Caleidoscópio

Meu nome é Celso Fonseca, sou jornalista desde o tempo do onça, do telex, do fax e do mundo analógico. São perto de 40 anos de profissão nas maiores e mais extravagantes redações, da imprensa local, nanica, aos grandes veículos, entre aventuras, sofrimentos e recompensadoras alegrias. Assim foram passagens em jornais locais em Jundiaí, Campinas, Jornal da Tarde, revista IstoÉ, revista Brasileiros, portal R7, entre tantos veículos. Feliz agora por colaborar com esse site que borrifa afeto a essa eterna luta do lindo centro de SP de sobreviver à incompreensão e se mostrar, entre contradições, ser ainda o coração real da maior cidade da América Latina. Aqui, uma colunete mansa, pero no mucho, sobre o Centro, comida, cultura ao som do melhor jazz.

De novo, tentando explicar a cracolândia, e que Deus nos ajude…

Espalhar a cracolândia por todo o Centro é mesmo a solução ou apenas uma tentativa de tapar o sol com a peneira?

Celso Fonseca

Sei que estou monotemático, espero que seja a última vez que abordo o tema, mas a forma com que se dá o esfacelamento da cracolândia e todo o movimento em torno do eventual “sumiço” do fluxo de usuários de drogas precisa ser explicado, antes de ficarmos apenas com a versão triunfante das autoridades.

Devagar com o andor, o santo é de barro, diziam nossos sábios avós. Na terça-feira 20, durante o lançamento de um programa de erradicação da fome no Palácio dos Bandeirantes – uma espécie de bolsa família – o presidente da Assembleia Legislativa de SP, André Prado, atribuiu o “sumiço” da cracolândia à parceria entre o prefeito Ricardo Nunes e o governador Tarcísio de Freitas, não por acaso dois eventuais candidatos ao governo do estado nas próximas eleições.

Na mesma terça-feira, o vice-prefeito de São Paulo, Mello Araújo, um ex-comandante da Rota, caminhou com moradores e comerciantes da região e disse que a prefeitura avalia diminuir os equipamentos assistenciais no local como uma forma de acabar com a cracolândia. Segundo a Folha de S. Paulo a ideia ocorreu numa conversa entre Mello e a presidente da Associação de Moradores do Campos Elíseos, República e Santa Ifigênia, Rose Correia, que sugeriu o fechamento do Bom Prato da Luz, por causa da sujeira causada pelas marmitas entregues aos moradores de rua.

É a primeira vez que ouço falar em Rose e tal Associação, mas possivelmente por negligência minha mesmo. Para quem não se lembra, em 2012, o então prefeito Gilberto Kassab quis, sob protestos, acabar com a distribuição de sopão a moradores de rua. Kassab é hoje secretário de Governo e Relações Institucionais do governo Tarcísio.

Ainda na Folha de S.Paulo, uma reportagem de fôlego ouviu usuários e descreve atos de violência policial, com tiros de balas de borracha e gás de pimenta e pancadas de cassetete para dispersar o fluxo e espalhar os usuários, o que explica o tal sumiço. A repressão dilui a concentração e extermina vínculos formados entre dependentes, que agora em menor número ou solitários, continuam a perambular pela cidade.

Num artigo na Carta Capital, que recomendo imensamente, a advogada e diretora da Rede Liberdade, Amarílis Costa, define: “A cracolândia não sumiu, foi pulverizada”, para atestar: “Nenhum deslocamento resolve o que é estrutural. Sem moradia, sem emprego, sem tratamento contínuo, sem uma rede real de assistência, a cidade continuará produzindo novas cracolândias. Hoje na Marechal. Amanhã em Guarulhos. Depois, quem sabe, na sua rua”.

Mais uma vez, medidas que aparentemente incluem violência e pouca transparência parecem antecipar a morte da cracolândia. Mas se seguirmos sem questionar, o que parece morrer é a cidade de São Paulo, com em todo seu cinismo e indiferença com os vulneráveis. Que habitemos então nossas ruas com os empertigados cidadãos de bem e vamos lustrar nossa cidade tão bem requalificada.

Diversão

Nenhuma atração da Virada Cultural deste final de semana me comove ou chama a atenção, acho que o evento perdeu sua efervescência e seu charme. Já tivemos versões infinitamente mais ousadas e inventivas. Mas a descentralização das apresentações principalmente para a zona leste e um olhar voltado para as crianças vale os aplausos. Que todos se divirtam.

Almoço saudável

O restaurante vegano Pratada, na rua General Jardim vive momento de ótimo custo-benefício. São três PFs diferentes todos os dias, saborosos e muito bem-feitinhos, com um preço muito honesto que inclui chá à vontade e uma sobremesa. Tem lotado, com méritos.

Esse blog foi escrito ao som de Blues & Roots, lançado em 1960 pelo contrabaixista Charles Mingus.

Leia também: O sumiço da cracolândia. Onde o buraco é mais embaixo