Igreja Santa Ifigênia: conheça a história da Basílica da Imaculada Conceição
O guia de turismo Laércio Cardoso de Carvalho fala sobre a história da igreja Santa Efigênia, que é oficialmente uma basílica.
O arquiteto e urbanista Renato Cymbalista explica como funciona o Fundo Fica, que compra propriedades e aluga por um preço abaixo do mercado, e analisa a cidade pós-pandemia
Leia ou ouça a entrevista com o urbanista Renato Cymbalista, professor da FAU-USP, do Mestrado em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da UNINOVE e diretor do Fundo FICA
Denize Bacoccina e Clayton Melo
Foto: Lauro Rocha / Divulgação
O arquiteto e urbanista Renato Cymbalista vê uma cidade mais desigual no pós-pandemia, com mais problemas urbanos do que antes. Mas ele acredita que algumas tendências anteriores à Covid-19, como a preferência por uma cidade mais compacta, maior uso do espaço público e menor uso de transporte individual, serão retomadas.
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Professor livre docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e do Mestrado em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da UNINOVE, Renato Cymbalista é um dos diretores do Fundo FICA, uma associação sem fins lucrativos criada para promover a propriedade coletiva e o direito ao Centro de São Paulo – a entidade compra propriedades e aluga por um preço abaixo do mercado. Ele também é autor de artigos e livros relacionados ao espaço urbano, como o Guia dos Lugares Difíceis de São Paulo e Situando Jane Jacobs.
Nesta entrevista da série Hackeando a Cidade, ele fala ainda sobre a discussão acerca dos monumentos públicos, um assunto que vem ganhando força nos últimos meses.
Que cidade vai emergir no pós-pandemia?
Renato Cymbalista – Sou uma pessoa otimista, mas nesse caso específico da cidade de pós-pandemia eu não tenho notícias muito boas. Já estávamos numa situação no mundo inteiro de muita desigualdade, uma desigualdade crescente entre os que conseguem se adaptar a essa sociedade de informação, do teletrabalho, do conhecimento, das redes sociais, que estão cada vez mais inseridos, e aqueles que não conseguem se inserir, que dependem da sua força de trabalho manual, da sua presença, e estão cada vez menos inseridos no mundo, com trabalhos cada vez mais precários.
A epidemia escancarou essa situação. E a cidade que emerge da pandemia é mais desigual do que a cidade que entrou na pandemia. Um conjunto de soluções que já tínhamos, mas que não estavam ainda plenamente adotadas, como, por exemplo, aulas online para professores, registro de imóveis online, com assinaturas de contratos online. Muitas das coisas que já tinham sido inventadas, mas estavam sofrendo alguma resistência, ultrapassaram completamente a barreira e rapidamente a sociedade se adaptou. Então, quem estava dentro está cada vez mais dentro. E quem estava fora, está ainda mais agora.
Ouça abaixo o podcast com Renato Cymbalista
Tendência de cidade mais compacta, maior uso do transporte coletivo e uso de espaços compartilhados. Continua ou muda?
Acredito que vamos ter transformações. Algumas pessoas que gostariam de viver mais longe, mais perto da natureza, nos seus condomínios fechados e que não faziam isso porque precisavam da proximidade da cidade, perceberam que agora isso é possível, com os regimes de trabalho corporativos que permitem usos mistos ou o teletrabalho completo. Na minha opinião, isso vai permanecer.
Mas algumas coisas não vão permanecer. Por exemplo, agora tivemos a volta da educação presencial. É importante para todo mundo estar perto das escolas e, para aqueles que podem pagar, estar perto das escolas mais chiques, mais bacanas. Então quem tem criança pequena volta para perto da escola, mesmo na elite. Tem um conjunto de serviços que o campo e a cidade menor não oferecem. Outra coisa que me parece que a gente vai ver o retorno é a tendência das pessoas morarem em apartamentos menores e mais próximos dos sistemas de transporte coletivo de massa.
Mas acredito que uma parte do trabalho nunca mais vai voltar. As pessoas vão continuar trabalhando em casa, elas perceberam que podem trabalhar em casa. Tem um pedaço do turismo de negócios que não volta. Por que fazer uma convenção, um congresso com centenas de pessoas em um lugar, com um grande custo, se uma parte disso pode ser feita online ou em encontros menores?
Uso do carro x transporte coletivo
Acho que a gente tem que pensar nisso no curto, no médio e no longo prazos. No curto prazo, enquanto a pandemia continua nos assombrando, certamente todo mundo que puder vai utilizar o transporte privado, o carro ou Uber. Tem bastante gente que está andando mais a pé, andando mais de bicicleta, que são as formas inclusive mais saudáveis e menos arriscadas até do que o carro. Isso é o curto prazo.
E no médio e longo prazos, no momento em que as pessoas perceberem que a pandemia está superada, não tiverem mais a sensação de risco iminente, eu arrisco dizer que vamos voltar para onde estávamos antes, que é uma preferência pelo transporte coletivo, por uma cidade mais compacta. O carro é desconfortável, o carro é caro, muitas pessoas, inclusive eu, já tinham desistido de carro e não compraram automóvel por causa da pandemia. Então acredito nessa tendência a longo prazo. E também estão chegando aos poucos as alternativas mais radicais, né? O carro sem motorista, várias inovações tecnológicas que permitam que as pessoas se desfaçam da relação de propriedade que elas tinham com o automóvel.
Relação das pessoas com o espaço público
No início da pandemia, estávamos realmente enfrentando uma paisagem muito distópica. As pessoas estavam trancadas dentro de casa, saindo o mínimo possível. Agora a gente já está passando por uma reabertura, e percebendo que as pessoas estão utilizando os parques, as praças e toda aquela conquista de espaços públicos que estava em curso no antes da pandemia, o Minhocão, a Paulista, tudo isso está prosseguindo. Os piqueniques estão de volta.
Então acredito que os espaços públicos já estão sendo reocupados.
Déficit habitacional e imóveis subocupados no Centro
O problema da habitação se agravou durante a pandemia. Isso se agravou porque as pessoas que precisavam de moradia e já não podiam se inserir com regularidade no mercado por falta de renda foram justamente as pessoas mais precarizadas. Tem uma precarização ainda maior, pessoas que não conseguem pagar aluguel, mais gente precisando de moradia e podendo pagar menos.
Em relação à subutilização dos imóveis no centro de São Paulo, infelizmente não temos o censo, que é a grande fonte de dados para saber como está. Em 2010 havia reduzido a subutilização, e eu acredito que de 2010 para 2020 tenha reduzido mais.
Os imóveis no centro estão cada vez mais disputados. Então a gente tem claramente um retorno da incorporação imobiliária para o centro depois de 30, 40 anos sem novos empreendimentos. Começou com os terrenos maiores, e agora já com terrenos menores ou então a construtora compra oito ou 10 casinhas no Brás, no Glicério, e constrói alguma coisa. Isso é algo que a gente não via.
É quase uma janela de oportunidades que a gente teve durante algumas décadas em que o Centro era um lugar desvalorizado do ponto de vista do dinheiro e você podia pensar em uma política pública massiva usando imóveis ociosos na área central que estavam mais baratos. Isso a gente infelizmente perdeu.
Eu acho que a gente precisa olhar com mais cuidado, e do meu ponto de vista a universidade está devendo levantamentos mais sofisticados a respeito do motivo de os imóveis estarem desocupados. E a ideia de que o imóvel está desocupado porque existe um proprietário ganancioso que está querendo ganhar dinheiro com esse imóvel precisa ser checada. Na minha cabeça não faz muito sentido. Esse proprietário está precisando pagar IPTU. O imóvel desocupado custa também porque ele pode ser ocupado politicamente por um movimento social. Eu desconfio um pouco dessas leituras que dizem que o proprietário está simplesmente especulando e esperando uma oportunidade para ganhar dinheiro.
O que eu vejo mais no centro são imóveis com problemas de legislação, imóveis que foram feitos para comércio e que estão com dificuldades para fazer a conversão para a residência. Isso está começando a acontecer, mas não é fácil. Eu vejo imóveis com problemas de inventário, vejo proprietários que não têm o dinheiro necessário para colocar o imóvel numa situação boa para ser alugado, conflitos de família. Tem um monte de coisa. É uma situação de muita complexidade e muitas vezes os proprietários não são aquele especulador que a gente imagina, mas sim gente tentando (e muitas vezes sem capacidade para) resolver os seus próprios problemas. E isso não é uma fala em defesa desses proprietários. Se uma família tem um patrimônio de milhões de reais e não consegue resolver o seu problema, acho que ela tem que receber IPTU progressivo, tem que ser coagida mesmo pelo poder público a fazer alguma coisa decente com os seus imóveis. Mas muitas vezes não é o caso de um tubarão que está tentando ganhar dinheiro e acabou.
Mas tem uma situação que acho que a gente deve prestar muita atenção. São imóveis que alugam os seus térreos por um dinheiro bastante significativo para o McDonald’s, para o Burger King, para uma agência bancária por 20, 30 mil reais e tem apartamentos nos andares superiores desocupados porque o cálculo do proprietário é de que não vale a pena, é muito perrengue, é muito chato ficar com oitocentos reais de aluguel se já consegue alugar esse térreo por 20 mil reais para as Casas Bahia. E essa é uma desocupação muito problemática. Ele está optando por não utilizar porque dá muito trabalho. E eu acho que esse proprietário precisa ser advertido. A gente tem que construir no nosso Plano Diretor ferramentas que impeçam isso.
Como funciona o Fundo FICA
O Fundo FICA é um projeto que nasceu em 2015 com um conjunto de profissionais que estava muito inquieto com uma palavra de ordem, sempre falada e reproduzida, que é a ideia de que nosso Centro está sendo gentrificado, que as pessoas estão sendo despejadas. E isso é tudo verdade. Existem realmente processos bastante perversos que fazem com que a moradia popular no Centro seja cada vez mais desafiadora e mais precária, em cortiços e pensionatos. E começamos a pensar em alternativas que não fossem simplesmente ficar botando o dedo no nariz do Estado, da Prefeitura, para dizer que precisa fazer isso ou aquilo.
E aos poucos aos poucos a gente foi construindo o Fundo FICA, que é uma organização não governamental, uma associação que se utiliza de modelos de associações similares que existem em vários países do mundo.
A Holanda é um caso em que 30% dos imóveis estão na mão dessas associações. Toda política de moradia é feita com base nessas associações, que têm a função de adquirir propriedade e disponibilizá-la a valores não especulativos.
Começou pequenininho, estamos crescendo aos poucos. Fizemos uma primeira experiência-piloto em 2019, quando a primeira família se mudou para um apartamento que temos na praça Júlio Mesquita. Incrível a experiência, o impacto na família. Tem mais de 150 pessoas que doam para nós todos os meses, e em 2021conseguimos comprar o nosso segundo apartamento, na Liberdade. Nós o reformamos e fizemos uma parceria com
o movimento de luta por moradia para selecionar uma família que vai morar no apartamento. Vamos alugar por 1.700 reais, incluindo condomínio, que é menos da metade do valor de mercado. Fizemos uma parceria com a ULC, União de Luta por Cortiços, que trabalha no Centro, na região do Glicério e foi indicando um conjunto de famílias para a gente, que estão neste momento sendo entrevistadas e vamos selecionar aquela que se enquadra mais em nossos critérios. Os critérios são uma família de até cinco ou seis pessoas, que trabalhe na região central, e é importante que tenha a presença de crianças porque para as crianças ter uma moradia boa é algo definidor.
Assista à integra da entrevista no YouTube
E temos um projeto que está começando agora, chamado Compartilha. Vamos testar uma nova forma para escalar um pouco mais. Não será com doações, e sim com empréstimos de impacto social. Pessoas que aceitam emprestar dinheiro pra gente por um retorno bastante baixo, de 4% ao ano. Já conseguimos comprar uma casa no Bom Retiro onde vão morar três famílias. Estamos acabando a reforma e vai ser muito muito interessante se conseguirmos realmente escalar. Os investidores estão dando depoimentos muito satisfeitos, porque sabem que o dinheiro deles está provocando impacto social.
Estátuas de escravistas, torturadores, bandeirantes, em espaços públicos
Eu sou um coordenador de um grupo de pesquisa na USP chamado Lugares de Memória e Consciência. Eu tenho um diagnóstico que tem um lado otimista e um lado mais cauteloso. Qual que é o lado otimista? A sociedade acordou para o fato de que isso é um debate relevante, importante. Algo que era uma discussão de gabinete, uma discussão acadêmica, sobre quem é que nós estamos monumentalizando. Quem é que nós estamos homenageando? Hoje em dia está escancarado para a sociedade que estamos homenageando as pessoas erradas. Não estamos homenageando mulheres, não estamos homenageando negros, só estamos homenageando homens brancos, patriarcas, fazendeiros, muita gente que teve escravo e isso é muito problemático. Não é um simples detalhe. Então eu sou muito otimista que essa discussão se escancarou, acho que isso é muito bom. Onde eu sou mais cauteloso? Já conseguimos no discurso. Conseguimos inclusive problematizar isso na ação. O que estamos precisando agora é de política pública. Precisamos que o Estado faça esse próximo passo. A bola está com o Estado. A sociedade já deu o seu recado. Qual é a política pública que vai ser feita? Eu não me coloco no lugar de árbitro, isso deve ou não deve ser removido. Acho que não cabe a nós esse julgamento. Acho que cabe às pessoas, aos movimentos sociais, que estão se sentindo agredidos, desrespeitados, invisibilizados por todos esses monumentos, protagonizarem esse discurso.
Mas tem grupos que tem a responsabilidade sobre isso que são principalmente aqueles que tem a salvaguarda sobre os movimentos. É responsabilidade do Estado. O DPH fez uma lista de 40 monumentos que considera monumentos polêmicos e está nos avisando: esses monumentos estão sob risco.
Do mesmo jeito que a gente precisa de um plano diretor para a cidade, precisamos de um plano diretor para os monumentos. Alguns monumentos vão acabar sendo removidos porque são realmente monumentos que não dão conta mais de ficar num espaço público. Outros eventualmente podem passar por outras interferências. Outros eventualmente podem ser identificados que não são tão incômodos assim.
SOBRE A SÉRIE HACKEANDO A CIDADE
Com 15 episódios, a nova temporada do podcast do A Vida no Centro tem o propósito de provocar reflexões sobre o modelo de urbanização e compartilhar experiências bem-sucedidas de transformação de territórios.
O projeto conta com três apoiadores, que compartilham uma visão de cidade aberta, uso do espaço público e o amor pelo Centro de São Paulo: o escritório de arquitetura Pitá e o estúdio de design de móveis Estúdio Paulo Alves, que se mudaram para o Centro recentemente, e a construtora da Magik JC, empresa de 50 anos que produz habitação econômica com arquitetura e design no Centro de SP e gera impacto positivo por meio de suas ações.
O projeto conta ainda como a parceria da SP Escola de Teatro, responsável pela edição e finalização do podcast, e da plataforma de inovação aberta Distrito.
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