A Vida no Centro

Ariane Cordeiro

RG Social

Ariane Cordeiro é jornalista formada pela FIAMFAAM, com especialização em Comunicação Corporativa pela FGV-SP, Produção Audiovisual pela UFBA e Cinema pela AIC-SP. Atua no mercado de comunicação há 13 anos. Neste blog, traz um olhar sociocultural sobre o Centro, contando histórias de pessoas que vêm de outros lugares, como imigrantes, pessoas em situação de refúgio e migrantes. É fã e repórter colaboradora do A Vida no Centro.

As escolhas de Maria

Uma caminhada no Minhocão é o ponto de partida para reflexões sobre a vida e as escolhas que fazemos

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Tempo de leitura:5 minutos

Em um final de semana de inverno saí para almoçar com uma amiga. Íamos em um restaurante na República e de lá caminhar pela região. Uma hora antes do encontro, ela desmarcou e eu decidi seguir com os planos, mas antes, caminhar pelas ruas do centro.

Na metade do caminho, subi o Elevado Costa e Silva, o Minhocão. Gosto de ver pessoas e, principalmente, as variações de ritmo vivo da cidade. Os domingos, por exemplo, costumam ser dias mais tranquilos na região, sem muito tráfego de carros, com muitas famílias e jovens passeando.

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Ao chegar em uma das saídas do Minhocão, desci e resolvi andar por baixo, pela avenida. Incrível como um lugar não conversa com o outro. Em cima, um projeto de Parque, e um cenário cada vez mais moderno, com jardins verticais, pessoas tomando sol, fazendo piqueniques, andando de bicicleta, com os pets etc.  E, embaixo uma realidade ignorada. Um retrato da ineficiência do setor público.

Caminhada

Continuei andando, rumo à Rua da Consolação. No meio do caminho, parei e fiquei observando um prédio antigo. Olhava a beleza da estrutura, mas meus pensamentos estavam em outro universo. Eu só conseguia pensar em uma pessoa que eu gosto e havia afastado. O que sinto por ela não é simples ou comum. Aliás, nunca senti isso antes. Um sentimento sutil e singelo e, ao mesmo tempo, forte. Ele foi crescendo e eu não percebi. Quando identifiquei a força o brequei.

Enquanto eu pensava, uma senhora se aproximou e me pediu um trocado. Eu não entendi o que ela disse, retruquei algo e ao invés dela responder, se sentou na guia. Dona de um rosto meigo e enrugado, com fisionomia estrangeira. Não sabia o porquê, mas sentei-me também. Começamos a conversar.

A senhora é do Equador e mora no centro de São Paulo há cinco anos. Ela veio ao Brasil para ajudar o marido que faz tratamento gratuito pelo SUS em uma unidade básica de saúde. Os dois saíram de seu país para tentar uma oportunidade de vida mais digna e viver com o filho do casal, no Brasil há mais tempo. Moram em uma pequena casa, próximo à antiga Prefeitura, no Parque Dom Pedro.

Depois de meias palavras, a senhora me questionou o porquê de eu estar ali. Contei brevemente do não almoço, até o momento, e que eu estava andando para refletir na vida. Disse que gostava de alguém e que por incapacidade de dizer isso a ele, preferi sair da situação, que eu iniciei. Ela me olhou e sorriu.

Mudamos de assunto. Começamos a falar sobre comida. A gastronomia dá um tempero a mais em tudo. Não foi diferente. O tom sério deu espaço a gargalhadas e compartilhamento de receitas. Ela contou que adorava fazer banquetes para a família e amigos na cidade onde nascera.

As escolhas

Depois, ela voltou a falar sobre o esposo. Comentou que sentia falta da família, mas, por opção, o acompanhou. Ela cuida dele e ele dela, estão juntos há pouco mais de 20 anos e pretendem ficar por muito mais. Segundo ela, o segredo da união é viver o hoje, independentemente dos problemas. “Quando os dois dão as mãos e caminham para a mesma direção, tudo funciona.”

A conversa foi fluindo até a senhora estender a mão e se levantar. A ajudei. Nos abraçamos e ela sussurrou em meus ouvidos: “Gosto de ouvir pessoas falando sobre amor. Não se cobre tanto, a vida é assim e o amor é assim: ele aparece, não tem um manual. Não dá os caminhos. Você o segue com o coração e a cabeça. Certifique-se apenas que seja algo natural, verdadeiro e que venha dos dois”.  Nos despedimos.

Voltei a andar e fui almoçar. Enquanto comia lembrava do papo inusitado com a senhora e só pensava que a caminhada é longa. Aprendi que a persistência é uma das chaves para as conquistas, mas quando envolve o coração, sou estagiária sem um manual. Não sei nem por onde começar. Mas, aquela conversa me fez refletir que quando dois buscam os mesmos objetivos e dão as mãos, não importam os desafios, pois são passageiros.

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Sobre a senhora, a encontrei três dias depois e ela conseguiu um emprego em um restaurante da região. Ela fala muito bem português e pareceu ser uma cozinheira de mão cheia! Já eu, esse foi um daqueles dias que a gente só agradece (como devem ser todos) e lembra do poder das escolhas. No caso de Maria (a senhora), ela escolheu estar com o marido e batalhar junto a ele no Brasil. No meu, foi uma semana que pude refletir um bocado. Percebi que eu não escolhi ficar só, mas sim estar com alguém por completo e com os mesmos objetivos: desfrutar a companhia um do outro e compartilhar momentos juntos. É uma esperança de, um dia, podermos dar as mãos. A mesma se estende à cidade.

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