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Jorge Melguizo foi secretário de Cultura de Medellín durante o processo de transformação da cidade, com projetos de urbanismo social
Entrevista com Jorge Melguizo, especialista em urbanista social de Medellín, na Colômbia
Denize Bacoccina e Clayton Melo
O colombiano Jorge Melguizo é um dos expoentes do que ficou conhecido como urbanismo social, um conjunto de ações urbanísticas que ajudou a tirar a cidade do posto de mais violenta do mundo, nos anos 1980 e 1990, para se tornar um case de transformação citado em todo o mundo, um exemplo especialmente para as cidades brasileiras.
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Melguizo, jornalista de formação, foi secretário de Cultura Cidadã e de Desenvolvimento Social de Medellín entre 2005 e 2010, na equipe que teve a liderança do urbanista Alejandro Echeverri, cuja entrevista você pode ler aqui.
Nesta entrevista ao podcast Hackeando a Cidade, Melguizo, que atualmente é consultor e professor de gestão pública e já fez projetos em várias cidades brasileiras, diz que, com o tempo, percebeu que a frase que sempre usavam para definir o tipo de intervenção urbana que faziam era equivocada.
“Dizíamos que todo projeto físico teria que ter um conteúdo e um resultado social.” O correto, diz ele, é inverter a ordem. “O que nós tentamos fazer durante 30 anos era um projeto de transformação social com conteúdos e resultados urbanos”, afirma. “Quando definimos que projeto de sociedade queremos, aí se definem os componentes urbanos. Isso é um projeto de transformação social com profundos projetos e resultados urbanos”, diz ele.
Leia a seguir os principais trechos, veja a gravação na íntegra no YouTube e ouça o podcast no Spotify.
Trajetória até o urbanismo social
Eu nasci num bairro muito conhecido em Medellín, a Comuna 13, que é um símbolo de tudo o que foi pior na cidade. É como uma favela no Brasil. É um bairro operário, de classe média baixa. Meu pai era operário numa fábrica têxtil e minha mãe era dona de casa. Em 1980, as ladeiras da Comuna 13 foram ocupadas por milhares de pessoas desalojadas pela pobreza, de outros bairro de Medellín ou de outras cidades da Colômbia, e o bairro começou a viver uma espiral de violência muito forte. Durante muitos anos foi o bairro mais violento de Medellín, na época em que Medellín era a cidade mais violenta do mundo. E isso durou 20 anos. Era o pior bairro, da pior cidade do mundo em termos de violência. Desde os 13, 14 anos, comecei a atuar com ativismo no meu bairro. Na universidade, continuei me dedicando ao ativismo, em direitos humanos, em projetos sociais. No jornalismo me dediquei a projetos sociais, a organizações populares, comunicação educativa, sempre vinculado a organizações não governamentais. E durante sete anos fui para a gestão pública. Fui secretário de desenvolvimento social e de cultura. E desde então trabalho com consultoria e acompanhamento, em países como Brasil, Argentina, em processos de cultura para transformação social. Isso que se chama de urbanismo social.
Ouça o podcast:
A transformação de Medellín
Em 1991 Medellín teve a maior taxa de morte violenta de sua história: 382 pessoas por 100 mil habitantes. Morreram 6,7 mil pessoas naquele ano,18,3 mortes violentas por dia naquele ano. Um horror.
A busca de saídas desesperadas para esta duríssima situação converteu Medellín, no fim dos anos 1980 e começo dos 90, num laboratório social, um laboratório educativo, um laboratório cultural e um laboratório urbano. Num laboratório se fazem ensaios todos os dias, e a maioria desses ensaios fracassa. Mas a diferença entre um laboratório urbano, educativo, social e cultural e uma fábrica de fracassos é que numa fábrica de fracassos não se aprende, enquanto num laboratório urbano, educativo, social e cultural em cada fracasso aprendíamos algo. E esse aprendizado se convertia num novo processo que podia fracassar, mas aprendíamos novamente. Desses múltiplos fracassos desenvolvemos enormes capacidades e com a articulação entre múltiplos setores obtivemos transformações reais.
Em dezembro de 2020, Medellín teve uma taxa de 14,5 de mortes violentas por 100 mil habitantes. Em 30 anos baixamos de 382 para 14,5. Ainda é o dobro da média mundial, mas já não estamos entre as 50 cidades mais violentas do mundo.
O social à frente na hora de desenhar a cidade
Durante muitos anos nós usamos uma frase que depois percebemos que era equivocada. Dizíamos que todo projeto físico, todo edifício público, teria que ter um conteúdo e um resultado social. Anos depois, inclusive depois de uma conferência que participei no Recife, percebi que realmente o que nós tentamos fazer durante 30 anos era um projeto de transformação social com conteúdos e resultados urbanos. A mudança na ordem muda o sentido. Nós precisamos pensar que tipo de sociedade queremos ser, que tipo de sociedade necessitamos ser. Por exemplo, Medellín é um vale estreito e junto com outras nove cidades forma uma metrópole de 4,2 milhões de habitantes. É a terceira cidade mais densa do mundo. Quando estávamos na prefeitura, nos perguntavam o que faríamos com o trânsito e esperavam que fizéssemos mais vias para os carros. E nós dizíamos que era tudo o contrário. E é preciso ter coisas. A mobilidade não se melhora sendo mais rápida, mas mais segura. E mais segura especialmente para os mais vulneráveis: os pedestres, as crianças, os mais velhos. Segundo, uma cidade para pedestres e para ciclistas. E terceiro, uma cidade onde se privilegia o transporte público coletivo e de massa, rotas de ônibus, metrô, VLT e teleféricos.
Quando definimos que projeto de sociedade queremos, aí se definem os componentes urbanos. Isso é um projeto de transformação social com profundos projetos e resultados urbanos. Nos definimos como sociedade e a partir daí definimos que tipo de cidade vamos construir.
Veja a gravação no YouTube:
Mobilidade
Em Medellin assumimos um conceito de segurança que é diferente do tradicional. Parte da chave de Medellín é responder de forma diferente às perguntas de sempre ou fazer outras perguntas. Por exemplo, o que é mobilidade? Mobilidade é mover carros ou mover pessoas? E como se movem as pessoas? A pé, de bicicleta, empurrando carrinhos de bebê, em cadeiras de rodas. Então vamos melhorar a mobilidade para essas pessoas e depois para os carros.
Sobre a segurança: não adianta aumentar a polícia, colocar câmeras de vigilância se ao mesmo tempo não se faz um grande trabalho social, educativo e cultura. Não adianta nada.
Quando nos perguntaram como íamos melhorar a insegurança da cidade, nós dizíamos: o que é o oposto da insegurança? Não é a segurança, é convivência. O contrário da insegurança é a convivência. E a convivência se constrói com projetos sociais, com projetos educativos e com projetos culturais. Não com o fortalecimento da polícia, mas com o fortalecimento do cidadão.
Isso é replicável em outros lugares. A mudança de paradigma, a construção de um pensamento diferente, e as alianças entre o púbico, o privado e o comunitário como chave para tudo isso.
Como vê as cidades brasileiras? Viu acolhida para esta visão no Brasil?
Acho que há pequenos passos. Desde que a Avenida Paulista se converteu aos domingos num grande parque público isso já tem um significado tremendo. Esse tipo de estratégia manda mensagens importantíssimos à sociedade.
SOBRE A SÉRIE HACKEANDO A CIDADE
Com 15 episódios, a nova temporada do podcast do A Vida no Centro tem o propósito de provocar reflexões sobre o modelo de urbanização e compartilhar experiências bem-sucedidas de transformação de territórios.
O projeto conta com três apoiadores, que compartilham uma visão de cidade aberta, uso do espaço público e o amor pelo Centro de São Paulo: o escritório de arquitetura Pitá e o estúdio de design de móveis Estúdio Paulo Alves, que se mudaram para o Centro recentemente, e a construtora da Magik JC, empresa de 50 anos que produz habitação econômica com arquitetura e design no Centro de SP e gera impacto positivo por meio de suas ações.
O projeto conta ainda como a parceria da SP Escola de Teatro, responsável pela edição e finalização do podcast, e da plataforma de inovação aberta Distrito.
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