A Vida no Centro

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Praça Roosevelt: de velódromo da elite a espaço cultural de todos

Conheça a história da Praça Roosevelt, de primeiro estádio de futebol do Brasil a espaço cultural

Conheça a história da Praça Roosevelt, de primeiro estádio de futebol do Brasil a espaço cultural da pluraridade

Denize Bacoccina

O terreno onde está hoje a Praça Roosevelt era, no fim do século 19, parte das terras de Veridiana da Silva Prado, conhecida como Dona Veridiana, uma das mulheres mais poderosas da cidade na época. (Leia aqui sobre a história da Dona Veridiana.)

São Paulo tinha cerca de 65 mil habitantes em 1890 (número que daria um salto para 240 mil em 1900) e sua área urbana era praticamente circunscrita ao que hoje chamamos de Centro Histórico – a região na época conhecida como Triângulo – entre as igrejas do Carmo, de São Francisco e o Mosteiro de São Bento, a região onde temos um calçadão.

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A igreja da Consolação já existia, numa versão bem mais modesta, de taipa, desde 1799. Ao longo do século 19 foram feitas modificações até que se construiu o prédio atual, entre 1909 e 1959, num projeto do engenheiro alemão Maximilian Emil Hehl, o mesmo que fez o projeto da Catedral da Sé. A igreja era um ponto de parada dos tropeiros que seguiram para o interior do Brasil. Eles faziam, a cavalo ou lombo de burro o trajeto chamado de Caminho dos Pinheiros, hoje a Rua da Consolação e a Avenida Rebouças, e por ali pegavam o caminho para Sorocaba.

Mas a região era bem distante do Centro. Era praticamente uma zona rural, dividida em grandes chácaras. O terreno onde está hoje a Praça Roosevelt pertencia à Dona Veridiana e seu filho, Antonio Prado, na época prefeito da cidade, que construiu ali um velódromo. O Velódromo Paulista foi inaugurado em 1895 e tinha capacidade para cerca de mil pessoas. Na época a bicicleta era um esporte de elite.

Velódromo Paulista

Seis anos depois o local foi reformado e se transformou no primeiro estádio de futebol do Brasil. O esporte havia sido introduzido no país pelas mãos do engenheiro Charles Miller, filho de ingleses que foi estudar na Inglaterra e voltou ao Brasil com a novidade.

Assim como ciclismo, o futebol também era um esporte da elite em seus primeiros anos, mas a existência de um estádio, que na época já tinha arquibancadas para milhares de pessoas, ajudou a popularizar o esporte entre os brasileiros. O espaço foi utilizado pelo Club Athletico Paulistano (CAP), também da família Prado, e era alugado a outros clubes. Com o tempo, o surgimento de outros estádios em outros bairros da cidade deixou o Paulistano em segundo plano até que ele foi demolido em 1916, para a abertura da Rua Nestor Pestana, na época chamada de Rua Olinda.

Em 1919, a Sociedade de Cultura Artística adquiriu o terreno do antigo estádio para a construção de um teatro – a sociedade havia sido criada em 1912 para promover concertos e difundir a cultura na cidade.

Nos anos 1950 foi construída a sede própria, que foi destruída num incêndio em 2008 e hoje está em reconstrução (saiba mais aqui).

Vocação cultural da Praça Roosevelt

A instalação do Teatro Cultura Artística inaugura também a vocação cultural da Praça Roosevelt. Foi também naquela década que casas e sobrados construídos na rua passaram a dar lugar aos prédios que hoje formam um paredão em frente à praça. Nos térreos desses edifícios, assim como é hoje, havia bares, restaurantes, espaços culturais.

E era ali que acontecia a Bossa Nova em São Paulo. Onde hoje está o mercado Extra ficava o Baiúca, um bar muito importante na cena musical, por onde passaram nos anos 1960 músicos importantes como Dick Farney, Johnny Alf, Cauby Peixoto, o Zimbo Trio, que foi formado lá. “O Baiúca era uma festa diária, sempre lotado com fila na porta”, contou André Araujo, antigo frequentador.

Foi no Baiúca que Vinicius de Moraes disse que “São Paulo é o túmulo do samba” e até obriga a cidade a se explicar que não é bem assim.

Outro ponto histórico para a música brasileira é o atual PPP, Papo, Pinga e Petisco. O local começou sua história como Farney´s, o bar de Dick Farney, depois mudou de nome para Djalma´s. E foi lá, em 1964, que Elis Regina fez seu primeiro show em São Paulo. Tem até uma placa daquelas azuis de patrimônio histórico para lembrar.

Papo, Pinga e Petisco

“A Praça Roosevelt, a Baiúca, o Djalma’s e todas aquelas casas eram redutos de boa música. Todo mundo que era relevante para a Bossa Nova aqui em São Paulo passou por lá. Os músicos e o público eram respeitados. Tudo era de muito bom gosto. A Praça Roosevelt tinha música na veia”, disse Zuza Homem de Melo ao jornal O Estado de S. Paulo.

Antigo Cine Bijou

Em 1962, a Praça ganhou o Cine Bijou, cinema de arte que foi responsável pela formação de muitos cinéfilos paulistanos. Na ditadura, com a censura impedindo a circulação de muitas obras, o Bijou era um espaço de liberdade, que mostrava obras que não passavam em outras salas, muitas vezes de forma clandestina.

A partir da década de 1970 e especialmente nos anos 1990, com a decadência da região central, o aumento da violência, os bares foram fechando e as pessoas deixaram de frequentar a Praça Roosevelt.

Até que a companhia de teatro Os Satyros decidiu se instalar ali, em 1999, depois de uma temporada em Portugal. Ivam Cabral, fundador da companhia junto com Rodolfo Garcia Vazquez, conta nesta entrevista como era a praça quando eles chegaram.

IVAM CABRAL, DOS SATYROS: “QUEM SALVOU A PRAÇA ROOSEVELT FOI O PÚBLICO”

Foi o início de um processo que continuou com a vinda dos Parlapatões, em 2006, e ganhou força com a criação da SP Escola de Teatro, inaugurada em 2010. A instalação de novos bares mantém aceso o espírito boêmio e cultural dos anos 1960.

E a praça?

Quando começou a construção da nova Igreja Nossa Senhora da Consolação, em 1910, o terreno atrás da igreja começou a ser usado como estacionamento e para a instalação de feira livre. Mas foi só nos anos 1950 que o terreno foi asfaltado, e continuou com os mesmos usos. E ganhou o nome atual: Praça Franklin Roosevelt.

Igreja da Consolação e Praça Roosevelt nos anos 1960

No fim dos anos 1970, o então prefeito Paulo Maluf, nomeado pela ditadura, decidiu construir um prédio de concreto, com vários pisos e escadarias. Essa construção foi inaugurada no dia 25 de janeiro de 1970 pelo então presidente militar Emílio Garrastazu Médici, em sua primeira visita a São Paulo.

Praça Roosevelt antes da reforma atual

Em pouco tempo, o local tinha infiltrações, goteiras, e alguns pontos viraram esconderijos e pontos de tráfico.

Praça Roosevelt antes da reforma atual

Problema que só foi resolvido com a reforma, entre 2008 e 2012. Com a entrega do local reformado a praça passou a ser frequentada por um público eclético, com interesses variados e que se dividem no uso do espaço: moradores com seus cachorros logo de manhã, skatistas durante o dia, artistas ensaiando artes circenses, peças de teatro e até ponto de encontro de slam.

Praça Roosevelt: espaço democrático de convivência

E o Cine Bijou, agora rebatizado de Satyros Cine Bijou, foi reaberto em 2021 e volta a entrar no circuito cinéfilo de São Paulo.

Cine Bijou

Denize Bacoccina

Denize Bacoccina é jornalista e especialista em Relações Internacionais. Foi repórter e editora de Economia e correspondente em Londres e Washington. Cofundadora do projeto A Vida no Centro, mora no Centro de São Paulo. Aqui é o espaço para discutir a cidade e como vivemos nela.