A Vida no Centro

Origens paulistanas

Vera Lucia Dias atua como guia cultural na cidade de São Paulo. Tem graduação em Turismo e pós em Globalização e Cultura pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Conselheira de Turismo, representou a Secretaria Municipal de Cultura e o Sindicato de Guias do Estado de São Paulo. Nascida no bairro da Mooca, publicou em 2008 “O Tupi em São Paulo Vocabulário de nomes tupis nos bairros paulistanos” pela editora Plêiade. Busca a reflexão sobre a presença Guarani nas aldeias da cidade.

Anhangabaú

A colunista Vera Lúcia Dias, guia de turismo, fala sobre as diferentes fases do Vale do Anhangabaú, por onde já passou um rio

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“água do rosto do diabo”, “bebedouro dos demônios”, “sumidouro”, “rio dos malefícios”, “água venenosa”

Vera Lúcia Dias

Anhangá, o espírito da mata, protetor das florestas. Será bom? Será mau? Lugar de água salobra, planta espinhosa, gênio do mal, figueira brava.

“Oh manhã de sol, Anhangá fugiu, foi você que me fez chorar para sonhar a minha terra…” diz o Canto do Pagé, com letra de Carlos Marinho de Costa Barros e melodia de Heitor Villa Lobos.

Seguindo por baixo do Vale Anhangabaú as águas da junção dos riachos: Saracura sob a Avenida 9 de Julho, Itororó pelo canteiro central da Avenida 23 de Maio, mais Bixiga e próprio Ribeirão Anhangabaú, tudo desaguando no Tamanduateí. Por cima do Vale passam dois viadutos, o do Chá e o de Santa Efigênia de beleza ímpar.

A historiografia conta que para cruzar o Vale até meados do século 18, eram utilizadas pequenas pontes, uma delas de belíssima arte em pedra. Era chamada de “Acú”.

Durante o governo de João Teodoro, de 1872 a 1875, com a prosperidade do ciclo cafeeiro, chegou reforma de urbanização para a área em 1877. O primeiro grande viaduto sobre o Vale foi construído em 1892. O Serviço Sanitário recomendava drenar terrenos úmidos, criar bulevares, calçamentos e demais processos higienistas. Esse território chegou a ser ocupado por chácaras com plantação de chá. Um dos proprietários das terras foi o Barão de Itapetininga.

Interessante fato ocorreu em 1897. Para passar pelo chamado de “viaduto dos três vinténs”, só pagando. Até que Cesar Bierrembach, estudante da Faculdade de Direito, com 19 anos, em forte atitude acaba com esse desatino. Na gestão de Antonio Prado, de 1898 a 1911, é realizada a canalização do Tamanduateí e do Anhangabaú, assim como retirada a bela Ponte do Acú. Em 1910 o vale foi arborizado tornando-se parque.

Em 1922, a região recebeu a Fonte dos Desejos com as esculturas inspiradas em Roma por Luiz Brizzolara. Era o Centenário da Independência do país.

Em 1930 chega uma via expressa cortando o Vale. Em 1938 é construído um novo viaduto. No ano de 1940, a obra de ligação entre a Praça Ramos de Azevedo e a Praça do Patriarca, pela incrível Galeria Prestes Maia. Com projeto de 1969, é implantada uma passarela de pedestres harmonizando a parte de baixo com o próprio Viaduto, que permaneceu até a década de 1991.

No ano de 1980 um projeto do urbanista Jorge Wilhein juntamente com Rosa Kliass revitalizou o lugar com área verde novamente formando um grande bulevar.

No ano de 2019 reforma de forma radical retirando verde e projetando chafarizes pelo terreno.

Território das águas. Onde estarão? São 204 metros a percorrer. Onde estará o chá? Na terra do café!

O Viaduto atual tem corrimão precisando urgente de parafusos que o Departamento do Patrimônio precisa mandar recuperar.

O cartão postal se refaz e desfaz. A cidade que briga com suas águas e as esconde parece dizer: “alguma coisa está fora da ordem”. Ignorando e desprezando o que havia antes, vem de novo outro território estranho ao passante desavisado.

A sociedade exclui espaços fraternos e substitui com revitalização, ignora tratos sociais e afasta pessoas, simples pessoas.

Cidade sobre outra cidade, várias vezes. Portas abertas, portões fechados. Difere da parte alta, Paulista nos serviços e motivos. Poderia haver melhor uso da água. Os altos postes de luminárias atuais parecem distantes das almas. Quem comanda o Vale?

Para os povos indígenas, o anhangá protege a mata. Onde há mata?

Para povos negros há o cortejo “As águas de São Paulo”, desde 2006 comemorando o Dia das Religiões de Matriz Africana, sempre no dia 30 de setembro.

O desfile de Carnaval já passou por lá. Hoje tem skates, samba-rock, hip-hop e ensaios do Ilú. Faltam flores, balanços, gastronomia, toiletes, uso da Galeria Prestes Maia, posto fixo de informação turística, música e afeto. Sonhemos.

Texto inspirado em leituras e informes de: Wikipédia, Biblioteca IBGE, textos de Raquel Rolnik, Alex Sartori, Benedito Lima de Toledo.

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