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Numa época em que as mulheres não tinham voz, Dona Veridiana se separou do marido, comandou a própria vida e foi protagonista do seu tempo
Andar no Centro de São Paulo é caminhar pela história da metrópole. História que pode estar no alto, na arquitetura de edifícios lendários como o Martinelli ou o Altino Arantes, ou nas placas de rua, que trazem nomes de notáveis cuja importância costuma passar despercebida na correria do dia a dia. Dona Veridiana (1825-1910), a poderosa da era do café, nos captura de um modo ou de outro. Vale a pena conhecermos melhor a história de Veridiana Valéria da Silva Prado, mulher formidável, influente, culta e independente num tempo em que ser protagonista da sociedade era um privilégio apenas para os homens.
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“Dona Veridiana” é familiar ao paulistano por conta da rua que leva seu nome, entre a Vila Buarque e Higienópolis. Uma rua que começa na esquina com a Avenida Higienópolis, onde no número 18 está o palacete de estilo francês que ela construiu, em 1882, e onde hoje funciona o Iate Clube de Santos. Edificado no terreno de sua chácara, é uma construção remanescente das antigas residências da aristocracia do café.
Como mostra o cientista político Luiz Felipe d´Avila no livro “Dona Veridiana, a trajetória de uma dinastia paulista”, ela teve a ideia de construir o palacete depois de visitar a filha Ana Blandina em Paris e frequentar os salões culturais da capital francesa, espécie de antessala do poder onde, entre concertos, debates literários e jantares, figuras proeminentes discutiam filosofia, política e artes.
Veridiana queria criar um ambiente assim em São Paulo, na expectativa de dar uma lufada cultural e intelectual em uma cidade já impulsionada economicamente pelo café, mas ainda um tanto jeca e provinciana. Nos encontros que passou a promover em sua nova casa, desfilava a elite intelectual, política e artística do Brasil – e também estrangeiros ilustres em visita ao país, como o escritor português Eça de Queiroz – do século 19.
A nova casa da matriarca dos Prado era bem mais sofisticada e imponente que o casarão onde ela morava até então, ao lado na Capela Nossa Senhora da Consolação – nesse antigo terreno ela realizou outro de seus feitos, a construção do Velódromo de São Paulo, inaugurado em 1875, e que também se tornou o primeiro estádio de futebol do País, no início do século 20, na região onde hoje fica a Praça Roosevelt.
O novo palacete dizia muito sobre seu estilo de vida e personalidade. “Simbolizava sua preferência pela vida urbana, gosto refinado, vocação intelectual, interesse pelos negócios, dedicação à cultura e, acima de tudo, sua independência”, diz no livro. “Veridiana era a rainha que inspirava seus convidados e amigos a não abrir mão da sua independência e do seu jeito de ser e viver para se submeter às falsas limitações impostas pela sociedade.”
Mulher independente
Independência talvez seja, de fato, a palavra que melhor represente Dona Veridiana. Filha de Antônio da Silva Prado, o Barão de Iguape (1778-1875), um dos homens mais ricos e influentes de São Paulo entre os séculos 18 e 19, Veridiana administrava com competência os negócios da família, uma das mais ricas e influentes no período. Além de administrar fazendas de café, foi a primeira mulher do Brasil a comandar um jornal, o Comércio de São Paulo, que pertencia ao seu filho, Eduardo Prado. Ela entrou no negócio para salvá-lo da falência. Além de investir dinheiro para sanar as finanças, assumiu o comando, “impondo sua vontade na solução de problemas, chegando a intervir em oficinas, nas colaborações, nos anúncios e até na orientação política”, como conta seu biógrafo.
Nas questões de comportamento, Dona Veridiana não seguia o figurino que a sociedade do século 19 esperava de uma mulher de sua estirpe. Foi um escândalo, por exemplo, quando se separou do marido, Martinho, que era seu tio e com quem teve de casar aos 13 anos por imposição dos pais para evitar a dispersão dos bens familiares. Tinha 53 anos na época da separação. “Era ímpar na sociedade paulista do século 19. Parecia cultivar o desejo de chocar as mulheres paulistas de sua época. Era a maneira que encontrava para lhes dizer que não se enquadrava no papel submisso e secundário que a sociedade caipira delegara à mulher”, diz d´Avila.
“Veridiana não aceitou a divisão burguesa de papéis, nem no plano do privado, muito menos no formal. Ao romper com o marido, assumiu publicamente os papéis usualmente atribuídos ao sexo oposto: atividade cultural, prestígio político, administração de propriedades agrícolas, importação de espécies vegetais, de utensílios e equipamentos modernos…”, conta d´Avila.
Além disso, sua liderança dentro da família era inquestionável, arbitrando pendengas domésticas, orientando os filhos e influenciando nos negócios de cada um. E olha que seus filhos são todos figuras destacadas na história de São Paulo: Antônio Prado foi ministro do Império, prefeito de São Paulo e um dos responsáveis pelo fim da escravidão e pela política de imigração estrangeira; Martinico, líder republicano; Caio e Eduardo, os mais novos, “intelectuais com ativa intervenção na política”, como observa o jornalista Roberto Pompeu de Toledo, autor de livros sobre a história de São Paulo.
Se escandalizou parte da pudica sociedade paulistana, Dona Veridiana também foi amplamente admirada em seu tempo por sua inteligência, vivacidade e generosidade e cravou, assim, seu nome na história de São Paulo.
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