A Vida no Centro

Blog da Denize Bacoccina

Denize Bacoccina é jornalista e especialista em Relações Internacionais. Foi repórter e editora de Economia e correspondente em Londres e Washington. Cofundadora do projeto A Vida no Centro, mora no Centro de São Paulo. Aqui é o espaço para discutir a cidade e como vivemos nela.

A vida nos tempos do coronavírus

Como a epidemia de coronavírus mudou meu estilo de vida, baseado em andar a pé pela cidade, encontrar com as pessoas, viver a vida urbana

Publicado em:
Tempo de leitura:5 minutos

Há três anos, minha vida mudou completamente. Não foi a primeira vez. Já havia mudado de cidade algumas vezes, desde que, aos 18 anos, deixei minha Cordeirópolis natal para estudar em Campinas. Nas três décadas seguintes, a lista só aumentou: São Paulo, Londres, Washington, Brasília, até voltar a São Paulo, e encontrar uma cidade muito melhor daquela na qual havia vivido nos anos 1990. Uma cidade mais amigável, mais bonita (se você não acha é porque não sabe como ela era nos anos 1990), onde as pessoas gostam de viver. Todo mundo? Não, claro, que não, mas eu vim para participar – e de certa forma, ajudar a disseminar – deste novo estilo de vida.

NEWSLETTER

Assine nossa newsletter para ficar por dentro de tudo o que rola no centro

E esta nova vida não envolvia só uma mudança de endereço, mas de estilo mesmo. Em Brasília, onde morava anteriormente, usava o carro todos os dias, para tudo, já que tudo é longe. Aqui, o carro só saía da garagem para viagens para fora da cidade. Esse novo estilo de vida também envolvia caminhar muito pela cidade, a melhor maneira de se locomover no Centro. E, apesar de trabalhar em casa, encontrar muitas pessoas, bater papos em cafés, encontrar os amigos no bar, frequentar teatros, cinema, shows. Enfim, aproveitar a vida urbana da qual falamos aqui no A Vida no Centro.

E agora, que não podemos sair de casa? O que mudou? Praticamente tudo, né? Há três semanas, só saio de casa para comprar comida – e apenas uma vez por semana. Cozinhar e comer em casa não é exatamente um sacrifício para quem, como eu, gosta de cozinhar. Sim. Mas todo dia? É, todo dia e sem opção não é a mesma coisa. As férias, marcadas mentalmente para junho, para conhecer as paisagens paradisíacas do Jalapão, agora não tem mais data. Quando será que voltaremos a ter confiança para pegar um avião para um lugar isolado, sem nenhuma infraestrutura de saúde?

E o Carnaval de São Paulo, que havia se tornado o maior do país há apenas um mês? Qual será o seu destino? Será que nos próximos anos a pessoas se sentirão confortáveis em participar de uma festa que junta uma multidão de desconhecidos? Nesta semana, entrevistamos o historiador José Roberto Walker, que escreveu um romance histórico que se passa na época da gripe espanhola, em 1918. Foi uma pandemia que durou quase dois anos no mundo, mas em São Paulo chegou e foi embora em dois meses. Em seguida, apesar das muitas perdas, a cidade retomou seu ritmo alucinante de antes e no ano seguinte teve seu Carnaval mais animado, uma celebração da vida como nunca se viu antes.

E depois do coronavírus?

Como será desta vez? Por quanto tempo viveremos com esta ameaça? Em que medida nosso estilo de vida sociável está ameaçado? Ou será que a experiência e a consciência de que somos todos igualmente vulneráveis nos fará sair desta com um novo sentido de comunidade? Acho que pode ter um pouco disso. Mas a verdade é que não somos igualmente vulneráveis, como já se pode ver na divisão que já existe entre os que podem ficar em casa e os que são obrigados a trabalhar para que nós possamos ficar em casa em segurança. Ou, ainda pior, nos que não têm casa para ficar.

Que esta experiência da pandemia sirva que a sociedade reflita sobre o que nos torna humanos, sobre a nossa vulnerabilidade e que, apesar da preservação das individualidades, caminhemos para uma sociedade que, ao mesmo, deseje ser menos desigual.

Leia também: A VIDA NA QUARENTENA: MORADORES DO CENTRO DE SP RELATAM SUAS EXPERIÊNCIAS DURANTE O ISOLAMENTO