A Vida no Centro

Ariane Cordeiro

RG Social

Ariane Cordeiro é jornalista formada pela FIAMFAAM, com especialização em Comunicação Corporativa pela FGV-SP, Produção Audiovisual pela UFBA e Cinema pela AIC-SP. Atua no mercado de comunicação há 13 anos. Neste blog, traz um olhar sociocultural sobre o Centro, contando histórias de pessoas que vêm de outros lugares, como imigrantes, pessoas em situação de refúgio e migrantes. É fã e repórter colaboradora do A Vida no Centro.

Essa tal empatia

Ariane Cordeiro estreia com este post sua coluna RG Social. Ela vai falar sobre os que vem de fora: imigrantes, refugiados e migrantes

Publicado em:
Tempo de leitura:5 minutos

Para estrear a coluna “RG Social” vale uma apresentação! Sou jornalista e produtora audiovisual. Minha relação com o Centro vem desde os 15 anos. Vivi na região dos 18 aos 27 e, mesmo antes e depois, o frequento quase que diariamente. São muitas histórias, vivências e reflexões, sempre observando, conversando e conhecendo novas pessoas e lugares.

Por isso, a proposta é trazer um olhar sociocultural do Centro. O detalhe é que este espaço será para quem vem de fora – imigrantes, refugiados e migrantes! Muito mais do que falar quem são ou por que estão aqui, a coluna aborda o que eles fazem por aqui e sua contribuição para um Centro mais habitado, tolerante e vivo!

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Muitos poderiam dizer que a vontade de escrever sobre o ponto de vista de outras pessoas está ligado à empatia. Pode ser, mas o que é empatia? Foi de tanto ouvir dela que decidi procurar no dicionário o sentido literal. O primeiro significado foi “faculdade de compreender emocionalmente um objeto (um quadro, p.ex.)”. O segundo, “a capacidade de projetar a personalidade de alguém num objeto, de forma que este pareça como que impregnado dela”. Depois apareceram palavras como: afeição, afinidade, afeto, amizade, amor, atração etc.

Somos empáticos a todo momento com quem conhecemos (e gostamos), mas e todo o restante? Se viver em comunidade é estar em comunhão, como ser empático com quem eu desconheço? A rotina na metrópole nos permite enxergar situações e relacionamentos a qualquer momento e em qualquer lugar. No trânsito, no transporte público, durante o almoço, nas ruas, nas calçadas. São tantas possibilidades e, em meio à movimentação, como ser empáticos com desconhecidos?

A empatia nasce de algo maior do que o conhecer ou ser próximo. O que nos faz parar para pensar: você ajuda ou ajudou alguém hoje? E não é dar alguns centavos na rua, no metrô ou no ônibus. Mas, quantas pessoas desconhecidas, ou conhecidas, você olhou nos olhos, parou por alguns segundos para perguntar um profundo “como você está?” ou “posso te ajudar?”. Assim, sem nenhuma necessidade de algo em troca.

A solidariedade é tamanha quando é com pessoas que conhecemos, ou que estão em nosso círculo de convivência ou ainda de conveniência. Mas, o ser estranho, desconhecido, é alguém que está tão perto. A todo o momento nas ruas, nas esquinas, nos restaurantes, no transporte público, até no Uber Pool. E não precisa a pessoa despertar alguma atração. O interesse no ser humano e em nosso bem-estar deve ser maior do que qualquer necessidade financeira ou sexual. O sentido do cidadão e sociedade está diretamente ligado à empatia.

Tendo isso exposto tão simples, por que não conseguimos nos ater a esse tipo de relação? Por que não podemos TER essa vivência? Você parou para pensar se você permite olhar para o outro, desconhecido, sem dó ou intenção?

Oportunidade de ajudar

Há algumas semanas tive a oportunidade de auxiliar uma refugiada africana vinda do Senegal. Fátima, nome fictício, não estava mais conseguindo vender roupas e artesanatos nas ruas, pois precisava de uma autorização.  Todo o material é feito a mão pelo marido. Ambos em situação de refúgio e com um filho pequeno, de dois anos. Após pesquisas, a ONG que a auxilia e eu, descobrimos que ela precisava de uma carteira de artesão. Um mês e meio antes, marcamos a data. Como ela não fala bem o português, tem um vocabulário básico, e a instituição não tem atendimento bilíngue, fui acompanhá-la, pensando em poder ajudá-los.

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No dia, a triagem estava agendada para as 13h. Cheguei mais cedo e dei uma enrolada pelo Centro, por achar que estava adiantada (30 minutos antes). Fátima já estava a me esperar (quase 1h antes do horário combinado). Aquele ditado que “quem precisa vai atrás…”. Naquele dia o filhinho dela havia faltado na escola (estava frio e chuvoso e ele um pouco gripado). No colo, ele participou de todo o momento querendo a atenção da mãe e, sendo mais específica, o colo. A criança não parava um segundo e a mãe paciente e ansiosa aguardava o início dos atendimentos. Foi a primeira a levantar. Lembro que eu vinha de uma semana um pouco “puxada”, estava “cansada” por alguns afazeres e ao olhar aquela mulher não parava de pensar em o “O grito da leoa”, uma das obras-primas de Mia Couto.

Ao vê-la persistente, eu não conseguia parar de pensar em como havia chegado até ali. Há uma semana estava em Salvador, frustrada com um projeto cultural declinado pelo governo, e na sequência acompanhando uma desconhecida e carregando em meus braços o filho dela.

Aquela mulher sim tinha um problema. Ela não conseguia trabalhar por falta de empatia de pessoas que não queriam dar ao menos uma oportunidade de pedir ou tentar um trabalho. Depois de duas horas dentro do órgão, fazendo o artesanato e sendo analisada, Fátima foi para a sala de espera. Em nenhum momento eu e o pequeno saímos de perto dela. Ele brincava com um copinho de plástico e fazia amizade com todos que passavam pelo corredor.

A simpatia do pequeno chamava a atenção de todos, assim como o sorriso e as gargalhadas agudas de criança. Ao ser chamada, novamente, Fátima saiu com duas carteiras de identificação, as autorizações nacional e estadual para o seu trabalho como artesã. Depois de cinco anos de Brasil, ela conseguira ser registrada e estava apta a trabalhar.

Quem ajuda quem?

Ela pulava, me olhava, abraçava (bem apertado) e agradecia sem saber como. Há anos seus conhecidos e pessoas que vieram de fora como ela não conseguiam tamanha façanha. Eles se inibiam e não passavam nem pela triagem, por não entender o português. Naquelas três horas com eles, eu pude ver nos olhos e sentir na pele o amor passando pelas veias, me senti viva e uma mulher de sorte, afinal, quais problemas eu poderia ter frente a toda resistência e persistência de Fátima?

A felicidade no olhar daquela mãe e as gargalhadas do pequeno foram de transbordar e contagiar a qualquer pessoa, da mais fria a mais emotiva. E eu pensei: quem ajudou quem?

Tanto faz, porque no fundo não importa o quê e sim o porquê de eu ter saído de onde eu estava e estar ali, naquele lugar. O que importou foi o querer olhar pro lado, ajudar, sem saber o que seria ou teria em troca.

Foram tantos aprendizados em poucos minutos e horas, e eles estão em todo o lugar, é só olhar, querer e fazer. Saí daquele dia com vontade de ser alguém melhor: pra mim, para pessoas e para cidade. O meu muito obrigado também a um colega que um dia me disse, “simplesmente escreva, a gente nunca sabe quando está preparado até fazer”. Pois bem, a empatia mora em qualquer ambiente e habita qualquer espaço, cultura e nacionalidade. É só tentar e praticar. E vocês: qual foi a última vez que vivenciaram empatia?

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