parceira para esta parte teatral, cênica. O DJ KL Jay, dos Racionais, quer fazer uma escola de DJ aqui. E assim por diante. Aqui vão acontecer palestras, cursos, provocados pela associação e seus membros ou por parcerias que a associação estabeleça. Os cursos serão gratuitos.

E quem vai bancar isso?

Não tem nenhum dinheiro público, nenhuma lei de incentivo. É tudo patrocínio direto. Já temos duas marcas: a Doritos é a principal patrocinadora da Casa e a Amstel patrocina o bloco.

Casa do Baixo Augusta, no início da Rua da Consolação. Foto: Denize Bacoccina

Casa do Baixo Augusta, no início da Rua da Consolação. Foto: Denize Bacoccina

Como surgiu este lugar?

Quando acabou o desfile, aquela catarse, o caminhão dispersou aqui na Rego Freitas, eu desci pensando que coisa linda que a gente viveu, temos que fazer alguma coisa pela cidade. Quando a gente chegou aqui em frente pensei que qualquer coisa que a gente fizesse tinha que ter vista para este painel. Pensei isso, falei até, e vejo no portão lá de baixo a placa aluga-se. O dono adorou o projeto, fez uma redução substancial no aluguel.

E qual é a sua relação pessoal com o centro? Você mora no centro?

Eu moro em Higienópolis, na divisa com Santa Cecília. Eu nasci na Liberdade. Sou apaixonado pelo centro. Eu brinco que eu nasci na Liberdade e fui criado no Baixo Augusta.

Quando você chegou em 2005 o Baixo Augusta não tinha este perfil ainda, não é?

Na verdade teve alguns precursores, o Sarajevo, a Jive, que era na Caio Prado, o Xingu, na Martinho Prado, o Outs, que existe até hoje, que agora tem cabeleireiro, tatoo. O simbólico foi quando Vegas abriu, também em 2005. Foi o primeiro dos famosos. E aí começou a virar uma referência. E essa dobradinha do Vegas com o Estúdio SP, enquanto ela perdurou, caracterizou o auge desse momento cultural. Tinha uma casa voltada para musica eletrônica e uma casa da musica brasileira. Foi um processo que transformou a região, uma transformação de baixo para cima, sem nenhum apoio público.

Tem muita gente que acha que tem uma gentrificação na Augusta. Qual é a sua visão?

A Augusta já viveu muitos processos de transformação. A gentrificação ocorre, mas a boemia resiste. Mesmo com a gentrificação, os negócios gerados com os novos prédios não têm características de negócios gourmet. Tem muitos negócios típicos do universo underground. Muitos salões de barbeiro, muito tatoo, muitas lojas colaborativas, parque de food truck. A Augusta é do lado B, ela não é do lado A. Ela é underground. Mesmo com a vinda de tantos moradores.

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E com o Parque Augusta, o que acontece?

É um sonho, né? A gente só pode ver como positivo o parque. Não dá pra ver como negativo. É um sonho de muitos anos.

Tem gente que acha que o preço é muito alto, que a prefeitura devia jogar mais pesado com as empresas, negociar mais.

Tem muitas visões, eu respeito. Mas eu acho que ter um parque, no centro, nesse ambiente, tem um valor simbólico que não dá pra calcular. Ter um parque numa região que não tem nenhum parque perto, qual é o preço disso? Qual é o preço de você poder ter criança brincando? Tem que ser levado em conta o caráter de urgência. Essas crianças estão crescendo. E todo mundo que está aqui agora tem o direito de usufruir disso.

Tem um movimento na Praça Roosevelt pelo fechamento.

É uma vergonha.

Você acha que isso pode ganhar alguma força?

Não. O que ganha força é o movimento contra o fechamento quando a gente vem pra cá. Nós estamos alinhados com todos os expoentes culturais da Roosevelt, que fizeram a Roosevelt ser o que é. Porque a Roosevelt estava totalmente abandonada antes dos Satyros, dos Parlapatões virem pra cá. Eles são primeiros expoentes do Baixo Augusta. O nosso bloco vai agregar a eles a multidão que nós representamos na luta contra o fechamento da Roosevelt. A Roosevelt é uma praça, não é um parque. Não pode ter um horário de abertura e de fechamento. Da mesma forma que tem associações de moradores que cumprem o seu papel, tem uma maioria de moradores que tem uma visão mais aberta e libertária sobre a vida. O bloco está na Praça Roosevelt e acho que isso vai ser um belo auxílio de preservação da Roosevelt como um polo cultural que é importante desde o pós-guerra. Sempre foi um lugar de noite, de boemia.

E você acha que a prefeitura atual pode ser mais sensível aos argumentos de fechamento?

Independentemente da força por conta da orientação política da prefeitura, nós temos que estar alertas. Estamos atingindo uma dimensão muito superior àquele estereótipo de bloco de carnaval, que é só bagunça, que é só uma vez por ano, que só faz barulho. Aqui é uma entidade que é uma associação cultural, sem fins lucrativos, que devolve para a cidade a expertise dos seus fundadores e que representa uma multidão. E a gente vai pra cima mesmo se esses caras quiserem fechar a Roosevelt.

Qual é o seu lugar preferido no centro?

Meu lugar preferido sempre foi a Rua Augusta. Eu adoro a Praça Dom José Gaspar. Adoro a São Luiz, os bares, os restaurantes do centro. Eu gosto muito de andar a pé pelo centro.

Tem algum lugar preferido?

Gosto muito, muito, muito, da Casa do Porco. Acho que é um lugar que representa o empreendedorismo do paulistano. Acho incrível o estudo que o Jefferson Rueda fez da carne de porco e de ter aberto o restaurante na República. É tudo legal. E tem a ver com a Dona Onça. Tem este núcleo que vai se formar, Casa do Baixo Augusta, Triptyque, Escola da Cidade, Ação Educativa, Casa do Porco, Copan. Este lugar aqui é muito mágico, é maravilhoso. É o encontro do Baixo Augusta com a República.

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