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Conheça a história de Tebas, arquiteto negro, escravizado, que ganha estátua na Praça da Sé

Estátua afro-futurista de artistas negros homenageia legado arquitetônico de Tebas, que fez várias igrejas na São Paulo colonial

Joaquim Pinto de Oliveira, conhecido como Tebas, viveu em São Paulo entre os séculos 18 e 19 (1721-1811). Escravizado, comprou a própria alforria e se tornou um arquiteto consagrado, responsável por obras importantes, entre elas várias igrejas do Centro. No dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, Tebas ganhou uma estátua afro-futurista, instalada na Praça Clóvis Bevilácqua – na face leste da Praça da Sé, do lado oposto do da catedral – celebrando a grandiosidade do seu legado arquitetônico.

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A inauguração oficial do monumento, realizado pela Secretaria Municipal de Cultura, foi em 5 de dezembro de 2020, na programação da 6ª edição da Jornada do Patrimônio.

Originário da cidade de Santos, Tebas, como ficou conhecido, significa “alguém de grande habilidade” na língua quimbundo, falada em Angola. Ele foi trazido para a capital em 1740 pelo mestre pedreiro português Bento de Oliveira Lima, seu senhor, que lhe ensinou como talhar pedras. Com exímia habilidade, logo passou a ser disputado pelos templos católicos, na São Paulo do Brasil-Colônia, num momento em que a cidade usava a taipa de pilão em suas construções.

Algo inimaginável para um escravizado, a sua expertise rendeu contratação e pagamento por estas instituições. A primeira torre da igreja Matriz da Sé (1750), bem como os ornamentos das fachadas dos conventos: Ordem 3ª do Carmo (1775-1778), Ordem 3ª do Seráfico Pai São Francisco (1783) e Mosteiro de São Bento (1766 e 1798) fazem parte de seu repertório.

Ele ainda construiu uma fonte pública, mais conhecida como o “Chafariz de Tebas”,  em 1791, no Largo da Misericórdia, onde, atualmente, está o cruzamento das ruas Direita, Quintino Bocaiúva e Alvares Penteado, na região central de São Paulo.

Em 1778, aos 57 anos, ele comprou a própria alforria, mais de um século antes da abolição da escravidão no Brasil. Em 2018, Tebas foi reconhecido como arquiteto pelo Sindicato dos Arquitetos no Estado de São Paulo (Sasp).

Estátua feita por artistas e profissionais negros

A escultura foi desenvolvida pelo artista plástico Lumumba Afroindígena e pela arquiteta Francine Moura, com o objetivo de mostrar a expertise e modernidade do legado de Tebas, mostrando sua produção tecnológica sofisticada para a época.

Francine e Lumumba trabalhando no projeto da escultura de Tebas Foto: Marcel Farias

Mineiro, artista autodidata, 40, Lumumba herdou o sobrenome da bisavó escravizada, a congolesa Tereza Lumumba, e também carrega a herança indígena, da etnia Puri-Guarani, da Serra do Caparaó. Sua trajetória começou na pintura de orixás, no suporte juta, em que traduzia os mitos yorubás.  Em 2009, passou a se dedicar à cenografia como escultor em eventos como a parada “Momentos Mágicos Disney – Brasil” e óperas infantis para o Teatro Municipal de São Paulo.

“Estou muito centrado na minha carreira e tenho uma visão muito clara sobre a pujança que o meu trabalho reverbera no universo das artes e na sua representatividade afro-indígena. Assinar essa obra fomenta conceitos ancestrais da minha existência que são amálgama da minha base como realizador”, diz Lumumba.

A memória e preservação já estão desde o início da carreira da arquiteta Francine Moura, 43 anos, mulher preta formada em Arquitetura e Urbanismo no Mackenzie. Com 20 anos de carreira, seus primeiros passos foram na conservação do painel de azulejos do Largo da Memória, quando estagiou no DPH – Departamento de Patrimônio Histórico.

“Participar do monumento ao Tebas após convite irrecusável do meu amigo Lumumba tem dimensão simbólica muito forte para mim enquanto arquiteta negra. Contribuir para o reconhecimento do trabalho deste arquiteto nos impulsiona a seguir seu legado”, diz Francine, que também atua profissionalmente como carnavalesca, cenógrafa e diretora de arte audiovisual.

Coube à paulistana Rita Teles, do Núcleo Coletivo das Artes Produções, alinhavar a produção executiva e artística do projeto e, para demarcar a arte e o protagonismo negro na centralidade da proposta, compôs uma equipe com 90% de profissionais negros. “A ideia principal desta empreitada é afastar, de uma vez por todas, a aura de invisibilidade que repousava sobre a história de Tebas. Um monumento que projeta, em grande escala, a contribuição negra para a cidade em que uma criança, ao passar no local, possa se sentir representada com aquela escultura que pode remeter a um super-herói ou, simplesmente, a um homem importante que existiu e lutou dignamente por sua afirmação e espaço”, ressalta Rita.

Escultura afro-futurista

A escultura foi desenvolvida no Quimera Atelier, no bairro de Campos Elíseos, num processo de imersão de dois meses.

A obra, afro-futurista, ficará suspensa no ar para dar uma ideia ascensão, como se emergisse para fora, do universo perverso do período da escravidão, ao mesmo tempo em que uma estrutura de inox traz a presença do high tech, num contraponto ao componente perecível, da corrente de ferro comum, e deve se deteriorar com o tempo, numa simbologia da opressão do povo negro.

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