A Vida no Centro

Laercio Cardoso de Carvalho

Histórias de São paulo

Laercio Cardoso de Carvalho é guia de turismo cadastrado desde 1983. Com bastante vivência no Centro, criou vários roteiros temáticos e é o guia da Caminhada Noturna desde o seu início, em 2005. É professor no Senac nos cursos de formação de Guia de Turismo e nas Faculdades da Maturidade na PUC e na UNIP. Palestrante, é autor do livro "Quando Começou em São Paulo? 458 respostas pelo Guia de Turismo Laercio Cardoso de Carvalho”.

Cemitério da Consolação e a Semana de 22: um passeio pela história dos modernistas

Cemitério da Consolação tem os túmulos de vários modernistas. Mas será que tem informações sobre a vida e obra dos artistas? Veja no post

No post anterior mencionamos vários locais na região central onde os modernistas podem ser lembrados. Hoje vamos falar de um local onde a memória deles pode ser referenciada, bem como de várias pessoas, que de uma forma ou de outra, estão relacionadas com a Semana de 22. Estamos nos referindo ao Cemitério da Consolação, uma verdadeira galeria de arte a céu aberto, com túmulos com belas obras, grandes monumentos funerários.

Serão  assim os túmulos dos modernistas? Possuem grandes destaques? São ornados com obras de arte?

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Grande ilusão! Mário de Andrade, um dos principais organizadores da Semana de 22, poeta, escritor, pesquisador, está num daqueles túmulos onde estão também sepultadas várias pessoas da família. Túmulo simples, com várias plaquinhas com o nome das pessoas, e entre elas, sem nenhum destaque, o de Mário de Andrade, a data de nascimento e a data de falecimento.

Túmulo de Mário de Andrade

Outra decepção dos visitantes é com o túmulo de Tarsila do Amaral, a famosa pintora, sem nenhuma referência às suas obras. Também está num túmulo simples, com outros membros de sua família.  Apenas seu nome na placa, com datas de nascimento, do óbito e a frase “Quero ser a pintora do Brasil”.

Túmulo de Tarsila do Amaral

Oswald de Andrade está também em um túmulo familiar, mas não é simples como o de Mário e o de Tarsila. Em mármore branco, a lápide pertence ao desembargador Marcos Antônio Rodriguez de Souza, falecido em 1888. Estão sepultados sua filha e seu genro José Oswald Nogueira de Andrade, pai do poeta. Ele foi vereador em 1901 e propôs a reforma do Cemitério da Consolação, inaugurado em 1858. São Paulo já era então uma cidade rica, precisava de um cemitério como os da Europa, que poderia se tornar um local de visitação turística, como outros cemitérios no mundo. Em 1909, ao fim da reforma, a imprensa publicava: “Tornara-se a primeira necrópole de São Paulo, por todos admirada, principalmente por visitantes estrangeiros”.

Família de Oswald de Andrade

No mármore também está gravado “sua neta Maria de Lourdes Castro Pontes D’Olzani de Andrade”, e embaixo, “Dasy”. Ela também era chamada de “Miss Cyclone”, musa da garçonnière, como aparece no livro O Perfeito Cozinheiro das Almas desse Mundo, um diário do que se passava naquele espaço na rua Líbero Badaró. Oswald de Andrade, casa-se com ela no leito do hospital, no dia 14 de agosto de 1919, onde ela estava internada por complicações de um aborto. A cerimônia conta com a presença de todos os que frequentavam a garçonnière, tendo como padrinhos Monteiro Lobato e Guilherme de Almeida. Dez dias depois ela falece, sendo sepultada no túmulo da família do marido.

Oswald de Andrade e a primeira mulher, Dasy

Um detalhe curioso, inusitado, é que no dia 5 de janeiro de 1930, diante desse túmulo, onde já estavam sepultados seus familiares, Oswald casa-se simbolicamente com Patricia Galvão, a Pagu.

A obra de arte “O Sepultamento”, premiada em Paris, em 1923, no Salon d’Autonne, embeleza o túmulo de Dona Olívia Guedes Penteado, da elite cafeeira, uma das patronesses da Semana de 22. A obra é do escultor modernista Victor Brecheret, que não esteve presente na Semana de 22, pois graças a uma bolsa de estudos estava em Paris, onde esculpiu esse premiado trabalho. Mesmo longe, Brecheret enviou várias obras para a exposição no saguão do Theatro Municipal, que causaram grande espanto entre os visitantes.

Escultura O Sepultamento no túmulo de Olivia Guedes Penteado

A obra em granito rústico mede 2,26 m de altura e 3,65 m de comprimento. Maria, mãe de Jesus, mais três mulheres que estão com ela e uma quarta mulher. Quem seria? Dona Olívia?

Dona Olivia Guedes Penteado não foi apenas alguém que colaborava com dinheiro. Era uma grande entusiasta da arte moderna. Era chamada por Oswald de Andrade de Nossa Senhora do Brasil. Quando morava em Paris, recebia em seu apartamento modernistas europeus e os brasileiros que iam visitá-la. Foi a primeira a trazer para o Brasil uma obra de Picasso. Em 1923 promoveu em São Paulo o Primeiro Salão de Arte Moderna. Foi em Paris que adquiriu a obra que embeleza seu túmulo.

Seu palacete projetado por Ramos de Azevedo não se adequava às ideias modernistas, então transformou as cocheiras em espaço modernista, com decoração enxuta, móveis  de desenhos simples, paredes cobertas por murais encomendados a Lasar Segall. Neste salão ela recebia Oswald, Mário, Tarsila e outros em ambiente com quadros e esculturas que trouxera da Europa, como Picasso, Léger, e também de artistas brasileiros.

Outra bela obra de Brecheret pode ser vista no  cemitério da Consolação: “O Anjo” no túmulo da família Botti.

Brecheret não está sepultado no Consolação, mas num túmulo simples no Cemitério São Paulo. Lá estão também os restos mortais do poeta e jornalista Menotti Del Picchia. Grande incentivador da Semana de 22, redator no jornal Correio Paulistano divulgava o movimento modernista e na Semana fez a saudação à grande pianista Guiomar Novaes.

Guiomar Novaes já era artista consagrada internacionalmente quando participou da Semana de 22. Recebeu a comenda Legião de Honra da França, homenagens na Inglaterra, Estados Unidos e várias partes do mundo onde se apresentou. Seu túmulo, simples, em granito negro, com aparência de abandonado, ostenta apenas uma placa com seu nome completo “Guiomar Novaes Pinto” e a data de falecimento. Nenhuma referência à sua consagrada carreira.

Outro mecenas da Semana de 22 foi Paulo Prado. Também membro da elite cafeeira, não apenas foi um dos patrocinadores da Semana de 22, homem culto, viajado, desejava uma renovação na arte brasileira e sugeriu um verdadeiro festival de arte para aqueles três dias, com música, pintura, escultura, palestras, arquitetura. Paulo Prado está sepultado bem próximo ao muro da Rua da Consolação. Está ao lado da sepultura de seu pai, o Conselheiro Antônio Prado, prefeito de São Paulo que deu início à construção do Theatro Municipal em 1903.

O grande construtor do Theatro Municipal e de tantas obras importantes em São Paulo, como o Mercadão, o prédio dos Correios, Palácio da Justiça, Instituto Caetano de Campos e também a reforma da capela e a construção do portal do Cemitério da Consolação, Francisco de Paula Ramos de Azevedo, também está sepultado no cemitério que ajudou a embelezar.

Washington Luiz Pereira de Souza, prefeito de São Paulo entre 1914 e 1919, presidente de Estado (atual cargo de governador) entre 1920 a 1924, sempre prestigiou os modernistas. Deu apoio para a realização da Semana de 22. Esteve presente na primeira noite de apresentações.   Repousa num túmulo totalmente abandonado com todas as placas roubadas, sem nenhuma identificação. Foi o último presidente da chamada República “café com leite”, com paulistas e mineiros revezando-se na presidência da República.

Num  túmulo que chama bastante a atenção, pelo formato e por ser todo em granito preto, está sepultado Monteiro Lobato. Quando se fala dos modernistas vem à tona sua crítica à obra de Anita Malfatti. Ele poderia ser contra a arte moderna, era um pintor acadêmico, mas como escritor é considerado um pré-modernista pelo livro Urupês, com tema nacionalista e que apresenta o caipira como ele era e não de forma romantizada.

Lápide no túmulo de Monteiro Lobato no Cemitério da Consolação

Devemos lembrar também da luta pelo reconhecimento do Saci, figura nacional contra os outros seres, fadas, gnomos, não brasileiros. Chegou a realizar no Salão do Conde de Lara, na Rua Líbero Badaró, um concurso para escolha de obra de arte que representasse o Saci para fazer parte de um livro. Uma das participantes foi Anita Malfatti, que não foi a vencedora, mas foi bastante elogiada por ele. Dias depois, nesse mesmo espaço foi realizada a famosa exposição com 53 telas de Anita Malfatti, com muitos visitantes, mas que foi duramente criticada por Monteiro Lobato.

Túmulo da Família Altino Arantes

Bem próximo a ele está num túmulo familiar, bem cuidado, de Altino Arantes. Era o  presidente de Estado (como era denominado na época o cargo de governador) quando da exposição da Anita Malfatti na Rua Líbero Badaró em 1917. Altino Arantes assinou o livro de visitantes no dia 17 de dezembro.

Outros nomes importantes da Semana de 22 estão sepultados em outros locais:

Anita Malfatti está sepultada no Cemitério dos Protestantes vizinho ao Cemitério da Consolação.

Guilherme de Almeida, poeta, figura importante na realização da semana de 22 está sepultado no Mausoléu do Soldado Constitucionalista, no Ibirapuera.

No Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, estão sepultados Di Cavalcanti, pintor, que expôs várias telas na Semana de 22 e criou o cartaz e a capa do programa da Semana, e também o grande maestro Heitor Villa-Lobos.

Serviço:

Esse tour “Presença dos Modernistas”, no Cemitério da Consolação, é realizado pelo autor do texto, o guia de turismo Laercio Cardoso de Carvalho (WhatsApp 11 – 99837 4063)

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