A Vida no Centro

Luiza Pastor, moradora da Praça Roosevelt
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Praça Roosevelt: senta que lá vem encrenca

A jornalista Luiza Pastor, moradora da Praça Roosevelt, defende uma conciliação para que todos aproveitem o local, sem preconceitos e rusgas inúteis

Por Luiza Pastor

Pois então, vem aí mais um Carnaval. Com ele, as multidões de foliões que, nos últimos anos, têm ocupado as ruas de São Paulo, despertando doses iguais de amor e ódio. Amor de quem se esbalda na festa, solta seus demônios, libera suas fantasias. Ódio de quem mora nas imediações das áreas tomadas de assalto pela baderna, o lixo e dejetos pessoais os mais variados, um mais fedido e nojento que o outro. Como lidar?

Desde que me mudei, há dois anos, para a Praça Roosevelt, no Centro fervilhante da cidade, tenho acompanhado as pendengas que antes via de longe. Moradores aproveitam a baderna generalizada para fortalecerem seu discurso de ódio e preconceito – são sempre os de fora, os da periferia, em resumo, os pobres os que a velharia ranheta aponta com o dedo como causa de todos os males de nossa vizinhança. A cada grande evento que rola na praça, seja ele cultural ou político, vem as “autoridades” locais reclamar que a praça tem que virar parque (leia-se ganhar grades que fecham ao entardecer).

Não, ela não tem que virar parque. Não foi pensada para isso. Seu projeto não comporta isso, vai ficar um horror, entende? Nossos resmungões não entendem chongas de arquitetura, coitados. Muito menos de urbanismo. Sequer sabem de segurança, uma vez que é o movimento das nossas noites, com seus teatros e bares, que assegura nosso direito de ir e vir com mais tranquilidade do que a Roosevelt nunca teve desde antes de os Satyros e os Parlapatões se instalarem e atraírem, com eles, toda a fauna que por aqui circula. Acreditem, eu saí dos Jardins por medo das suas ruas escuras. Quero as luzes e a vida da Roosevelt. Quero ver gente perto de casa, não o vazio da paranoia urbana. Percebem?

Só que nós, que defendemos a praça como área democrática para o povo se manifestar, no espírito romântico de Castro Alves, mas que também moramos nela, temos plena consciência do tamanho da encrenca que enfrentamos a cada domingo, com o lixo que a moçada espalha nos seus canteiros, por mais que as equipes da Prefeitura, reconheça-se, se esforcem para correr atrás do prejuízo, catando o que conseguem madrugada adentro.

Menos lixo, por favor

A operação nunca vence a capacidade de emporcalhar de uns e outros. Tem também a chatice de não conseguirmos dormir com a gritaria e a cantoria até altas horas. O incômodo de não poder estacionar o carro dentro de nossos prédios porque a rua está interditada pela turba, que agride os carros que tentam furar o bloqueio da moçada manguaçada. Sim, temos o péssimo vício de sermos humanos e querermos defender nosso lado. Mas, e aí, como conciliar?

Acredito que a única equação que vai permitir o equilíbrio de forças, em nossa praça, essa que queremos emprestar com gosto aos folguedos, é a que soma educação a cidadania. Se as autoridades instalarem lixeiras maiores e, com elas, orientarem os guardinhas não a infernizar os que fumam seu baseadinho, mas a conversar com os porcalhões que jogam suas garrafas e caixas de pizza no chão, eventualmente obrigando-os a pegarem na hora o que descartaram.

Se as viaturas deixarem de circular inexplicavelmente a qualquer hora do dia em meio a crianças, velhos e cachorros que só querem aproveitar seu sol. Se os acordos de horários de silêncio forem cumpridos em troca da liberdade para a música, o teatro, a dança e a boa e simples risada no resto do tempo. Se todos cedermos um pouco e entendermos que não somos donos da área pública, mas iguais a todos os demais que a frequentam. Se tudo isso e mais alguma coisa que no momento não me lembro (mas que com certeza meus vizinhos vão apontar) acontecer, a vida seguramente vai ficar bem melhor para todos nós. Sem preconceitos, nem rusgas inúteis. Tem jeito?

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