A Vida no Centro

CalçadaSP

Wans Spiess e Tony Nyenhuis são publicitários e criadores do CalçadaSP, iniciativa de ativismo urbano com olhar artístico. Aqui, eles usam as calçadas do centro para caminhar sobre diferentes temas da região mais pulsante da cidade.

Novo Manual de Desenho Urbano pode construir cidade mais voltada para as pessoas

Consulta pública sobre Manual de Desenho Urbano leva a uma discussão sobre uma cidade mais voltada para as pessoas

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Tempo de leitura:5 minutos

Há no horizonte a perspectiva de começarmos a construir uma cidade mais voltada para as pessoas. Pelo menos esta é a promessa da Prefeitura de São Paulo ao apresentar o inédito Manual de Desenho Urbano e Obras Viárias da Cidade.

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É possível opinar sobre o Manual através da consulta pública que vai de 09 de junho a 08 de julho (ao final da matéria você confere esta e outras formas de como participar). Em paralelo,  há o esforço para estimular de toda parte o debate para sua construção coletiva. Nesse sentido, a Prefeitura vem se colocando à disposição das entidades interessadas que queiram promover encontros virtuais para apresentação e conversas sobre o projeto.

Segundo Beth França, coordenadora do grupo de trabalho responsável pelo desenvolvimento do Manual, “estamos abertos ao chamado de entidades e grupos interessados para debatermos de forma construtiva esse Manual que já foi fruto de muito diálogo, o que é extremamente rico”. Ela ainda destaca que esta é uma minuta prévia do Manual e, como tal, não é um documento finalizado e perfeito, mas sim algo sujeito a falhas, passível de questionamentos e aberto a melhorias e mudanças, daí a importância dessa consulta para o produto final.

No dia 16 de junho foram realizados dois encontros importantes na busca da participação de organizações e grupos interessados em discutir e contribuir com a revisão do conteúdo do Manual. Lembrando que estas iniciativas não tem a intenção e nem devem substituir a chamada de uma audiência pública por parte dos órgãos competentes, o que está sendo pensado segundo a equipe da Prefeitura. 
O primeiro encontro do dia foi promovido pelo A Vida no Centro através da parceria com o blog CalçadaSP. Contou com o importante apoio da Cidadeapé, ProjetoComo Anda (desenvolvido pela Cidade Ativa e Corrida Amiga) e Ciclocidade – organizações que trabalham em prol da mobilidade ativa – representadas na conversa por Wans Spiess (do CalçadaSP e colaboradora da Cidadeapé). Foram convidados para uma conversa virtual duas pessoas que estão à frente do grupo de trabalho de elaboração do Manual, José Renato Melhem e Maria Tereza Diniz. Vale ressaltar que as organizações entendem a importância da colaboração entre sociedade civil e poder público na revisão do Manual e almejam que ele seja um documento útil para todos. Por isso, tiveram a ideia de levar a discussão para outros grupos, expandindo e estimulando o conhecimento para além de arquitetos e urbanistas, por exemplo.

Veja aqui a íntegra do debate:

Vale ressaltar que as organizações entendem a importância da colaboração entre sociedade civil e poder público na revisão do Manual e almejam que ele seja um documento útil para todos. Por isso, tiveram a ideia de levar a discussão para outros grupos, expandindo assim o conhecimento e estimulando o conhecimento para além de arquitetos e urbanistas, por exemplo.

O outro encontro, no final da tarde, foi realizado pelo IAB-SP através de seu perfil no YouTube. Dessa vez contou com a presença de Elisabete França coordenadora do grupo de trabalho; Anália Amorim, professora da Escola da Cidade e da FAU-USP, e Ligia Miranda, representante do iabsp no Conselho Municipal de Trânsito e Transporte da Prefeitura de São Paulo (CMTT). A conversa foi mediada por Hannah Machado, Coordenadora de Urbanismo e Mobilidade na Vital Strategies, que tem contribuído ativamente nas conversas sobre o Manual.

A seguir apresentamos os pontos de destaque levantados nesses dois encontros: 

Apresentação do Manual

O Manual é apresentado como o principal componente a contribuir para a construção da nossa cidade a partir de um novo paradigma das políticas públicas de mobilidade urbana e sustentabilidade. Como o próprio Manual enuncia, “é a alteração de uma visão anterior, voltada ao fluxo e à capacidade de tráfego de veículos automotores, para uma visão voltada à preferência pelos modos ativos, pelo transporte público, por meios não poluentes de deslocamento e pela segurança viária”.

Objetivo do Manual

O principal objetivo do Manual é compilar regras e materiais  em um único documento, sendo um ponto de partida para quem for projetar obras viárias. Oferece recomendações e parâmetros necessários, e reúne o conteúdo básico dos elementos que compõem o espaço viário. A ideia é que o Manual caminhe junto com outros programas/documentos, para que o desenho das ruas se torne mais equilibrado de acordo com os dados de divisão modal em São Paulo.

A construção do documento

Há o desafio de oferecer uma visão mais integrada sobre o espaço público, que por sua vez está sob a ingerência de diversos atores para a produção desse espaço. Assim, o Manual é extenso mas bem organizado, buscando a ordenação necessária para lidar com os problemas e agruras de uma cidade complexa como São Paulo.

Foi desenvolvido por um grupo multidisciplinar, envolvendo diversos setores dentro da Prefeitura que atuam no espaço viário urbano e a CET coordenando a elaboração do documento. Um grupo que tem muito a dizer sobre a cidade e  que se debruçou sobre a legislação existente em três níveis – municipal, estadual e federal – através de reuniões, oficinas e grupos de trabalho. 

Organização da normativa existente e novas diretrizes

O primeiro esforço foi reunir e organizar a enorme quantidade de normas já existentes, num trabalho de pesquisa e de colaboração entre as diferentes secretarias e órgãos envolvidos. Assim, embora não seja o foco do Manual revisar o marco regulatório, foi feito um levantamento e desenvolvida uma linha do tempo da legislação. A ideia é facilitar o acesso às diferentes normativas que regem a cidade, antes espalhadas em diversas leis, manuais e decretos.

O segundo esforço segue alinhado com o futuro desejável. Mesmo o Manual não tendo força para mudar as normativas estabelecidas em lei, ele não só procura ajustar normas obsoletas ou antigas mediante recomendações de atuação, como também apresenta novos parâmetros não previstos em outras normas.

A importância da Governança

Esta também será a base do sistema de governança que o Manual pretende consolidar, através da criação do Grupo GrapoUrb e de um sistema de gestão para análise conjunta e aprovação de novas intervenções na cidade. O desenvolvimento desse sistema conta com a consultoria da Vital Strategies. 

Aqui o desafio é conhecer a fundo o planejamento viário de modo que a cidade seja construída ou alterada com diligência, de forma coordenada e orquestrada entre os diferentes atores. Um fator de vital importância na medida em que isso pode evitar, por exemplo, calçadas de má qualidade, que muitas vezes são cortadas pelas concessionárias sem o devido cuidado e aproveitamento do serviço.

Assim, será um balcão único para informar/aprovar sobre a intervenção que será feita (em alguns casos, pode ser que envolvam outros órgãos). A ideia é desburocratizar e organizar o processo.

O Formato do Manual

Por enquanto, o Manual impresso está inviabilizado por conta da crise decorrente da pandemia relativa à Covid-19, pois as gráficas estão fechadas, impactando os prazos.

Esta situação possibilitou maior atenção à publicação online, impulsionando recursos estão sendo investidos para o desenvolvimento de um formato  fácil e amigável. O modelo, baseado em fichas, facilitará a busca de informações e a sua atualização, atendendo a rapidez do surgimento de novas demandas e soluções.

A plataforma online contará ainda com o cadastro georreferenciado de projetos (SIGIU) e intervenções para evitar atuações repetidas por órgãos.

Além disso, o formato em fichas também facilitará enormemente a atualização do Manual, o que atende a rapidez do surgimento de novas demandas e soluções.

Organização dos Capítulos

Capítulo 1 – introdução 

Capítulo 2 – procedimentos de governança

Capítulos 3 – parâmetros de desenho viário e e Capítulo 4 – elementos urbanos. Que  são o coração do Manual.

Capítulo 5 – infraestrutura verde

Capítulo 6 – textos finais

Vale a nota: há a valorização dos modos ativos (a pé e bicicleta) ao dedicar tópicos técnicos específicos sobre o tema.

Mas, afinal, a quem se destina o Manual?

Não se trata apenas de pensar em projetar para quem e sim com quem. É preciso envolver todos aqueles que atuam, projetam e gerem o espaço, tornando-o muito mais funcional.

Assim, o Manual pretende ser um instrumento que alimenta o conhecimento e as formas de fazer de profissionais, estudantes, e até mesmo dos próprios cidadãos. Atrelado a outras ferramentas, como por exemplo nos planos de bairro, pode ser um ferramental muito útil.

O exemplo citado foi da calçada, que tem uma escala desafiadora, ainda mais em tempos de pandemia. A forma como cuidamos das calçadas denota como estamos atuando sobre o espaço público, seja na hora de projetar sua largura, no momento de uma concessionária ter que interferir e depois reconstruir o espaço pedonal, ou como o dono de um imóvel cuida da calçada lindeira.

Vida prática da cidade

Beth França chamou a atenção de que “é preciso levar em consideração que “trata-se de um Manual do setor público, que tem como missão dar suporte à vida prática da cidade“. Isso significa que, ainda que haja o compromisso da melhoria, é preciso lidar com aquilo que é possível na atualidade. Por isso, o Manual procurou abarcar não só a técnica e o desenho executivo, mas também a dimensão da experiência do espaço construído.

Por outro lado, é desejável que a sociedade civil aponte as possibilidades, pois há um quadro de juristas que está avaliando e apontando possíveis tratativas nesta organização.

Os ganhos do Manual

A função social e a escala da cidade é muito variada. O Manual procurou endereçar diferentes escalas e tratar as pessoas em suas condições de trânsito e de permanência, “um fator de inteligência e de qualidade humana desbravadora” conforme afirmou a Prof. Anália Amorin.

Ela também comemorou que os ganhos para o ensino, que passa a contar com parâmetros claros e com um trato mais propositivo. Os bons exemplos e as ilustrações que farão parte do Manual ajudarão muito, trazendo clareza e direcionamento.

Na opinião de todos os participantes, o primeiro passo para a organização e consolidação de normas está dado. O próximo é fazer com que a operação ganhe agilidade e transparência.

É importante que o Manual se consolide como um instrumento da sociedade civil para cobrar as diferentes gestões, seguindo uma perspectiva de continuidade que não seja refém de questões ideológicas. Assim, é o Plano de Mobilidade Urbana do Município (PLANMOB) que dá o direcionamento e conduz o processo do Manual, a fim de garantir uma evolução baseada em diretrizes sólidas.

Algumas questões levantadas no debate

  1. As Concessionárias e o Metrô precisam estar sensíveis ao tema, dada a enorme interferência de suas obras no espaço público. Segundo Maria Teresa Diniz, estes atores já foram consultados, são considerados para a composição da GrapoUrb e estão sendo convidados a contribuir nesta versão final.
  1. As chamadas áreas informais, ou seja, aquelas áreas com dimensões e parâmetros diferentes dos praticados na cidade formal, foram consideradas. Maria Tereza explica que esta foi uma preocupação desde o início, e que  o material desenvolvido pelo CEAB – 1986 – Manual de Favelas – foi incorporado.
  1. Todos os planos em andamento com outras secretarias, incluindo a Secretaria do Verde, entre outras, foram considerados, discutidos, e estão de alguma forma incorporados no Manual.
  1. As questões de drenagem e estrutura verde precisam ser melhor discutidas, pois há questões de durabilidade, custos de manutenção, implantação  em uma cidade já construída, etc.
  1. O urbanismo tático não está contemplado especificamente, fica a critério de escolha do projeto, embora haja algumas indicações de obras temporárias (pintura de piso, balizadores etc…)

Questionados se haverá audiência pública sobre o Manual, os participantes informaram que estão avaliando como viabilizá-la (não há data definida), na medida em que não poderá ser presencial, por conta da situação de restrições impostas pela pandemia desencadeada pelo Covid-19.

Por falar em pandemia, uma última ponderação não menos importante: a liberação do Manual de Desenho Urbano e Obras Viárias da cidade de São Paulo pode parecer descontextualizada diante da crise sanitária e política pela qual estamos passando. 

A verdade é que muitas das necessidades escancaradas já estavam sendo consideradas e discutidas. Agora, soluções serão agilizadas e outras deverão ser potencializadas. Isso pode ser observado em outra consulta pública que acontece paralelamente e que contém 22 ações previstas no plano Vida Segura, visando à redução de mortes e lesões no trânsito. São questões relativas, por exemplo, a travessias seguras e rotas educadoras. Isso demonstra, segundo as participantes do evento, a preocupação de que a mobilidade ativa seja privilegiada, valorizando-se a devida hierarquia de prioridade: pedestre – bicicleta – transporte público – outros meios de transporte.

Estamos diante de uma grande oportunidade, não só para discutir o espaço público como também imprimir ritmo em direção a uma cidade mais saudável. Que sirva de inspiração a fala final a professora Anália ao final do encontro: “o espaço público é uma construção coletiva, que não se percam as diretrizes do humano!”.

Para participar

Acesse o documento da Coalizão Cidadeapé, ComoAnda e Ciclocidade para conhecer o Manual e registrar seus comentários, críticas e sugestões até o dia 6 de julho. Participe!

COALIZÃO DE APOIO

A Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo é uma organização da sociedade civil dedicada a contribuir para uma cidade mais humana, segura e acessível para todos os que se deslocam por ela – em especial quando usam seus próprios pés, ou cadeira de rodas, para se locomover.

 O Como Anda é o ponto de encontro de organizações que promovem mobilidade a pé no Brasil.

A Ciclocidade – Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo – pretende ser a voz de quem utiliza ou gostaria de utilizar a bicicleta no cotidiano, atuando na defesa do interesse dos ciclistas e na promoção do uso deste veículo na região metropolitana.

O CalçadaSP aplaude e apoia as iniciativas do poder público que promove a participação social. Siga o CalçadaSP no Instagram (@calcadasp) e use #calçadasp para compartilhar suas fotos, elas podem fazer parte da galeria de calçadas do projeto.

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