A Vida no Centro

Desabrigados do edifício Wilton Paes de Almeida, em barracas em frente à igreja no Largo do Paissandu. Foto: Nathalia Monteiro
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Por que eu vivo numa ocupação no Centro

Moradores do prédio que pegou fogo e desabou no Largo do Paissandu contam por que preferem morar no Centro, mesmo em condições precárias

Por que os moradores do edifício Wilton Paes de Almeida se sujeitavam a viver naquelas condições? Com paredes de papelão como divisórias, sem elevador, com energia elétrica improvisada e sem condições de higiene? Passado o choque inicial, muitas pessoas começaram a criticar os moradores do edifício por viver numa ocupação, numa situação ilegal, e questionar a decisão deles. Por que querem morar no Centro? Por que não se resignam a viver na periferia, se é somente onde pagar? Nós perguntamos a alguns deles porque escolheram morar no Centro, mesmo em condições precárias. Aqui os depoimentos:

 Alessandra Miranda, 45 anos

 Eu morava no prédio fazia um ano, mas não ficava muito lá dentro. Eu sou carroceira, só chegava para dormir. Vivíamos mais na rua do que dentro. Fomos pegos de surpresa, quando a gente chegou já tinha pegado fogo no prédio. Então nem chegamos a entrar, salvamos nossa vida e das crianças. A gente não pagava aluguel, a gente pagava R$ 50,00 para o coordenador, ou porteiro.

Sempre moramos no Centro, pelas condições. Aí temos mais vantagens para serviços. Nós estamos atrás de serviço, porque o meu marido quer sair dessa vida de carroceiro, mas como não conseguimos, temos que ficar aqui na carroça.  Eu acho que não tem que levar as pessoas para um albergue, mas sim para uma moradia digna. Eu não estou falando para misturar, porque eu sei que também tem gente que não presta, mas nós somos mães de família, somos seres humanos, isso que eles precisam ver, não somos usuários. Tem que ver a nossa luta. Pode ser carroceiro, ou trabalhador, mas precisamos de moradia. Todos temos direito. Os políticos têm que lutar por nós, eles têm que olhar que a gente também paga imposto. A moradia digna é direito de todos, o que adianta hoje estar no albergue e amanhã estar na rua?

Camilo Andrez, 31 anos

Sou da Colômbia, morava fazia dois meses aqui. Tinha ido trabalhar, e quando eu cheguei não tinha mais nada. Eu perdi tudo, fiquei só com a roupa do corpo. Eu pagava R$ 180 de aluguel. Vim para o Brasil por condições melhores para viver. A Prefeitura falou que a gente tem que esperar, por um lugar para morar. Eles falaram que vão fazer um prédio para nós, com boas condições, mas tem que esperar, porque eles falam muito e pouco fazem.

Antônia Ferreira de Souza, 58 anos

Eu morava aqui fazia 4 anos. Eu vim do Paraná e sempre morei aqui no Centro, moro aqui há 30 anos. Antes eu morava em outra ocupação, mas eu tinha um companheiro e não deu certo. Aí mudei para cá. Eu pagava pouco, R$ 160,00. Era uma contribuição para ajudar o porteiro. Porque tinha o porteiro, e uma pessoa para limpar o prédio. Era bem organizado. O corredor e o banheiro dependiam dos moradores para limpar, cada dia era de um. Eu era camelô na 25 de Março. A Prefeitura falou que ia dar uma moradia pra nós. Já estávamos até cadastrados. Faz dois meses que eles passaram lá, falando que iam querer o prédio que era da federal, aí cadastraram, e agora depois de dois meses aconteceu isso.

Valdir Ferreira de Almeida

Eu ficava no calçadão, na porta do prédio. Estava dormindo e um segurança veio e me chamou falando, é melhor você sair, o prédio está pegando fogo. Todos saíram correndo e na hora eu fui pegar a minha carroça, mas larguei e corri porque desabou tudo.

Eu moro aqui porque eu não tenho condições de pagar aluguel, estou desempregado. Se eu fosse morar em um lugar melhor teria que gastar R$ 300 ou R$ 450. Eu vendia papelão, e ganhava R$500 por mês, e não dá, porque vendendo papelão não é sempre que tem. Agora eu perdi a minha carroça e como vou pagar? Não tenho emprego. Graças a Deus eu tenho algo para comer porque eles me deram. Pelo menos consegui salvar meus documentos. Agora estou ficando em frente à igreja, mas não tenho uma barraca.

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