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A psicóloga Claudia Vidigal fala sobre o programa Urban95, que ajuda gestores públicos a pensar as cidades para as crianças
Leia ou ouça a entrevista com a psicóloga Claudia Vidigal, representante no Brasil da Fundação Bernard van Leer, responsável pelo programa Urban95
Denize Bacoccina e Clayton Melo
A missão da psicóloga Claudia Vidigal é povoar a cidade de crianças. Não aumentando o número de filhos da população, mas melhorando as cidades para que elas sejam seguras, lúdicas e confortáveis para a circulação das crianças. Cláudia é representante no Brasil da Fundação Bernard van Leer, uma organização holandesa que, junto com o Instituto Cidades Sustentáveis, criou o programa Urban95, que pensa a cidade numa perspectiva de quem 95 centímetros, que é a altura média de uma criança de três anos.
O Urban95 capacita e apoia técnicos e gestores públicos para que eles construam ao adaptem a cidade nesta perspectiva, numa lógica de que se uma cidade for boa para crianças pequenas ela será boa para todos os seus habitantes.
Neste ponto, o Centro de São Paulo não está bem posicionado. A região tem poucas crianças, apesar de ter boa mobilidade, bons equipamentos públicos de saúde, escolas, creches e mais praças do que muitos bairros mais afastados. Ainda assim, o intenso movimento de veículos nas ruas é uma coisa que assusta. “É difícil de caminhar e se sentir seguro num lugar mais barulhento”, diz Claudia.
À pergunta se as cidades brasileiras são boas para as crianças, Claudia responde com otimismo. “As cidade não foram planejadas para as crianças, mas tem agora um momento em que elas estão se olhando, se olhando criticamente, e eu vejo uma vontade de mudança”, afirmou nesta entrevista ao podcast Hackeando a Cidade, que pode ser ouvido na íntegra no Spotify ou visto no YouTube.
Ouça o podcast sobre uma cidade para as crianças:
Leia os principais pontos da entrevista:
A Fundação Bernard van Leer e o Urban95
A Fundação Bernard van Leer é uma organização holandesa que há mais de 50 anos investe em primeira infância. O Brasil faz parte do portfólio da Fundação há 40 anos e nos últimos cinco anos a estratégia tem sido apoiar cidades para que elas apoiem cuidadores e crianças. É preciso retomar essa oportunidade de convivência comunitária para que a sociedade possa cada vez mais exercer o seu papel. É nessa perspectiva que a fundação investe hoje. São mais de 60 cidades, 24 no Brasil, para que as cidades sejam melhores para as crianças e seus cuidadores.
O que é uma cidade boa pra crianças?
Quando a gente pergunta para as crianças elas têm as melhores respostas. Dizem que é uma cidade onde podem brincar sem medo. E quando a gente fala do medo não é só o medo dos adultos, o medo da segurança pública. É o medo dos carros, ter espaço para brincar. Elas sempre pedem espaço, elas pedem cor e elas pedem natureza. Quando a gente conversa com os pais, eles falam muito de conforto e segurança.
Nós olhamos para três pilares: ludicidade, segurança e conforto. Quando falamos de ludicidade, estamos pensando justamente nas cores, no brincar. Nós fazemos intervenções táticas nos muros, nos postos, nas calçadas, para que a criança, sem perceber, circulando pela cidade no seu modo natural, que é o modo brincante, não tentando vencer a cidade, mas usufruindo da cidade, participe da cidade brincando. E a natureza. Ter árvores pra subir, flores pra olhar, formiguinha, nuvem para olhar no céu. Quando as crianças estão ao ar livre, do lado de fora, elas já estão imediatamente em contato com a natureza.
Seria legal ter muitos pontos de Mata Atlântica, mas em não sendo possível, é preciso criar microparques verdes para que as crianças possam interagir com outras crianças, com outros cuidadores e também com o ambiente ao seu redor.
E é preciso ser confortável para os pais – porque criança não liga muito pra conforto. Mas os pais ligam para ter um banco para sentar, um pouquinho mais de sombra, um lugar com um trocador pra trocar uma fralda, idealmente um banheiro. Se tem um parquinho e não tem um banheiro, nós temos um problema grave. E preciso que existam essas estruturas pra apoiar as famílias do lado de fora, ao ar livre, usufruindo dos espaços públicos.
E a segurança. Todos nós pensamos cidades e pensamos nos ciclos de construção de cidades mais seguras. Apostamos na ocupação como uma estratégia de segurança pública. O que seria uma melhor ocupação se não uma ocupação com bebês, com crianças. A criança pequena gera empatia. Eu costumo dizer que as cidades têm direito a encontrar crianças. Nós adultos temos direito de participar de uma cidade em que a gente encontre crianças pra fazer o nosso dia mais leve, mais gostoso, melhor também.
As cidades brasileiras são amigáveis para crianças?
As nossas cidades não foram planejadas pensando na criança como sujeito de direitos. Aliás, elas não foram planejadas para as pessoas. Elas foram planejadas para os carros. Elas foram construídas tendo no centro dos interesses o carro que levaria um homem branco da sua casa para o trabalho. Não podemos nem falar das mulheres, homens negros, da periferia, que aí a gente pensaria em transporte público.
Infelizmente ela é adulto centrada e é pensada também numa elite que tem carros. Acho que estamos vivendo um momento de transição, com todo esse movimento de pensar as questões raciais, vamos nos movimentando dos nossos lugares de conforto pra pensar: que cidade seria planejada para as populações mais vulneráveis? Que cidade a gente quer para as mulheres negras se sentirem mais seguras? Que cidade a gente quer para que as crianças possam circular com mais tranquilidade? Acho que tem um movimento interessante acontecendo. O planejamento das cidades pensando nessas populações e olhando pra elas.
As cidade não foram planejadas para as crianças, mas tem agora um momento em que elas estão se olhando, se olhando criticamente, e eu vejo uma vontade de mudança. Num momento de tanta desesperança com a política no nosso país, eu fico encantada com a quantidade de gestores municipais, prefeitos e prefeitas comprometidos com um ambiente urbano melhor, mais qualificado, mais promotor de interações. Então as nossas cidades não foram planejadas, mas elas tão se olhando criticamente e avançando nesse sentido.
O que fazer para melhorar o ambiente para as crianças
No Brasil inteiro, todos os parquinhos tem trepa-trepa, gira giro, balança, gangorra, às vezes um tanque de areia. Mas se vai ficando mais chique muitas vezes até o tanque de areia sai e tem só o piso emborrachado. É um equívoco. Precisamos voltar a naturalizar esses espaços, trazer mais terra, mais areia, mais componentes naturais. Eu acho que isso já está pipocando em São Paulo, mas ainda é um movimento mais da elite.
O Instituto Alana é uma referência nesse sentido, construindo parques naturalizados por várias cidades como Fortaleza, Niterói, Caruaru, São Paulo.
Precisamos criar um pouco mais essa vivência natural para as crianças nesses espaços, mas às vezes não é possível. Se a gente pensar no centro de São Paulo, é fazer uma pintura no chão, pintura no muro, no ponto de ônibus. Por que que o ponto de ônibus precisa ser cinza e feio, com cara de adulto, já que tantas crianças pegam ônibus, tanto quanto os adultos?
Por que que não pode ter música infantil nos ônibus, por exemplo, na hora de entrada e saída das creches? Essas são perguntas que a gente tem que começar a se fazer. Quando a criança circula pela cidade é como se o mundo fosse inteiro dos adultos.
Veja gravação no YouTube:
Mapa da Desigualdade para as crianças
O Mapa da Desigualdade da Primeira Infância reflete o mapa da desigualdade social. Eles estão absolutamente associados. A desigualdade social leva a uma desigualdade de oportunidades na primeira infância.
A questão da criança no debate sobre a cidade
Eu acho que a gente é a bola da vez. Já tivemos um debate superimportante sobre as pessoas com deficiência, que mudaram o nosso jeito de pensar a cidade, a mobilidade, do debate de gênero, como as mulheres se sentem na cidade.
Efeito do ar poluído nas crianças
Tem um número que para mim precisa ser repetido todos os dias. As criança são quatro vezes mais impactadas pela poluição do ar do que um adulto. E as doenças respiratórias são a segunda maior causa de morte de crianças pequenas.
É uma pandemia invisível da má qualidade do ar que a gente precisa enxergar e enfrentar, assim como já enfrentamos outros problemas de saúde pública importantes. Nós menosprezamos o que está acontecendo com a qualidade do ar.
Crianças no Centro de São Paulo
Eu acredito no centro de São Paulo como um espaço que pode ser um lugar pra se criar uma criança e que seja gostoso, que seja interativo, que seja vivo. Mas acho que é um lugar difícil, porque criança chama criança. Se as crianças estão na rua outras vão pra rua e essa vivência começa a acontecer e aí a cidade vai se adaptando a esse público e vai se tornando mais atraente e mais amigável. Hoje o Centro não acomoda a criança. Parece que elas são invisíveis para o Centro. E aí elas vão se tornando cada vez menos presentes também. Como é que a gente começa? Trazendo as crianças ou trazendo as intervenções para que as crianças venham. E tem a questão do carro aqui no centro que eu acho que atrapalha muito né? Grandes avenidas como Consolação, Ipiranga, tem muito carro, muito ônibus. Acho que fica meio agressivo, difícil de caminhar e se sentir seguro num lugar mais barulhento.
E o que que a gente quer? Queremos bairros onde as pessoas caminhem, que as pessoas encontrem serviços próximos às suas casas, que em 15 minutos elas possam chegar nos serviços, fazer suas compras. Esse mistura entre os centros comerciais, os serviços públicos, as áreas de lazer, as áreas de trabalho. A gente sabe que isso tudo é que faz uma cidade mais interativa, mais gostosa e mais capaz de gerar experiências boas para as crianças.
É possível avaliar a saúde de uma cidade pelas crianças que circulam por elas. Se a cidade está cheia de crianças circulando, provavelmente é uma cidade saudável. As crianças são como vagalumes na floresta. Quando tem vagalumes na floreta é porque a área está preservada, a floresta está viva. Se as crianças estão circulando pela cidade, a cidade também está saudável, está viva.
SOBRE A SÉRIE HACKEANDO A CIDADE
Com 15 episódios, a nova temporada do podcast do A Vida no Centro tem o propósito de provocar reflexões sobre o modelo de urbanização e compartilhar experiências bem-sucedidas de transformação de territórios.
O projeto conta com três apoiadores, que compartilham uma visão de cidade aberta, uso do espaço público e o amor pelo Centro de São Paulo: o escritório de arquitetura Pitá e o estúdio de design de móveis Estúdio Paulo Alves, que se mudaram para o Centro recentemente, e a construtora da Magik JC, empresa de 50 anos que produz habitação econômica com arquitetura e design no Centro de SP e gera impacto positivo por meio de suas ações.
O projeto conta ainda como a parceria da SP Escola de Teatro, responsável pela edição e finalização do podcast, e da plataforma de inovação aberta Distrito.
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