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Tatá do Distrito Mooca
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Tatá, do Distrito Mooca: “A economia criativa pode transformar a Mooca”

Quem é e o que pensa o empreendedor que criou o Distrito Mooca para reocupar os galpões do bairro com arte, bares, barbearias e estúdios de tatuagens

Por Ariane Cordeiro | Transformar o bairro onde nasceu por meio da economia criativa. É com esse pensamento que o empreendedor José Américo Crippa Filho, o Tatá, vem ajudando a reocupar uma região industrial ociosa na Mooca, a chamada Mooca-Baixa, localizada entre as Ruas da Mooca e as linhas férreas, atualmente da CPTM e do metrô, e muito próxima ao Centro de São Paulo.

Se hoje ainda há muitos espaços desocupados no bairro, quando Tatá nasceu, em 1971, a realidade por ali era outra: indústrias funcionavam na região e havia um intenso vaivém de pessoas. O comércio e os restaurantes cresciam para suprir a demanda local. Os imigrantes que se instalaram por lá – vindos principalmente da Itália – fomentavam a economia local, o que resultou na abertura de restaurantes, pizzarias, padarias e doçarias. Em meados dos anos 2000, porém, as indústrias que ainda operavam na época pararam de funcionar, deixando a região vazia e escura.

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Tatá via com preocupação aquela realidade, e a ideia de empreender foi a forma que ele encontrou para ajudar a mudar a situação. O estalo veio depois de uma temporada de um ano em Miami, nos EUA. Ao retornar, começou a procurar locais em São Paulo para abrir uma hamburgueria. O problema é que o preço do aluguel em outros bairros era alto demais para ele. Isso, entre outras coisas, o incomodava bastante.

Inspiração para o Distrito Mooca

Com o passar dos anos, depois de algumas visitas aos EUA e inspirado na cena de Wynwood, bairro de Miami transformado pela arte e pela cultura, Tatá resolveu abrir um estabelecimento na Mooca, o Cadillac Burguer, na Rua Juventus. Mais tarde fundou o Distrito Mooca, associação para promover o desenvolvimento econômico e cultural da região chamada de Mooca-Baixa, e hoje comanda mais dois empreendimentos (um estúdio de tatuagem e um bar/restaurante) na região.

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Tatá acredita que a arte é uma das soluções para os problemas da cidade e que o setor privado pode se unir e colaborar para melhorar determinadas áreas, inclusive pressionando o governo. “É indo atrás que as pessoas encontram solução para os problemas. E por que não começar pelo bairro em que vivemos?”

Nesta entrevista ao A Vida no Centro, Tatá conta como foi sua trajetória e como a economia criativa está ajudando a transformar  positivamente a Mooca.

A Vida no Centro – Você nasceu, foi criado e vive na Mooca. Como era o bairro na sua infância?
Tatá – Tive uma infância muito boa. A gente brincava na Rua na Mooca. Tinha menos carros, era bem mais seguro. Sempre estudei e fiz tudo no bairro. Passava tardes no Clube Juventus, ali era tudo. Nas férias tinha parque de diversão, piscina, barraca de tiro ao alvo, festas de São João. Eu gostava muito de olhar para a Avenida Paes de Barros. Ela é grande, imponente, sempre me marcou muito. Passei a infância olhando para ela, vendo toda a movimentação.

E quando passou a olhar para a Mooca como um lugar para empreender?
Isso aconteceu depois de ir para Miami, onde morei por um ano, em 1996. Naquela época, não tinha o porquê de alguém ir para Wynwood, um dos bairros da cidade. Era degradado, perigoso e feio. Continuei indo para Miami depois, pois tenho amigos e também busco minhas inspirações de trabalho lá. Em uma dessas idas, voltei a Wynwood, mas o bairro já estava totalmente transformado. Foi incrível ver essa mudança tão real e factível de fazer. Foi impressionante, aquilo me marcou. A economia criativa foi responsável pela transformação. Hoje, Wynwood é uma grande galeria de arte a céu aberto.

Voltando a São Paulo, refleti sobre isso e, em determinado momento, vi a região industrial da Mooca como uma Wynwood. As semelhanças são muitas: ambas são próximas ao Centro das cidades nas quais estão, são regiões com linha férrea e eram espaços industriais desativados e ociosos. Então me caiu a ficha: vou fazer uma história aqui. Quero tocar um projeto, fazer acontecer, trazer melhorias, benefícios e transformar essa área aqui.

Como esse projeto começou na Mooca?
Fui conversar com as pessoas da região. Pesquisei quem eram os donos dos galpões, onde essas pessoas estavam. Fui indo atrás, sozinho. Estava decidido e fui atrás. Eu criei uma associação, a Distrito Mooca, que tem como missão apresentar a região para empreendedores que, possivelmente, possam investir nela. A ideia é trazer gente que pense assim: como podemos transformar essa ociosidade em ocupação, respeitando a estrutura existente, sem estragar a região, sem derrubar, destruir e muito menos verticalizar. Somos comprometidos com a reocupação. Não é revitalizar, é reocupar.

O que vocês já fizeram para dar visibilidade ao projeto e estimular essa transformação?
Esse já é um trabalho mais difícil. É o famoso boca a boca. É um trabalho intenso, mas moroso, assim como tudo nessa cidade. É procurando pessoas, fazendo com que conheçam o projeto. Quanto mais a gente falar, mais as pessoas falarão também. Outra ideia é trazer a arte em peso, porque a arte cria raízes no lugar, como aconteceu no bairro do Brooklyn, em Nova York. Lá, a cerveja Brooklyn deu uma grande contribuição para o crescimento e visibilidade do bairro. Ela ajudou nesse trabalho de curadoria, ajudou os artistas a espalhar arte entorno do bairro. Eu queria trazer também a arte e o grafite, seja lá de qual forma que for.

Quais são seus parceiros nessa empreitada?
Entre os meus parceiros estão o chef e também empreendedor Fellipe Zanuto, do A Pizza da Mooca, Cantina e Hospedaria, Monica Rodrigues Fernandes e Mozart Fernandes, que eram meus sócios no Disjuntor, um espaço multicultural que a gente abriu no Distrito Mooca, fechado depois de um ano, mas o casal continua por lá. Outra parceira é a Di Cunto, que está por ali desde 1935, é pioneira na região. Agora tem o Ian e a Patrícia, que montaram o hostel e um espaço de coworking, tem o meu estúdio de tatuagem também, o Paint Black, em sociedade com o Caruso (ex-Big Brother). Agora virá a Cris Seixas, com Boutique Vintage Brechó e Bar (que abrirá em breve). Enfim, uma galera que luta, diariamente, comigo nessa jornada.

Qual a maior dificuldade nesse trabalho todo?
A maior dificuldade, como sempre, está nas pessoas. Na vontade das pessoas. Muitos empreendedores e empresários de diversos setores chegam aqui, adoram, mas não saem do comum. Preferem ir para lugares como Pinheiros, Vila Madalena e Jardins, onde já existe um público frequentador consolidado, do que investir em algo novo, promissor.

Qual o papel do poder público nesse processo? Você conversou em algum momento com a prefeitura ou outros órgãos?
Você pode imaginar… Mas, como Associação Distrito Mooca, que tem ações para melhorias estruturais da região, eu consegui apresentar o projeto para o Luís Antônio Medeiros, na época secretário de Coordenação das Subprefeituras de São Paulo. Pedi muito para ele recapear toda a Rua Borges de Figueiredo, porque ela estava muito ruim. Depois de cinco meses pedindo por melhorias, eles atenderam e fizeram (há dois anos) um recapeamento do asfalto e uma nova sinalização no local. Hoje ela está muito boa.

Como foi abrir seu primeiro negócio na região?
O primeiro negócio, o estúdio de tatuagem Paint Black, não é o meu business, mas havia ali uma oportunidade disponível de um pequeno salão, com 60 m², com um aluguel muito barato. Aliás, tudo ali é muito barato. Eu quis abrir um estúdio de tatuagem muito legal, bem descoladão, para que as pessoas começassem a olhar para aquela região de outra maneira. E, na época, as pessoas questionavam: ‘Por que ele fez um negócio tão legal em uma região que está morta, parada, que à noite é um abandono. Poxa, ele podia ter feito em outro lugar…’. Mas quis investir aqui acreditando no meu plano. Então o estúdio de tatuagem foi meu primeiro passo do projeto.

Qual o seu sonho para a região da Mooca-Baixa?
Não é só a questão da Mooca, é a questão da cidade de São Paulo. É uma cidade que está muito abandonada. Ela ficou para trás, está crescendo muito lentamente, e é lógico que o bairro da Mooca mais lentamente ainda. É engraçado, porque eu já trouxe muitos formadores de opinião, todos gostaram muito da região. Eu venho mostrando desde o Museu da Imigração, os galpões, as chaminés, mostro como é uma região plana, não tem subida e não tem descida. Tem ruas e calçadas largas. A gente é um centro expandido. Estamos ao lado do Centro. Em cinco minutos chego na Praça da Sé, ou menos, se for de moto. É o primeiro bairro da Zona Leste, todo mundo gosta, admira, adora, se empolga, mas elas preferem continuar na mesmice. Preferem continuar no que já está acontecendo. Então acaba depois montando na Vila Madalena, em Pinheiros, em outra região do bairro da Mooca, uma região mais comercial. A arte está em você inovar, em fazer uma coisa diferente. Em você acreditar em uma coisa, apostar, trabalhar e se permitir. Se eu não fosse assim, teria pegado todo o meu dinheiro e feito outra coisa. Mas não: primeiro faço o que eu quero, no que acredito e no que gosto – o dinheiro é uma consequência, é um retorno. Eu sou muito mais feliz fazendo as coisas aqui no meu bairro, onde eu aposto. Parece que são Paulo, para quem quer gastronomia e diversão, só existe nos Jardins, Pinheiros e Vila Madalena. Mas isso, nos dias de hoje, não faz mais sentido.

Que futuro você espera para a cidade?
Nem sei. Brasil e São Paulo ficaram para trás, mesmo com a força que tem tudo isso aqui. Essa é a cidade onde a gente mora e parece que ninguém a enxerga. Tem muito potencial, mas precisa haver mais pessoas com atitude, fazendo, construindo, inspirando, levando arte e inovando. Ocupando os espaços públicos ociosos e ocupando a rua. Temos que ter coragem para fazer o que gostamos para querer mudar algo. Precisamos sair da mesmice e olhar para os lados, descobrir novos espaços e lugares para ocupar com arte, gerando e potencializando a nova estrutura econômica que vem com a economia criativa.

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