A Vida no Centro

Publicado em:
Tempo de leitura:5 minutos

“Não devemos copiar Paris, mas definir nossa própria agenda”, diz Alejandro Echeverri, pai do urbanismo social

Entrevista com o urbanista colombiano Alejandro Echeverri estreia o podcast Hackeando a Cidade, que vai discutir a cidade pós-pandemia

Entrevista com Alejandro Echeverri, pai do conceito de urbanismo social que transformou a cidade de Medellín; acompanha vídeo e podcast.

Clayton Melo e Denize Bacoccina

Alejandro Echeverri, arquiteto e urbanista colombiano, é considerado o pai do conceito de urbanismo social que transformou a cidade de Medellín, na Colômbia, que durante 20 anos foi a cidade mais violenta do mundo e hoje é um case internacional de transformação social.

“Temos uma oportunidade extraordinária de definir nossa própria agenda”, diz ele sobre como a América Latina deve atuar para sair da crise gerada pela pandemia. “Não é copiando políticas públicas ou programas de países ou cidades que, de alguma maneira, já resolveram seus problemas. Aqui a nossa agenda é outra”, afirma, referindo-se a lugares como Paris, cujo conceito de cidade de 15 minutos agora vem sendo citado como o novo modelo de desenvolvimento a ser adotado.

NEWSLETTER

Assine nossa newsletter para ficar por dentro de tudo o que rola no centro

Doutor em Urbanismo e professor convidado em várias universidades no mundo, inclusive no Brasil, Echeverri foi gerente-geral da Empresa de Desenvolvimento Urbano e Diretor de Projetos Urbanos da Prefeitura de Medellín na década de 2000. Atualmente, é Diretor do URBAM-EAFIT, centro de estudos urbanos e ambientais da universidade EAFIT, da Colômbia. Ele é o nosso convidado de estreia da temporada Hackeando a Cidade do podcast A Vida no Centro.

Leia também outras matérias da série Hackeando a Cidade:
Nova série do A Vida no Centro ouve grande nomes para repensar a cidade pós-Covid

Carmen Silva, do MSTC: a moradia é a porta da entrada para os outros direitos

Ouça a íntegra da entrevista com Alejandro Echeverri em nosso podcast:

A história de Echeverri com a transformação de Medellín começou em 2002, quando ele foi procurado por Sérgio Fajardo, na época candidato a prefeito, para ajudar a desenhar o plano de governo. Fajardo foi vitorioso e o plano de urbanismo social desenhado por Echevérri foi colocado em prática. Foi o início da virada de Medellín, cidade que nos anos 20 anos anteriores havia se tornado a mais violenta do mundo e se tornou um case internacional de transformação social. Foi até eleita, em 2013, a cidade mais inovadora do mundo em um concurso organizado pelo The Wall Street Journal e o Citigroup.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista. A conversa completa pode ser ouvida no Spotify e vista no YouTube.

O que é o urbanismo social?
Fizemos uma estratégia holística, integral e daí saiu a ideia de Programa de Urbanismo Integrado, a ferramenta mais importante no conceito de urbanismo social. É uma estratégia focada nos bairros mais pobres de Medellín, que pensa nas dimensões do espaço público, residência, transporte. Tudo combinado a uma agenda de projetos de cultura, educação e empreendedorismo a partir do trabalho com as comunidades. Começamos a articular programas e projetos em regiões estratégias, com problemas estruturais de violência.

Por onde deve começar uma cidade que quiser aplicar esses conceitos de urbanismo integrado?
Primeiro é preciso conhecer profundamente as pessoas e os lugares dos bairros. Muitos dos programas e projetos começaram com caminhar pela cidade e conversar com as pessoas.

Quando chegamos ao governo já tínhamos anos de trabalho com as comunidades e traduzimos isso em programas e projetos nos territórios. É preciso ter o conhecimento e a sensibilidade de construir diálogos. Havia uma agenda de educação, cultura, inovação. Era preciso recuperar a confiança no espaço público, porque nos anos escuros (época do domínio pelo narcotráfico) não se saia mais ao espaço público à noite. Fizemos espaços de lazer e cultura para que as pessoas pudessem se encontrar. Tudo muito orientado à vida cotidiana das pessoas. Soluções que impactassem a vida cotidiana no curto prazo, pequenas ações que, no conjunto, fossem gerando uma percepção de transformação. A parte mais importante é a transformação dos espaços públicos. E isso significa as ruas, as escadarias, os espaços por onde as pessoas passam, que eram ocupados pelos grupos armados.

Era preciso restaurar a confiança das pessoas. A questão da mobilidade é muito importante. Um exemplo é o teleférico, que é integrado ao metrô, aos corredores de ônibus. Buscamos expandir o impacto das intervenções ao colocá-las perto das estações de transporte.

Como ter cidades menos segregadas?
Esse é maior problema não só das cidades brasileiras e colombianas, mas de toda a América Latina. Os nossos problemas se traduzem em nossas cidades, que são fisicamente divididas. Mas é uma utopia pensar que em quatro ou oito anos se vai resolver um problema de 60, 80 anos. Temos que pensar na perspectiva do tempo e não podemos nos enganar. Mas é possível começar a mudar a história, ser muito estratégico nas intervenções, para que comecem a dar resultado. O problema está nas distâncias entre as diferentes partes da cidade. O que buscamos fazer – e acho que no Brasil também há vários projetos assim – é construir oportunidades para que essa segregação se reduza, embora não seja possível acabar totalmente. É uma grande tarefa, que não terá solução a curto prazo. É preciso ter estratégia.

Assista abaixo à entrevista com Alejandro Echheverri:

A importância da integração
Neste momento tivemos uma coisa rara que era um grupo de pessoas trabalhando de forma integrada. O prefeito Jorge Fajardo (prefeito de Medellín entre 2004 e 2008) tinha uma liderança e trouxe para o governo várias pessoas que não tinham interesses políticos e conseguiu que as pessoas trabalhassem de forma integrada.

Como conciliar os vários interesses, mesmo entre diferentes grupos de moradores?
Não é fácil conseguir espaços de confiança com os moradores. É preciso despolitizar os espaços com as comunidades. Líderes comunitários também estão inseridos nessa politização. É preciso construir uma luta comum.

Projetos menores, com resultados imediatos, funcionam melhor?
Desenhamos uma agenda de curto, de médio e de longo prazo. E os mais importantes são os de curto prazo, porque geram um sentimento de que seus pleitos são contemplados. Essa construção de uma agenda comum e que chegue ao prefeito exige muito esforço. Não se pode fazer tudo ao mesmo tempo. São programas e projetos que requerem 20 anos, com uma agenda encadeada, passo a passo, com resultados a curto prazo em cada etapa. E esta é a maior dificuldade, que também tivemos em Medellín. Tivemos continuidade em dois governos. Mas o que a pandemia nos mostra é a necessidade de continuar com esses investimentos nos bairros mais populares.

Eu acredito muito em projetos de pequena e media escala que se possam ir conectando, multiplicando, replicando. Acredito menos em projetos top down, completos, que dependem de governos para ter continuidade completa. Não estou dizendo que não se precisem desses projetos grandes. Mas como precisamos escolher onde investir os recursos, projetos que possam se multiplicar têm mais impacto.

Como está Medellín hoje. O urbanismo social corre risco?
A continuidade é uma exceção da exceção. Estamos vivendo um momento muito difícil, na Colômbia e no mundo, em função da pandemia. E na Colômbia estamos vivendo um momento de protestos, e também um momento difícil na cidade de Medellín. Há alguns anos não tínhamos uma prefeitura que provocasse uma divisão tão grande na cidade. Mesmo de forma imperfeita, havia uma continuidade.

Hoje temos uma agenda de polarização e de divisão. Não acho que podemos perder tudo porque esta cidade tem uma tradição de diálogo, mas estamos num momento difícil.

Onde buscar inspiração para sair da crise criada e aprofundada pela pandemia?
Em nosso caso, parte da inspiração deveria vir da nossa própria experiência, porque já vivemos crises e soubemos sair dela. E também de outros lugares. O Brasil tem experiências como Favela-Bairro (implantado no Rio de Janeiro nos anos 1990) e outros programas. A Colômbia é um país com uma capacidade de resiliência muito grande. As crises são momentos de incerteza que podem tomar caminhos muito ruins ou muito bons. Dependerá de nós. As crises são espaços para construir, mas também abre espaço para o aparecimento de populistas ou algo parecido. Está nas nossas mãos. Vimos experiências muito bonitas em bairros populares em relação à pandemia e também iniciativas generosas de empresas privadas com iniciativas sociais que começam a marcar uma nova agenda. Os governos devem usar a crise pra dirigir  a agenda. Eu acho que o êxito de Medellín nos últimos anos causou um dano à cidade. Começou a mudar a agenda. Começaram a aparecer na agenda do governo muitos projetos e programas que colocaram em segundo plano os investimentos sociais nos bairros mais populares, novas agendas de inovação que começam a se distanciar da agenda social. E os governantes começam a achar que devem se conectar com a agenda de algumas cidades do primeiro mundo. A prefeita de Paris, a prefeita de Boston têm uma agenda e é natural que queiram se conectar. Mas se esquecem que aqui a nossa agenda é outra. E acho que fomos nos distanciamento nos últimos anos da agenda social.

Não é copiando políticas públicas ou programas de países ou cidades que, de alguma maneira, já resolveram seus problemas. Temos problemas ambientais que são ligados a problemas sociais. Temos que pensar nas políticas que atingem a maioria da população. Temos uma oportunidade extraordinária de definir nossa própria agenda em temas como regeneração, sustentabilidade, justiça ambiental, definindo nossas próprias prioridades, conectadas com a nossa realidade.

Como você acredita que vá ser a relação com o espaço público pós-pandemia?
Eu acho que, depois que estivermos todos vacinados, haverá uma saída ao espaço público. O Carnaval do Rio, os jogos de futebol, tudo será maior. Esse isolamento que estamos vivendo é temporário. Tudo vai voltar com mais força. Pelo menos é o que o eu espero. O problema é que acho que ainda pode demorar uns três anos.

Leia também: COMO SERÁ A VIDA NAS CIDADES PÓS-PANDEMIA? 10 VISÕES E TENDÊNCIAS PARA A VIDA URBANA E ESPAÇO PÚBLICO

SOBRE A SÉRIE HACKEANDO A CIDADE
Com 15 episódios, a nova temporada do podcast do A Vida no Centro tem o propósito de provocar reflexões sobre o modelo de urbanização e compartilhar experiências bem-sucedidas de transformação de territórios.
O projeto conta com três apoiadores, que compartilham uma visão de cidade aberta, uso do espaço público e o amor pelo Centro de São Paulo: o escritório de arquitetura Pitá e o estúdio de design de móveis Estúdio Paulo Alves, que se mudaram para o Centro recentemente, e a construtora da Magik JC, empresa de 50 anos que produz habitação econômica com arquitetura e design no Centro de SP e gera impacto positivo por meio de suas ações.
O projeto conta ainda como a parceria da SP Escola de Teatro, responsável pela edição e finalização do podcast, e da plataforma de inovação aberta Distrito.