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Arquiteto Mario Biselli, autor do projeto de reforma do Vale do Anhangabaú diz que o local se transformará numa grande praça cívica
O autor do projeto de reforma do Vale do Anhangabaú, arquiteto Mario Biselli fala sobre como será novo espaço
Denize Bacoccina e Clayton Melo
Um dos projetos mais polêmicos do momento em São Paulo é a reforma do Vale do Anhangabaú. Grande área aberta cercada de prédios dos dois lados, o Vale é um corredor natural entre as regiões norte e sul de São Paulo e por isso, nos anos 1940 acabou virando também um corredor viário, aproveitando o leito por onde passava os rios Anhangabaú e Tamanduateí.
Nas décadas seguintes, novas alterações foram feitas, as avenidas ficaram escondidas por túneis e sobre a laje criou-se o atual Anhangabaú. Que sempre foi mais visto de cima do Viaduto do Chá do que de fato usado pelas pessoas, a não ser nos shows que levavam multidão ao local, em eventos como Virada Cultural e festas especiais. O que levou a uma percepção de que era preciso reformá-lo novamente para se tornasse um lugar de convívio entre as pessoas.
Ainda em 2007 começaram os estudos que ganharam corpo na administração do ex-prefeito Fernando Haddad (2013-2017), que deixou pronto e licitado um projeto para reformar o piso e a infraestrutura subterrânea do vale, para enterrar em galerias técnicas todos os cabos e canos de empresas de internet, telefonia, água e outros serviços que passam por lá, dispensando novas quebras no piso.
O arquiteto Mario Biselli entrou no projeto pelo consórcio que ganhou a licitação para detalhar o projeto, a partir do conceito criado pela consultoria do escritório do arquiteto dinamarquês Jan Gehl, conhecido por sua defesa de uma cidade para as pessoas. Em entrevista ao A Vida no Centro, ele diz que o Vale do Anhangabaú, quando pronto, vai ser espaço transformador na cidade. “São Paulo não tem espaços púbicos de qualidade. É uma tragédia isso. Por isso os shoppings centers dão tão certo na cidade de São Paulo”, diz ele. “O certo é que a gente tenha espaço público legítimos, que não seja um centro de compras. Que seja um espaço público realmente agradável e convidativo para você desfrutar”, afirma. “O miolo do Anhangabaú é um espaço cívico que vai receber grandes massas”, diz ele.
A Vida no Centro – Qual foi o conceito principal desta reforma? Fala-se muito em passar de um lugar de passagem para um lugar de permanência.
Mario Biselli – Uma coisa que muita gente não consegue entender é que abaixo do piso no Anhangabaú, num trecho de uns 500 metros, tem os túneis, por onde circulam carros e ônibus. É uma laje, que está muito próxima ao piso. E outra coisa é que entre o piso e esta laje passam tubulações de 17 concessionárias de serviços públicos (telefonia, rede de água e esgoto) e do jeito que estava lá antes, naquele piso de mosaico, toda hora tinha uma empresa quebrando tudo para fazer obra de manutenção e nunca ficava na condição original. Tem um salto tecnológico de qualidade de instalações. Além dos jogos d´água, tem a reengenharia para colocar todos esses cabos. O conceito é recuperar a vida na rua. Tem duas ruas, a Rua Formosa e a Rua Anhangabaú. O miolo vai ser um espaço monumental, afinal São Paulo é a principal cidade da América Latina. A gente sempre considera a Avenida Paulista o espaço mais simbólico da cidade, porque é uma linha reta, com uma perspectiva espetacular. E é isso o que a gente recupera ali no Vale.
E foi justamente isso o que assustou muita gente, que viu as montagens de antes e depois que circularam nas últimas semanas. Eu sei que a obra está inacabada, mas como vai ficar esta vista depois de pronta?
O projeto tem uma dupla personalidade de espaços. Com a recuperação das ruas nas laterais e uma segunda linha de fachadas ativas, os quiosques que vão abrigar comércio, floricultura, biblioteca infantil. Vamos produzir nas laterais essa vida na escala da rua, na escala da cidade, do cidadão. Que é onde tem comércio, onde tem mobiliário urbano, onde tem verde e onde tem espaços agradáveis para essa escala para quem quer ficar num lugar sombreado. Mas o miolo do Anhangabaú é um espaço cívico que vai receber grandes massas. Nós estamos um momento de pandemia, mas quando tiver uma Virada Cultural as pessoas vão entender. Ali é mais largo do que a Avenida Paulista e tem um piso liso que é perfeito para isso. Cabe no mínimo 50 mil pessoas fácil.
Não vai ficar árido?
Não vai, porque a água que a gente projetou ali está programada para fazer a gestão do local. Quando tem água não tem gente, e quando tem gente desliga a água. E é setorizada pra permitir vários espaços.
Também tem muita crítica sobre palmeiras que foram retiradas.
A gestão do patrimônio arbóreo da cidade é muito cuidadoso. As palmeiras importantes ali são as que estão na Praça Ramos, são palmeiras tombadas. O canteiro que tinha no miolo do Vale do Anhangabaú era um canteiro raso. E ali não tinha como as árvores se desenvolverem, porque estavam em cima da laje.
As árvores nas laterais estão na terra?
Estão. Nas laterais só tiramos as árvores exóticas, porque elas causam problemas com as árvores nativas. Além de tirar as árvores das laterais plantamos mais 125 mudas. Demora alguns anos para crescer, mas estão destinadas ao futuro. Onde tem mais verde é na Praça Pedro Lessa. Ali é a parte mais verde. O Anhangabaú tem vários espaços. A esplanada central é aquilo mesmo: um espaço cívico e um espaço para grandes eventos.
Leia também: A HISTÓRIA DO VALE DO ANHANGABAÚ: CONHEÇA AS MUDANÇAS AO LONGO DO TEMPO E VEJA FOTOS
As pessoas sempre associam permeabilidade com verde. Apesar de ser cimento, tem permeabilidade no Anhangabaú?
Ali no miolo é impermeável por causa da laje. É até prejudicial fazer canteiros ali. Mas nas laterais a quantidade de verde é em superior ao que se exige de áreas permeáveis. Tem canteiros bem grandes. Alguém postou uma foto bem na perspectiva do eixo, mas quem vai caminhar lá pode ver que é bem agradável.
E o skate? Como foi resolvida a questão dos skatistas?
Uma das premissas era não estabelecer um equipamento que permitisse só um grupo tomar conta do lugar. Por isso fizemos um mobiliário que pudesse ser usado pelas pessoas e também pelos skatistas. Um uso híbrido. O desenho que eu tinha feito foi um pouco alterada, porque se aproveitou uma escada que estava lá.
E sobre a segurança? O Vale do Anhangabaú era um lugar belíssimo, mas as pessoas tinham muito medo de frequentar. Você acha que agora, com os postes mais altos, vai aumentar a segurança e a sensação de segurança?
Acho que vai melhorar. Desde o início do projeto já tinha a previsão de um gestor, de uma concessão. O Vale do Anhangabaú vai ter muito potencial de eventos. Quando um espaço é muito popular a segurança se torna mais fácil. Acho que a segurança vai aumentar também por causa da gestão privada.
Eu tenho muita confiança de que o Vale do Anhangabaú vai ser um espaço transformador da cidade. Grande parte das críticas são sobre a questão de prioridade. Mas desse jeito os espaços públicos vão ficar sempre na prioridade Z. O Rio de Janeiro já investe mais em espaços públicos e também tem as praias que são um presente de Deus. A cidade de São Paulo não tem espaços púbicos de qualidade. É uma tragédia isso. Por isso os shoppings centers dão tão certo na cidade de São Paulo. Porque o paulistano não tem aonde ir. Você não tem lugares públicos. O shopping reproduz a cidade com segurança e teto. E sem carro. Aí funciona. As pessoas tem onde se encontrar. O certo é que a gente tenha espaço público legítimos, que não seja um centro de compras. Que seja um espaço público realmente agradável e convidativo para você desfrutar.
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