A Vida no Centro

Denize Bacoccina

Blog da Denize Bacoccina

Denize Bacoccina é jornalista e especialista em Relações Internacionais. Foi repórter e editora de Economia e correspondente em Londres e Washington. Cofundadora do projeto A Vida no Centro, mora no Centro de São Paulo. Aqui é o espaço para discutir a cidade e como vivemos nela.

Festas de fim de ano espalham Covid na bolha da classe média

Foi justamente na região do centro expandido, de classe média, com IDH alto, que a Covid mais cresceu nos últimos meses. Foto: Fotos Públicas

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Relaxamento nos cuidados durante as festas de fim de ano espalham Covid na bolha da classe média.

Denize Bacoccina

Não adianta culpar as autoridades por não terem baixado um decreto proibindo tudo. Ou alegar que está cansado de ficar em casa e PRECISA sair com a galera. Não foram poucos os alertas dos médicos no fim do ano sobre a necessidade de manter o isolamento social e evitar aglomerações sob o risco de uma explosão de casos no começo do ano.

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Pois o resultado está aí: hospitais privados de São Paulo já estão com as UTIs lotadas, Manaus tem falta de oxigênio, um insumo hospitalar básico, e o Rio de Janeiro tem a mais alta de letalidade do país. São Paulo tem uma rede excelente rede de saúde, mas os médicos já cansaram de avisar que ela é limitada para lidar com uma pandemia dessas proporções. E que o distanciamento social era o único remédio eficaz para reduzir o risco de contágio e de um colapso. Continua sendo.

E o que isso tem a ver com a nossa bolha de classe média, em São Paulo? Pois foi justamente entre a classe média que a doença explodiu nesta virada de ano.

Os resultados do inquérito sorológico realizado pela Prefeitura de São Paulo mostram que, na região do centro expandido, com IDH (índice de desenvolvimento humano) mais alto, o percentual de pessoas com Covid-19 quase triplicou entre a pesquisa de outubro e esta, realizada no dia 5 de janeiro e divulgada nesta quinta-feira, 14. A prevalência do vírus nesta região aumentou de 4,6% para 11,9%. Na média, o aumento foi pequeno, de 13,6% para 14,1%.

Embora ainda seja quase metade da prevalências nas regiões de IDH baixo (22%), refletindo a exposição das pessoas ao risco pela necessidade do trabalho presencial ou dificuldade de isolamento domiciliar, o grupo de IDH alto foi o que mais cresceu neste período.

Estimativa de prevalência de Covid-19 mostra crescimento no centro expandido

Exatamente o que se previa no fim do ano: a população mais jovem, de classe média, que ficou em casa nos primeiros meses da pandemia, enquanto fazia compras online  e lavava as frutas com detergente, depois de um tempo começou a retomar a vida social como se a pandemia tivesse acabado. Não acabou. E, embora a ciência tenha desenvolvido vacinas vai demorar algum tempo até que ela esteja, de fato, disponível para ser usada para a maioria da população.

O novo pico de casos de internação e mortes mostra que a doença se espalhou, furou a bolha e tende a piorar ainda mais a situação de saúde pública, já que agora até os hospitais privados estão no limite da sua capacidade.

O inquérito desta semana traz outro dado preocupante: entre os que já haviam testado positivo para a doença em pesquisas anteriores, 21,4% já não tinham anticorpos. Entre os que não tiveram sintomas, a parcela dos que não tinham mais anticorpos foi de 26%. Esses dados colocam em xeque aquele pensamento de “já tive, não senti nada, já estou livre”. Aparentemente, o risco continua mesmo para os que conseguiram passar bem pela primeira contaminação.

Raça ainda é fator de risco

A cor da pele continua sendo um grande fator de risco para a doença, refletindo também as desigualdades de condição de vida na cidade. Entre os brancos, a prevalência foi de 12,8%. Entre pretos e pardos, de 15,6%. A prevalência também é maior do que a média, de 19%, na faixa etária de 35 a 49 anos. Justamente o grupo que começou a circular mais nos últimos meses do ano passado.

A maior diferença, no entanto, é quando a pesquisa separa os que tiveram contato social e os que não tiveram. No grupo sem contato social a não ser com as pessoas da mesma casa, a prevalência é de 11,4%. Entre os que têm contato com um grupo restrito, é de 13,5%. E entre os que não fazem restrições de contato, a prevalência é de 28,9%.

Ou seja, além da lógica e do bom senso, os números também mostram que agir como se não tivéssemos um pandemia rolando só piorou a situação. Durante muito tempo, o distanciamento era um privilégio de uma minoria, enquanto trabalhadores de menor renda eram obrigados a se expor. Essa diferença ainda continua: a pesquisa mostrou prevalência de 8,1% para os que estão em teletrabalho e de 20,7% para os que trabalham fora.

Mas não é trabalhando como entregador ou motorista de aplicativa que a classe média está se expondo, né?

Não adianta grita Fora Bolsonaro na janela, escrever post nas redes sociais chamando o presidente de genocida (o que é verdade, claro, mas só falar isso não adianta) e ir pra festinha com os amigos. Não precisamos de um lockdown oficial para que cada um assuma responsabilidade sobre os seus atos.

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