A Vida no Centro

José Roberto Geraldine Junior Foto: Ascom/ CAU/SP
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Incêndio no Paissandu: “É preciso modernizar os instrumentos de preservação de patrimônio”

José Roberto Geraldine Junior, presidente do CAU/SP, fala dos problemas que envolvem os prédios antigos do Centro de São Paulo e também de ações para revolvê-los. Veja a entrevista

Por Clayton Melo e Denize Bacoccina

O incêndio que fez desabar o edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, no Centro de São Paulo, chama a atenção para a necessidade de atualização das políticas voltadas à preservação do patrimônio. A análise é de José Roberto Geraldine Junior, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (CAU/SP), em entrevista ao A Vida no Centro. “Quando se faz o tombamento de um edifício, normalmente já se cria um problema porque ele fica limitado em relação ao uso. Devemos modernizar nossos instrumentos e, principalmente, fazer com que o poder público invista no patrimônio”, diz o presidente do CAU/SP, entidade que representa 50 mil arquitetos e urbanistas do Estado de São Paulo.

Construído em 1961, o prédio Wilton Paes de Almeida foi tombado em 1992 e pertencia à União desde 2002. Na época do tombamento, ele já estava degradado e sofria com falta de manutenção, problemas que só se agravaram com o passar dos anos.

Na entrevista, Geraldine Junior fala de alguns dos entraves que envolvem os prédios antigos do Centro de São Paulo e também de ações que podem ajudar a revolver – ou minimizar – os problemas na região. Fala também do edital que o CAU está elaborando para projetos de assistência técnica a prédios em São Paulo, muitos das quais de interesse social.

O CAU vai destinar cerca de R$ 1 milhão para esses projetos. “Vamos envolver os profissionais de arquitetura e urbanismo para contribuir com a solução desse tipo de situação, seja capacitando um número maior de profissionais para atuar com os movimentos sociais, seja para os próprios movimentos sociais buscarem a solução para os problemas.”

Veja a entrevista abaixo.

A Prefeitura estima que existam cerca de 70 prédios ocupados em São Paulo. O CAU acompanha essa situação ou tem algum estudo sobre a situação desses edifícios? Tragédias como a do Largo do Paissandu podem se repetir?

Não temos esse levantamento. Mas tivemos uma reunião com os movimentos sociais no mês passado, junto com o Sindicato dos Arquitetos, porque o CAU está empenhado em fazer um edital para financiar projetos de assistência técnica, envolvendo os arquitetos e urbanistas. Chamamos os movimentos para dizer que vamos investir cerca de R$ 1 milhão, ainda neste semestre, para projetos e ações de assistência técnica para habitações de interesse social. Nesse diálogo com os movimentos sociais tomamos conhecimento de situações como essa da região central de São Paulo.

Como serão essas ações de assistência técnica?

O edital vai dispor de recursos para a capacitação de profissionais e ações de sensibilização do poder público para ações de assistência técnica. Nesta semana ainda o edital vai sair para consulta pública, vai ser publicado no final da semana que vem. Ou seja, vamos envolver os profissionais de arquitetura e urbanismo para contribuir com a solução desse tipo de situação, seja capacitando um número maior de profissionais para atuar com os movimentos sociais, seja para os próprios movimentos sociais buscarem a solução para os problemas.

As soluções passariam por retrofits ou a construção de prédios novos?

Tanto faz. É a solução que for mais adequada para cada caso. Retrofit, a recuperação de um edifício já existente, dotando-o de um novo uso e com adequação a normas de segurança, combate a incêndio, acessibilidade. E  também situações novas. Existem terrenos ociosos que poderiam ser destinados para concursos ou para projetos habitacionais de interesse social.

O preço dos imóveis em São Paulo é muito alto. O que mantém o valor tão elevado? Existe algo que a prefeitura possa fazer para alterar a lógica que encarece as construções?

É difícil regular o mercado por meio de legislação. O mercado se regula por oferta e procura, e a valorização do preço da terra envolve uma série de condicionantes. Existem políticas adotadas em outros lugares, como Portugal, França e Espanha, em que o próprio Estado constrói um parque habitacional e faz a gestão locando os imóveis. Claro que nem sempre dá para trazer para cá uma experiência de um país europeu, que tem um contexto muito diferente. E no Brasil existe uma cultura de querer ser o proprietário, o dono do imóvel, mais do que locatário.

Mas estamos nos referindo a situações em que o poder público já interfere, como outorgas e a limitação da altura do edifício, entre outros aspectos. São restrições que levam a uma ocupação inferior à capacidade plena do terreno. Questões como essas estão nas mãos do governo.  O que poderia ser feito para permitir uma melhor ocupação de um terreno? Isso poderia baratear o valor de uma construção?

Com certeza, mas os novos empreendimentos que o governo tem lançado já vêm nessa linha. Os projetos mais recentes envolvem construção de espaços comerciais, equipamentos urbanos e até locação social e unidades habitacionais para venda dentro de um mesmo empreendimento. Isso já existe. Agora, o que mais vemos na região central de São Paulo é outro caso. São edifícios, muitas vezes da União ou privados, que estão abandonados ou que têm problemas judiciais e por isso ficam parados.

O prédio que desabou no Largo do Paissandu foi tombado em 1992, mas já naquela época estava bastante degradado. Essa é a situação de muitos prédios antigos no Centro de São Paulo. O fato de uma construção ser tombada muitas vezes acaba prejudicando, porque todas as reformas se tornam complicadas, o que dificulta a preservação. É preciso mudar as leis de preservação? Como conciliar preservação com a necessidade de mais moradias?

Esse é um grande desafio. Quando se faz o tombamento de um edifício normalmente já se cria um problema porque ele fica limitado em relação ao uso. Devemos modernizar nossos instrumentos e, principalmente, fazer com que o poder público invista no patrimônio. E isso de fato não é uma prioridade – se a habitação não tem sido uma prioridade, imagine investir no patrimônio. Lamentavelmente é preciso que situações como essa, em que pessoas perderam a vida, levem a uma mobilização das organizações e da sociedade para que haja respostas do poder público. É uma oportunidade para que a gente repense e modernize nossos instrumentos de preservação de patrimônio e também de integração de políticas.

Que tipo de instrumentos? Legais?

Urbanísticos.

Como uma espécie de novo marco legal?

Um novo marco legal que trate de tombamento.