A Vida no Centro

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Um sabiá-laranjeira sai da praça e pousa no DPH

Estátua do sabiá-laranjeira, símbolo das aves no Brasil, está guardada sobre um móvel do DPH enquanto seu pedestal na República está vazio

Paula Janovitch

Um sabiá-laranjeira voou da Praça da República e pousou na seção de esculturas do Departamento de Patrimônio Histórico de São Paulo esperando que alguém o adote para voltar para o seu lugar de origem, o espelho d’água da praça mais pública da cidade, onde suas patinhas se fixavam num sutil pedestal.

Num belo dia dos anos de 1960 foi dado ao sabiá-laranjeira a honra de ser o representante oficial dos pássaros do Brasil. Exatamente no dia 05 de outubro de 1968, o decreto oficial do Presidente Artur da Costa e Silva instituía o “Dia da Ave”. E foi assim que o representante da passarada aqui em São Paulo tomou a forma de uma pequena estátua em bronze de um sabiá-laranjeira da escultora Claude Dunin e foi instalado na Praça da República sobre um espelho d’água.

Pedestal do sabiá laranjeira de Claude Dunin na Praça da República

Hoje, o que resta da ave na praça é apenas o pedestal indicativo de sua pretérita presença ali no laguinho. O sabiá repousa agora sobre um armário da seção Técnica do Departamento Histórico de São Paulo ao lado de um dos braços da Diana, caçadora, com seu arco. Aliás, o que resta no DPH, são os últimos vestígios da Diana que até uns anos atrás vivia nos arredores do Vale do Anhangabaú, mas foi sequestrada quando este esteve fechado e em obras.

Estátua de Diana, quando ainda estava no Vale do Anhangabaú
Estátua de Diana, quando ainda estava no Vale do Anhangabaú

Já a história da ave de bronze da Praça da República , como de tantas outras estátuas da cidade, é coisa de história de detetive. A pequena ave cívica e de metal ficou ausente da praça por duas vezes. A primeira, quem a encontrou foi sua criadora. Num belo dia, passeando numa loja de antiguidades, deu com seu Sabiá à venda. Imagine o choque da escultora! Foi até a polícia, fez a denúncia e pediu o resgate da criatura. Por alguns anos o Sabiá ficou preso nos trâmites burocráticos de uma delegacia de polícia, literalmente engaiolado, até que seus tutores oficiais foram buscá-lo e a ave pousou novamente na Praça da República com ajuda e restauro de sua escultora.

Sabiá de bronze roubado da Praça da República foi encontrado em antiquário

Passou-se algum tempo e o Sabiá sofreu uma nova tentativa de sequestro, porém, ali mesmo na praça, a ave foi resgatada e levada para o Departamento de Patrimônio Histórico de São Paulo onde está até hoje aguardando que o adotem para retornar ao espaço público.

Sabiá e Diana no DPH

Se alguém me contasse que a cidade de São Paulo tem mais ou menos umas 35 espécies de pássaros, eu não acreditaria. Mas é isso mesmo, além do Sabiá-laranjeira, as pombas e os pardais que pelo que eu saiba são imigrantes com dupla nacionalidade, as maritacas que infestam meu bairro e voam com aquele piado estridente e mais outras tantas espécies agora podem ser vistas de perto no delicado livro da artista gráfica Noris Lima, “Pássaros e outras aves da cidade de São Paulo” da Laranja Original editora. Noris desenhou todos os pássaros com lápis colorido, entremeado aos desenhos da artista, algumas crônicas do biólogo Fernando Reinach revelam um pouco mais da vida dos pássaros e da nossa própria animalidade.

Pássaros de São Paulo

Seres cantantes compartilham conosco a vida da cidade: “cantam conforme a música”. Pouco prestamos atenção ao seu canto misturado aos ruídos intermitentes da urbe paulista. Quase nada percebemos de sua diversidade. Mas eles estão entre nós, cantam, voam e se alimentam das pequenas árvores de frutas que brotam nas calçadas, nos terrenos baldios, nos quintais e varandas dos apartamentos.

Por acaso um escolheu a boca de saída do exaustor aqui de casa para seu ninho. Agora nada de fritura até a família “criar asas e voar”!!!

Paula Janovitch é mestre em antropologia e doutora em história. Participa do coletivo PISA: pesquisa + cidade e do Escutando a cidade. Autora do capítulo/roteiro O mistério das passagens: galerias comerciais da área central de São Paulo do livro Dez percursos históricos a pé por São Paulo ( Narrativa Um), editora da Carbono 14 e escreve sobre cultura urbana em seu blog versão paulo

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