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Em pouco mais de 100 anos São Paulo se transformou numa cidade de construções de taipa em metrópole de concreto
São Paulo se transformou profundamente na virada do século 19 para o 20. Neste período, é possível dizer que ela foi três lugares distintos: a vila de taipa, a cidade cafeeira de alvenaria e a metrópole verticalizada em concreto armado. Segundo Benedito Lima de Toledo, que concebeu esta tese em seu livro “São Paulo: três cidades em um século”, a cidade é um palimpsesto: um pergaminho que é raspado e escrito por cima, mas conserva caracteres do texto anterior. São Paulo, como o palimpsesto, é reconstruída de tempos em tempos.
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A cidade que começou como aldeamento jesuítico, foi, no período colonial, um entreposto nos caminhos para Minas Gerais, para o Sul do país e o Rio de Janeiro. Pequena, suas principais funções se concentravam em um triângulo delimitado pelos conventos de São Francisco, São Bento e do Carmo, correspondendo grosso modo ao que hoje chamamos de Centro Velho.
Predominavam as construções de taipa de pilão, ou seja, basicamente de barro, protegidas da chuva por amplos beirais. A maioria dessas construções foi demolida, mas um expressivo remanescente é o Convento da Luz.
O convento sobreviveu às transformações urbanas e é considerada a maior construção de taipa de São Paulo. Atualmente abriga o Museu de Arte Sacra. Também restou, no centro, uma única residência, a casa de Elias Chaves, na rua São Bento, além de casas bandeiristas em locais mais afastados, como o atual Butantã. Temos ainda as igrejas como a da Ordem Terceira do Carmo, as duas de São Francisco, no largo do São Francisco, embora em algumas edificações as fachadas tenham sido alteradas.
Em meados de 1860, São Paulo recebeu uma estação da linha ferroviária que ligava Santos ao interior, a Estação da Luz (o primeiro edifício da estação, mais simples, foi substituído anos depois pelo que conhecemos). Com isso, a cidade então se expandiu para além do triângulo histórico, seguindo a linha do trem e os caminhos antigos que a ligavam a Minas, ao Rio, a Santos. Com a novidade do acesso por trem, a burguesia cafeeira deixou as fazendas do interior para se instalar em exuberantes palacetes ecléticos na capital. A riqueza do café permitiu o surgimento de indústrias, o que atraiu trabalhadores imigrantes.
Esses imigrantes trouxeram novas técnicas construtivas, como a alvenaria de tijolos, e a construção civil foi dominada pelos mestres de obra italianos e alemães. Aos poucos, aquela imagem de cidade de barro deu lugar a obras ecléticas, com estilos afrancesados. Foi a época dos palacetes, vilas operárias e grandes obras públicas como a própria Estação da Luz.
Desta época temos edificações como o palacete da Vila Penteado, hoje campus da pós-graduação da FAU-USP, em Higienópolis, o Palácio dos Campos Elíseos, antiga residência do cafeicultor e político Elias Antônio Pacheco e Chaves, no bairro de mesmo nome, o casario do bairro do Bexiga, na Bela Vista, a Vila Maria Zélia, no Belenzinho.
Do fim do século 19 ao início do século 20, São Paulo mudou sua feição e não era mais aquela cidade de passagem, tampouco a cidade eclética do café. Havia se tornado o principal centro industrial do país e importante polo cultural. Antigas construções de taipa e alvenaria deram rapidamente lugar a altos edifícios, possíveis pela nova tecnologia construtiva: o concreto armado. Nesse momento, São Paulo também teve seus primeiros planos urbanos, como o “Grandes Avenidas”, que buscou a abertura de vias ligando o centro a outras áreas da cidade como Campos Elíseos, Largo do Arouche e as estações da Luz e Sorocabana.
O Viaduto do Chá, o edifício Martinelli e o edifício Esther, primeiro em linguagem modernista da cidade, são todos exemplos de arquitetura em concreto armado da primeira metade do século 20.
Leia também: EDIFÍCIO ESTHER, O PRIMEIRO MODERNISTA DE SÃO PAULO. CONHEÇA A HISTÓRIA DO PRÉDIO E VEJA FOTOS
No prefácio do livro de Benedito Lima de Toledo, publicado em 1980, o arquiteto e historiador da arquitetura Leonardo Benévolo, que morreu no começo deste mês, ressaltava a velocidade com que São Paulo se transforma e a importância de se estudar sua história:
“As cidades brasileiras crescem muito rapidamente e, entre elas, São Paulo mais do que qualquer outra. A velocidade é tão grande a ponto de apagar, no espaço de uma vida humana, o ambiente de uma geração anterior: os jovens não conhecem a cidade onde, jovens como eles, viveram os adultos. Assim, as lembranças são mais duradouras do que o cenário construído, e não encontram nele um apoio e um reforço. Os estudos históricos tornam-se então, duplamente necessários, para que não se deixem cair no esquecimento os cenários da vida passada, e para restituir profundidade à experiência do ambiente urbano”.
Texto originalmente publicado no site do Departamento de Patrimônio Histórico
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