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São Paulo como cenário de filmes Laís Bodanzky, presidente da Spcine Foto: Antonio Brasiliano
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Ter São Paulo como cenário de filmes projeta a cidade no mundo, diz Laís Bodanzky

Em entrevista exclusiva, a presidente da Spcine, Laís Bodanzky, analisa os benefícios de ter São Paulo como cenário de filmes e séries internacionais, como Conquest, com Keanu Reeves

Clayton Melo e Denize Bacoccina

Quem não gosta de ver a sua cidade, a sua vizinhança e os lugares que frequenta nas telas de cinema, filmes, seriados e comerciais? Moradores de cidades como Paris e Nova York – e também os cariocas – já estão muito acostumados com isso. Para os paulistanos, o prazer de ver lugares familiares está se tornando cada vez mais comum.

E, para estimular o uso de São Paulo como cenário de filmes e séries, foi criada há três anos a São Paulo Film Commission, dentro da Spcine, empresa de cinema e audiovisual de São Paulo. A empresa tem a função de orientar e facilitar o trabalho de produtoras de audiovisual que querem filmar na cidade, além de divulgar as vantagens oferecidas pela capital junto a produtoras internacionais.

São Paulo como cenário de filmes e séries

Desde fevereiro, quem está à frente do Spcine é a diretora, produtora e roteirista de cinema Laís Bodanzky. Diretora de filmes como Bicho de Sete Cabeças, Chega de Saudade, As Melhores Coisas do Mundo e Como nossos Pais, ela assumiu com a missão de dar mais visibilidade à produção nacional, com a exibição no circuito Spcine, em locais como Galeria Olido e os CEUs, e a plataforma de streaming Spcine Play, além de fomentar a cidade como locação.

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Nesta entrevista ao A Vida no Centro, Laís fala sobre os benefícios econômicos de se filmar na cidade, que vão além da geração imediata de postos de trabalho no setor audiovisual e se espalham por vários setores da economia.

Filmagens movimentam a economia

Até maio deste ano, quando a São Paulo Film Commission completou três anos, 2,8 mil obras foram filmadas em São Paulo, movimentando R$ 1,3 bilhão e criando cerca de 69 mil empregos, segundo os cálculos da São Paulo Film Commission.

No ano passado, a cidade se tornou o segundo maior destino de filmagens na América Latina. E 40 produções internacionais já foram atendidas. E, nos últimos meses, o ritmo vem acelerando. Até julho, foram 644 obras, com a criação de 15,2 mil postos de trabalho e uma movimentação de R$ 308,6 milhões. A primeira gravação deste porte foi a série Sense8, da Netflix, que usou a Parada de Orgulho LGBT como cenário de gravação. A série Black Mirror, também da Netflix, filmou em São Paulo um dos episódios, com cenas do Viaduto Santa Ifigênia, Copan e Avenida Paulista.

E, em agosto, a cidade recebeu a equipe de Conquest, série produzida pelo ator Keanu Reeves, que vem filmando em vários pontos da cidade, especialmente no Centro.

O Centro, aliás, é o local preferido para as locações, seguida do bairro da Bela Vista e dos Jardins. Os locais mais solicitados são o Parque do Ibirapuera, Viaduto do Chá, Avenida Brigadeiro Faria Lima, Praça Roosevelt e Avenida Paulista.

Confira a seguir a entrevista com Laís Bondanzky ao portal A Vida no Centro.

Qual a importância de uma política de estímulo para que produções audiovisuais usem a cidade como locação?

Toda grande cidade do mundo tem esse serviço de film commission por vários motivos – e com São Paulo não é diferente. Primeiro porque a economia do audiovisual é muito importante para uma cidade. Atrair as filmagens significa estimular empregos locais, assim como serviços de outros setores, e recolher impostos.

E tem também a questão de projetar a imagem da cidade para o mundo?

Sim, é trabalhar o imaginário da cidade por meio de obras audiovisuais, que podem ser longas-metragens de cinema, séries, comerciais publicitários, documentários ou filmes para TV ou streaming. Dessa maneira, você exporta arquitetura, hábitos, língua, moda, enfim, todo um imaginário, além do próprio cenário. E depois isso se reverte em turismo e em negócios para todos os setores que estão conectados a essa indústria. É difícil calcular esse valor diretamente, mas as film comissions sabem que, quando um filme do Woody Allen é filmado em Barcelona, isso naturalmente se reverte em benefícios para o turismo daquela cidade. E não há dúvidas de que o filme gera esse benefício. Os números são tão gritantes depois do lançamento de filmes como esse que a cidade vira um polo turístico.

E o Woody Allen, que você citou, realmente tem feito muitos longas em cidades que ofereceram incentivos às filmagens. Esse foi o caso de Vicky Cristina Barcelona e de Para Roma com amor, entre outros trabalhos dele.

Sim. As cidades falam para ele: “Venha para cá que te damos facilidades”. Este é o trabalho de uma film comission: conceder incentivos fiscais, apoio de infraestrutura, garantir agilidade nas autorizações que dependam da prefeitura. Claro que isso depois se reverte em ganhos para toda a cidade. O cidadão ganha com isso.

São Paulo - vista aérea - A Vida no Centro

Como a São Paulo Film Comission faz para atrair as produções internacionais para cá?

É um trabalho a longo prazo, porque há uma disputa no mercado internacional. É quem dá mais. Nós comunicamos na mídia internacional, por exemplo. Já conseguimos matérias em veículos internacionais, como a revista americana Variety, estivemos no mercado de Cannes, tenho viajado para outros países apresentando a São Paulo Film Comission. Isso vai gerando um boca a boca. Além disso, também realizamos ações específicas. No Festival de Cinema Latino, realizado em junho em São Paulo, nós convidamos os participantes internacionais que estavam na cidade para fazer um tour e conhecer a estrutura da cidade, para que percebessem como São Paulo tem qualidade e capacidade técnica. Foi um dia de tour audiovisual. Vamos repetir essa ação outras vezes.

Quais são os diferenciais de São Paulo em relação a outras cidades internacionais na disputa pelas grandes produções?

São Paulo tem charme, é camaleônica. Ela pode ser uma cidade do passado, do presente e do futuro. Poucos lugares têm essa característica. Ela é grande e tem muita diversidade. A maior colônia de japoneses fora do Japão está em São Paulo, assim como a de libaneses. O Brasil é conhecido por ter o maior número que negros fora da África. A pluralidade é o que nos caracteriza. E o Brasil inteiro está em São Paulo. Mais do que isso: o mundo inteiro está aqui. Já aconteceu de filmes que se passam em Los Angeles terem sido filmados em São Paulo. Aqui cabe tudo, pode ser Ásia, Europa, EUA. E a cidade está muito conservada, está muito bonita do ponto de vista da arquitetura. Na Jornada do Patrimônio, fizemos um passeio guiado em 20 pontos do Centro Histórico para mostrar locais onde foram filmados alguns filmes e séries. Foi um tour muito bonito, que permitiu ver como a cidade é bonita, como os prédios são chamativos e como a cidade tem profundidade de campo, algo que o cinema gosta muito. A cidade tem altos e baixos, ela não é plana. O cinema gosta disso.

A legislação impõe que as produções internacionais contratem uma produtora de São Paulo para as filmagens aqui. O objetivo é estimular o desenvolvimento do setor audiovisual local?

É obrigatório, assim como também tem regras para o número de técnicos daqui que devem ser contratados. Há toda uma legislação que garante que uma parte significativa daquele custo fique na cidade.

Esse intercâmbio leva a um aumento da qualificação dos profissionais locais?

Ao contrário. Só estamos recebendo essas produções internacionais porque os nossos técnicos já são preparados. As produtoras estrangeiras não querem correr o risco de os parceiros locais não serem capazes. Eles só vêm porque sabem que aqui temos qualidade técnica e artística. E só temos isso graças a uma política cinematográfica de anos.

As gravações da Conquest, série do Keanu Reeves que está sendo filmada em São Paulo, exigiram alteração de itinerários de ônibus e já interromperam o fornecimento de energia no Centro, o que gerou muitas reclamações de parte da população.  Esse tipo de situação não pode causar um efeito inverso, ou seja, fazer as pessoas serem contra as filmagens em locais públicos?

Tudo que é diferente e vem pela primeira vez assusta. Na prática, o que houve foi um susto (de parte da população). Mas havia avisos, policiamento tanto do município como do Estado, ambulâncias e 800 pessoas da equipe nas ruas. O que temos de explicar é que isso também traz benefício para a cidade. Todas as outras grandes cidades fazem isso e o munícipe compreende e fica orgulhoso por estarem filmando um filme na rua dele. Por quê? Porque há uma compreensão de que toda a cidade está ganhando por receber produções desse tipo. Para isso, precisamos avisar e mostrar quais são esses benefícios. Em Nova York, por exemplo, as pessoas recebem um dia antes um comunicado de não será possível estacionar o carro numa determinada rua porque vai ter uma filmagem. O prédio da série Friends, por exemplo, é ponto turístico. Quem ganha com isso? O taxista, o dono do restaurante do lado, o dono de algum apartamento no edifício. Enfim, todo mundo ganha.

Laís Bodanzky em passeio por cenários de filmes no Centro de São Paulo

 

Os dados da São Paulo Film Comission mostram que o Centro é um dos lugares preferidos para filmagens. E, entre as locações mais procuradas, estão a Praça Roosevelt e o Viaduto do Chá. Por que as produções gostam tanto de filmar do Centro?

Uma equipe de produção procura várias coisas. A primeira delas é aquilo que vai para a tela, ou seja, a arquitetura, o espaço geográfico. A segunda coisa procurada não está na tela: é o conforto para as equipes de filmagem. As equipes são grandes. Basta olhar os letreiros de um filme para ver a quantidade de gente que trabalha num longa-metragem ou série. Onde fica essa turma toda? É preciso ter estrutura para eles trabalharem. Um dos motivos para a Conquest vir para São Paulo é que havia toda uma infraestrutura para 700 pessoas poderem almoçar e jantar. Uma das galerias aqui do Centro ficou funcionando só como base de produção. E o Centro tem infraestrutura para oferecer, tem serviços. Isso é tão importante quanto o apelo daquilo que aparece na tela.

Qual a sua relação pessoal com o Centro de São Paulo? Além de trabalhar aqui (na rua Líbero Badaró), você também frequenta lugares na região? 

Trabalhar aqui me possibilitou redescobrir o Centro, esse novo Centro. Estou muito feliz e orgulhosa com o Centro. Nasci em São Paulo. Tem sempre esse papo: “Tem de revitalizar o Centro…” Mas a gente passou a curva. O Centro foi reconquistado pela população, ele tá vivo, pulsante. É muito agradável caminhar por aqui. Quando preparamos o tour para a Jornada do Patrimônio, que passaria por 20 pontos do Centro Histórico que receberam filmagens, eu combinei com a equipe que não necessariamente eu ia conduzi-lo até o final, porque seriam duas horas e meia de caminhada. Mas eu não consegui ir embora. Fiz questão de ficar até o fim porque era muito legal! Ia mostrando: aqui foi filmado a série 3%, aqui a Coisa mais Linda (ambas da Netflix). E A Coisa mais linda, que fala da Bossa Nova e tem a história ambientada no Rio de Janeiro, foi toda filmada em São Paulo. É surpreendente. Além disso, tem também os restaurantes e os bares, tem uma vida cultural muito ativa. Então as pessoas ficam nos happy hours etc. Estou adorando trabalhar no Centro.

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