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Peça faz parte da Trilogia do Antipatriarcado dos Satyros, que inclui ainda Pink Star e Transex e estará em cartaz até o fim de julho
Os Satyros estreiam nesta sexta-feira, dia 4 de maio, uma peça com elenco inteiramente não cisgênero, com artistas trans, travestis, agêneros e não binários. O espetáculo “Cabaret Transperipatético” é a segunda parte da Trilogia do Antipatriarcado, composta por “Pink Star” (em cartaz) e a remontagem de “Transex”, prevista para junho deste ano.
As experiências biográficas do elenco estão expostas no espetáculo, num processo de criação que se desenvolveu ao longo de quatro meses e resultou num espetáculo manifesto, que fala de afeto, espaço social, opressão, transfobia, empoderamento, angústias e sonhos.
O elenco é composto pelas atrizes transexuais/travestis Daniela Funez, Fernanda Kawani, Luh Maza (que transicionou, durante o processo, do gênero fluido para mulher trans) e Sofia Riccardi; os atores transexuais Gabriel Lodi, Léo Perisatto e João Henrique Machado; e o artista agênero Guttervil. Do encontro destes artistas, com trajetórias bem diferentes, Os Satyros buscam discutir os desafios desses corpos livres, contrapondo o estigma de corpos dissidentes na sociedade. A trilha sonora da peça também é construída por artistas transexuais.
O espetáculo fica em cartaz às sextas, às 21h; e sábados e domingos, às 19h30, no Estação Satyros (Praça Roosevelt, 134), até o fim de julho. Todas as pessoas que se declararem não cisgênero, transexual, agênero, não binário, travesti na bilheteria, entram gratuitamente no espetáculo.
Durante os quatro meses de processo de trabalho, o grupo abordou as experiências pessoais dos artistas envolvidos no projeto, tratando das questões da marginalização do corpo trans; das regras da biologia, da ciência, da religião e da família impostas no processo da constituição de identidade de gênero. Além da empregabilidade, da estética, da disforia, da orientação sexual, das normas binárias e da sexualização de corpos livres.
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No espetáculo, os artistas desafiam o pensamento pejorativo ligado ao universo trans, ligado à prostituição e criminalidade.
O elenco também discutiu a obra de Paul B. Preciado – em especial, seu “Manifesto Contrassexual” –, além de reflexões pós-coloniais acerca do termo transfake, do determinismo de padrão homem e mulher e da arte como manifesto de um espaço estético plural.
A Trilogia do Antipatriarcado
Em 2017, Os Satyros iniciaram a Trilogia do Antipatriarcado, pensando no momento de profunda tensão social, conservadorismo exacerbado e intolerância que o país atravessa.
A primeira peça foi “Pink Star”, que aborda as relações da pós-família com as questões de gênero e a teoria Queer, a partir de textos teóricos de Judith Butler e Paul B. Preciado, entre outros. O espetáculo parte da discussão de como a família, a escola, a religião e todas as outras instituições sociais constroem o homem ou a mulher que perfaz a nossa identidade pessoal. “Pink Star” deu início à Trilogia em 2017 e continua em cartaz no Estação Satyros.
Já em “Transex”, o foco está no cotidiano de transexuais que viviam na Praça, na época da primeira montagem, em 2004. O texto, baseado em fatos reais e inspirado por Phedra de Córdoba, atriz cubana trans que morreu em 2016, mescla comédia, drama, vaudeville, dublagem e farsa, em uma transgressão estética proposital. A solidão da grande cidade, o isolamento social dos transexuais e travestis e as dificuldades do amor fazem parte deste universo surreal.
“Cabaret Transperipatético” será o primeiro espetáculo da Cia com um elenco completamente não cisgênero.
Por Daniela Funez, Danna Lisboa, Fernanda Kawani Custodio, Gabriel Lodi, Guttervil, João Henrique Machado, Leo Perisatto, Luh Maza e Sofia Riccardi
A “arte” de governar os corpos desde sempre visa a separação pela sexualidade apenas para a reprodução. Nós, no entanto, somos corpos que se levantam contra o sistema, esse que nos impõe padrões de gênero a serem performados de acordo com o sexo ao qual fomos designados ao nascer. Somo corpos que se governam de forma autônoma e livre desse cistema.
A transfobia é hipócrita e higienista. Nós propomos liberdade. Liberdade e permissão para corpos existirem sem classificações excludentes. Liberdade para modificarmos nossos corpos sem imposições. Liberdade para existir e construir nossas essências de forma espontânea e natural. Não somos quimera. Utilizamos a tecnologia para tornar mais confortável nossas moradas de carne. Não nos conformamos com a Cultura estabelecida por uma civilização que teme que nossa existência corrompa seus pilares de sustentação.
Indiferente aos padrões impostos pela sociedade, seguimos tendo as mesmas obrigações enquanto cidadãos e reivindicamos apenas os mesmos direitos, como ter nossas identidades respeitadas e acesso a valores como família e trabalho.
Quanto a família, a romantização nos é perigosa. A ideia de “amar acima de tudo” nos faz indulgentes com quem nos oprime, isentando de responsabilidade os discursos machistas, racistas e LGBTfóbicos que continuam se firmando dentro de nossas casas. Até a família oprime, machuca e mata.
Precisamos ter acesso a empregabilidade. É muito cômodo não empregar pessoas trans, nos colocando como incapazes de exercer certas funções. Pior, nos colocando onde 90% das mulheres trans e travestis estão: a prostituição. Nós, os que transgridem as normas, somos relegados a vulnerabilidade social.
Aqui, nós provamos que somos capazes de atuar e representar uma classe que até ontem era interpretada por homens e mulheres cis, mostrando para o mundo que sim: nós somos atores, diretores, dramaturgos, capazes de criar e atuar no teatro, no cinema e em todas as outras expressões artísticas.
É o momento de pessoas trans contarem suas próprias histórias, sem cortes e edições de pessoas cis. Agora estamos gritando a nossa existência, nossas vivências e sentimentos. Somos poucos aqui, ainda, mas esperamos que nossas vozes ecoem em muitas outras pessoas que têm suas identidades invisibilizadas. Diferente do que nos falaram a vida toda: nossa representatividade importa, nossas falas importam, nossas vidas trans importam.
Muitos acham que já sabem tudo de nós só por sermos pessoas trans, resumindo todos a um único bolo recheado de medos e preconceitos. Um bolo que se fosse possível enterrariam ou, como fazem: agridem e matam. Não somos um bolo, uma massa. Somos únicos. Temos diferentes sexualidades, classes, etnias, credos. Devemos ser vistos e reconhecidos como pessoas com suas individualidades subjetivas e uma luta em comum.
Partes do todo. Nós somos como as células em metamorfose, nos criando e recriando ao longo do tempo. Somos trans, somos agêneros, somos não binários. Somos tudo isso e muito além. Somos nós em outros nós.
Cabaret Transperipatético
Estação Satyros – Praça Roosevelt, 134 – tel. 3258 6345
Sextas, 21h | sábados e domingos, 19h30
Até 31 de julho
Ingresso: R$20,00 (inteira) | R$10,00 (meia) | R$ 5,00 (morador da Praça Roosevelt) |Pessoas não binárias, transexuais, travestis e agêneros entram de graça.
Telefones para reservas: 3258 6345 / 3231 1954
Recomendação: 18 anos
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