Viaduto Santa Efigênia passa por reforma. Prefeitura diz que vai manter desenho do mosaico do piso
Pastilhas estão sendo retiradas e serão trocadas por outras semelhantes, segundo nota oficial da Prefeitura de São Paulo.
Entrevista com Gabriela Santana e Murilo Romão sobre o skate e como ele ajuda a vivenciar a cidade no podcast Hackeando a Cidade
Entrevista com Gabriela Santana e Murilo Romão sobre o skate e como ele ajuda a vivenciar a cidade
Denize Bacoccina e Clayton Melo
Gabriela Santana é skatista e tatuadora e começou a andar de skate há 10 anos, quanto tinha 14 anos. Murilo Romão além de skatista é videomaker, diretor do documentário Valeros, que registra a mobilização dos skatistas para evitar que a arquibancada de granito do Vale do Anhangabaú fosse destruída pela reforma do local. Gabriela e Murilo são os entrevistados do episódio do podcast Hackeando a Cidade sobre o skate, um esporte que ajuda a vivenciar a cidade, como eles mesmo explicam.
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A presença de skatistas nas ruas de São Paulo vem crescendo nos últimos anos, e o centro de tem pontos tradicionais, como a Praça Roosevelt e o Vale do Anhangabaú. Com a reforma, o Vale ficou ainda mais convidativo para os adeptos do esporte, que se concentram na parte entre a Avenida São João e o Viaduto Santa Efigênia, onde foi instalada uma pista de skate com as pedras que foram retiradas do meio do Vale, durante a reforma. O projeto inicial previa a destruição do antigo ponto de skate, mas a mobilização dos skatistas, que foram conversar com a Prefeitura, impediu que isso acontecesse e as pedras foram retiradas e reaproveitadas no novo local. Um episódio anterior do podcast conta essa história.
Gabriela também conta o que mudou para as mulheres no skate nos últimos anos, especialmente após as Olimpíadas e a medalha de ouro para Rayssa Leal, conhecida como Fadinha.
Ouça aqui o podcast no Spotify:
E leia aqui os principais pontos da entrevista:
O começo no skate
Gabriela – Eu comecei a andar de skate com 14 anos. Eu andava na rua mesmo, não tinha noção nenhuma, só descia as ladeiras e depois eu descobri que existia pista de skate e que a gente podia andar. Porque quando a gente via uma pista, a gente achava que só quem era profissional podia andar. E aí eu fui conhecendo várias modalidades do skate também. Hoje eu moro no centro de São Paulo, ao lado do Vale do Anhangabaú, e aqui é o meu quintal pra andar de skate sempre que eu posso. E ser mulher andando de skate não é fácil. Mas a gente sempre tem que se posicionar. Fico feliz por poder estar me posicionando em nome de todas as outras meninas que andam de skate aqui no centro também. Isso é muito legal. É complicado, mas a gente precisa sempre se fortalecer, fortalecer uma a outra.
Às vezes estou passando a rua e alguém grita: ô fadinha!
Murilo – Eu comecei mais ou menos com a idade da Gabis também. Tinha uns 11 anos. Isso que é legal de skate. Sempre você começa bem criancinha, já pega uma paixão pelo negócio, fica o dia inteiro. É uma coisa viciante mesmo. Sou da zona norte. Acho que a primeira pista que eu andei era atrás do memorial aqui, chamada Expansão. Logo já fui conhecendo a cena. Na época não tinha internet, a gente conhecia quem é quem pelas revistas, um passava informação para o outro. A revista foi muito importante pro skate e ainda é. Embora tenha todas as mídias digitais hoje em dia, a revista ainda cumpre um papel muito forte. E aí eu comecei a filmar em 2008, 2009, com uma camerazinha daquelas digital pequenininha, da minha irmã. Mas aí eu fui levar a sério mesmo de uns quatro, cinco anos pra cá. Eu fiz carreira de skate. Consegui patrocínio, passei pra profissional, mas nos últimos anos já foi caindo um pouco. Eu aproveitei que eu já tinha estudado audiovisual, quando eu fiz faculdade de Rádio e TV. Eu falei, vou juntar isso com o que eu já gosto e a gente fez o coletivo Flanantes. E estamos sempre em movimento, fazendo vídeo, acompanhando tudo que tá pegando na cidade, desde os conflitos da Roosevelt. Foi bem orgânico essa coisa de filmar skate, foi só uma continuação mesmo. Eu gosto muito porque você aponta a câmera pra pessoas que às vezes não tem patrocínio. Como é um coletivo, você não tem um compromisso de filmar aquele cara pra marca tal. Eu acho muito legal filmar as pessoas que estão na correria do skate. Tem gente que vem de longe pra andar no Centro. Acho importante essa parte da filmagem.
De onde vem os skatistas que andam no Centro?
Gabriela – Uma coisa que eu acho muito doida é que o Centro é um lugar que mais tem pico histórico, uns spots bem diferentes pra se andar de skate e tem uma energia muito doida aqui no centro. Quando eu morava na zona sul, eu gastava horrores de passagem só pra vir andar no Theatro Municipal, no Pátio do Colégio. E era um chão liso que não tinha quase nada, mas a energia de andar ali me proporcionava uma evolução maior no skate. E quando você está no Centro andando de skate acontece muita coisa, você vê muita coisa, encontra muita gente.
Ao mesmo tempo que você está andando, você está vivenciando, fazendo parte da vida de várias outras pessoas e também está sendo um vitrine. Porque as pessoas te olham, todo mundo olha pra você andando de skate. Acho que esse é um dos motivos por que a galera gosta de andar no Centro. E o centro nem tem pista, não é um lugar feito pra andar de skate, mas é um lugar skatável. As pessoas veem os vídeos e querem vir andar no pico que viram no vídeo. A primeira revista que eu comprei vinha um vídeo. O Murilo foi um dos primeiros caras que eu vi andando de skate. Ele, o Rafael Gomes. E tinha picos no Centro. Então, quando eu vi aquele vídeo, eu falei, “caramba, dá pra andar de skate aí”.
Murilo – Eu acho que o Centro é o lugar do encontro, vem gente de todas as periferias. Se for no Vale agora e perguntar de onde as pessoas são, vai ver gente respondendo Grajaú, Santo Amaro, Brasilândia, mil lugares. É o lugar do encontro mesmo. Por isso que o Centro é um lugar bom pro skate, você conhece outras pessoas. Antigamente tinha um circuito de campeonato que chamava Sampa Skate. Cada fim de semana era num lugar. Então, você circulava pela cidade inteira, conhecia os lugares. O skate tem essa potência de conhecer a cidade. A Gabi falou sobre esse lance do skate de experienciar a cidade. Os caras que estudam skate, como o nosso amigo Jean Machado, que já é doutor, ele fala do skate citadino, que é o skate com essa experiência da cidade. Não é você andar de skate numa pista, num clube, num lugar fechado. É o skate junto com várias outras coisas que acontecem na cidade. E essa negociação. Quando alguém reclama, trocar ideia, trocar ideia com GCM. Hoje isso já melhorou bastante, depois de tudo o que aconteceu nesses anos. O skate está sempre em movimento, isso que é legal.
Gabriela – O skate é uma ferramenta de comunicação muito forte. É o que ele falou. Em um dia, você conversou, aprendeu, descobriu novas coisas. Eu moro há um ano no Centro, mas todo dia que eu volto pra casa tem uma coisa nova. Ou eu conheci alguém diferente ou até os personagens, que a gente fala, que são os moradores de rua, que sempre interagem com a gente. Sempre acontece alguma coisa, o skate é muito doido. Todo mundo olha a gente com um olhar diferente, sabe? É uma coisa tipo “nossa, ela é skatista”. E a gente, que é skatista, esquece um pouco de como é esse olhar. Porque antes a gente também era assim. Quando via skate na rua, eu pirava. Minha mãe olhava pra minha cara e falava: “problema”. A gente esquece que tem essa energia, porque pra gente agora já é normal. Bota o skate no pé e vai na padaria, vai andar de skate.
Mais do que um esporte, o skate como um estilo de vida
Gabriela –Pramim sempre foi a melhor companhia.
Murilo – O skate carrega um monte de música. Quantos raps a galera aprendeu ouvindo em vídeo de skate, sabe? Sobretudo nos anos 90, que os caras ouviam em fita cassete. Às vezes, era música que na gringa estava começando a ficar famosa e o pessoal já tinha acesso aqui por causa do vídeo de skate. É uma cultura enorme, ainda mais para a galera que gosta de andar na rua, que sempre ouviu muito rap. Saiu um documentário esses dias que fala da convergência do rap com o skate em Nova Iorque nos anos 80. O nome é All the streets are silent. Se nos anos 80 era um pouco mais punk, nos 90 já foi indo pro rap. Tem uma cultura no futebol, mas não é uma coisa uniforme.
Gabriela – A arte também. Quantos artistas superfamosos já estamparam vários shapes e a gente teve acesso a essa arte por conta do skate, vendo numa loja ou o shape do amigo. Hoje em dia, as marcas estão dando mais abertura para os artistas.
Eu não sei antigamente como era, mas pelo menos agora as estampas são colagens de pessoas que têm importância, galera que anda de skate, galera que é de fora. A gente conhece vários artistas através do skate pelas colabs.
Ocupação da cidade pelo skate e aceitação da sociedade
Murilo – Pra mim assim o skate sempre foi essa coisa de ocupar a cidade. De uns dez anos pra cá esse assunto ficou bem em alta, o direto à cidade, que todo mundo vem discutindo. Só que o skate já tinha essa essência. De estar sempre na rua, andando em lugares que às vezes eram perigosos, mas como estavam em grupos, a galera ia desbravar. Eram os desbravadores. De uns anos pra cá, está muito mais aceito. Eles perceberam que de certa forma você pode usar os skatistas pra “limpar” um lugar. Por exemplo, tinha o Beco do Valadão, na Faria Lima, onde as pessoas foram andar, e não durou muito tempo. Por quê? Porque estava numa região nobre da cidade, e talvez os skates não sejam tão bem-vindos ali. Em compensação, no Centro, que é um lugar que está um pouco mais degradado, de uns anos pra cá, está sendo bem aceito. Por quê? Porque o skate acaba tirando grupos mais marginais. Tipo, vamos colocar os skatistas debaixo do Viaduto da 9 de Julho. Porque tem morador de rua, sabe? Então, a gente não pode ser tão inocente com essa aceitação.
Mas eu acho positivo tudo que tem acontecido, todas essas coisas do Vale. Convidar o skate pra estar na cidade. Porque tem muito aquele papo de que degrada, mas se as estruturas forem bem feitas, elas não vão degradar tão fácil. Tem um deck de madeira novo na Parada Inglesa e o dia que eu estava andando lá o pessoal da São Paulo Urbanismo apareceu e eles são tranquilos com o skate. Eu até falei que se eles revestissem a madeira
com madeira plástica, que é um material que se usa pra skate, não ia degradar, não ia ter essa reclamação.
Então, eu acho que é tudo na base do diálogo, sabe? De ouvir a gente. Nessa história do Vale, o skatista não foi ouvido, tivemos que ir lá na porta da Prefeitura ficar gritando, não fomos ouvidos no projeto inicial. É uma coisa que a gente tem que sempre estar lá lembrando, também para ter participação nos próximos. Eles devem reformar a Praça da Sé no futuro, é um lugar também superimportante pro skate.
Chegar destruindo é a pior coisa, né? E vai do skatista também estar informado. Porque número tem, né? Tem muito skatista na rua. Então, se organizar todo mundo, a gente consegue vários avanços não só pro skate, mas pra cidade como um todo. Uma cidade melhor.
A mobilização no Vale do Anhangabaú para não destruir a escadaria de granito usada como pista de manobra
Murilo – Foi uma mobilização que eu comecei junto com o Formiga. A gente fez um vídeo que viralizou na época, o Salve o Vale, fizemos petição online. A gente queria um memorial, não simplesmente uma pista como teria no projeto. A arquibancada foi desmontada, não destruída, e as pedras foram guardadas e tivemos a sorte de ter o Rafael Murolo, que trabalhava na São Paulo Urbanismo na época, como arquiteto, pra ajudar a gente nisso. E melhor impossível, porque ele já tinha contato com o skate. Muito difícil confiar no poder público, mas deu certo. Tanto que hoje está sempre lotado, é um sucesso essa parte do skate. Foi o Salve o Vale e essa memória desse vale antigo, que a gente adorava muito. Toda a ideia do projeto, da Rosa Kliass (paisagista do projeto anterior do Vale). Minha homenagem pra ela, porque o projeto do Vale Antigo era muito daora.
Mulheres no skate. Efeito Raíssa nas Olimpíadas
Gabriela – O meu começo foi bem perturbado. Foi bem difícil, eu lutei pra conseguir andar de skate e eu acho que é por isso que hoje eu valorizo muito cada momento que eu tenho. Quando eu comecei a andar, minha mãe não deixava porque ela tinha um preconceito com o esporte. Achava que ia me levar pra outros meios ou que eu ia mudar e realmente eu mudei, mas eu mudei pra melhor. Eu acho. E na época que eu comecei a andar, não tinha menina. Quem andava eram as meninas que andavam bem assim. Na época tinha a Bufoni, a Mônica Torres, Pâmela Rosa. Eu nem lembro direito, pra você ter ideia. Não tinha tanta menina assim. Então as meninas que andavam de skate eram as meninas que andavam bem, que saíam nas mídias.
No meu começo foi bem complicado, bem perturbado mesmo. Tanto que eu saí de casa por conta do skate, porque minha mãe não deixava. Minha mãe já jogou meu skate no bueiro, já queimou meu skate.
A presença feminina no skate hoje
Gabriela – Ali no vale, sempre que vejo meninas mais novas, eu tenho um carinho muito grande, eu sempre dou uns toques. E essas meninas geralmente são filhas ou sobrinhas ou primas de alguém que já anda de skate. A maioria já tem uma influência. E no Vale antigo, quando eu ia, não tinha tantas meninas. Agora nesse Vale novo tem muito mais. Inclusive saiu uma entrevista de uma menininha, de 9 ou 10 anos, do Rio de Janeiro, e perguntam qual o próximo lugar que ela quer conhecer de skate e ela fala: “quero ir pra São Paulo, no Vale do Anhangabaú. Quero muito lá andar nas pedras.”
Pra mim, só de ver ali uma menina ou uma mulher mais velha também, já valeu, a minha luta já foi válida, sabe? Quando eu vejo que tem outras mulheres que se inspiram em mim também. Sempre quando eu posso eu dou uma atenção pra pras meninas. Agora tá bem mais fácil por conta desse efeito das Olimpíadas. Especialmente pra quem não tem nenhum vínculo com o skate. Não tem um parente que anda de skate, não tem um amigo que anda de skate. Eu acho que está bem mais acessível também. Antigamente não tinha tantos skateshops. Hoje vende skate até na Decathlon. Tem mais informação para a galera que está começando agora.
SOBRE A SÉRIE HACKEANDO A CIDADE
Com 15 episódios, a nova temporada do podcast do A Vida no Centro tem o propósito de provocar reflexões sobre o modelo de urbanização e compartilhar experiências bem-sucedidas de transformação de territórios.
O projeto conta com três apoiadores, que compartilham uma visão de cidade aberta, uso do espaço público e o amor pelo Centro de São Paulo: o escritório de arquitetura Pitá e o estúdio de design de móveis Estúdio Paulo Alves, que se mudaram para o Centro recentemente, e a construtora da Magik JC, empresa de 50 anos que produz habitação econômica com arquitetura e design no Centro de SP e gera impacto positivo por meio de suas ações.
O projeto conta ainda como a parceria da SP Escola de Teatro, responsável pela edição e finalização do podcast, e da plataforma de inovação aberta Distrito.
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