A Vida no Centro

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Reinvenção na pandemia? Conheça histórias de pessoas que mudaram de vida

Seja por necessidade ou por perceber que não gostava tanto do que fazia, a reinvenção foi a palavra de ordem nesta pandemia

Denize Bacoccina

Reinvenção é a palavra de ordem nesta pandemia. Todos tivemos que reinventar algum aspecto da  nossa vida. Seja no trabalho remoto, na cozinha ou em como driblar a falta de renda. Mas algumas pessoas, por escolha ou pelas circunstâncias, tiveram que se reinventar totalmente, adotando por profissão um hobby antigo ou mesmo descobrindo uma nova atividade. Para muitos, o que começou como uma necessidade para pagar as contas acabou se tornando a nova profissão. Conheça histórias de pessoas que mudaram radicalmente de vida nos últimos meses. E estão curtindo a nova profissão.

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Do Direito para a gastronomia

Bruna Vidal e Victor Escudeiro são namorados e estudantes do último ano de Direito no Mackenzie. Até o ano passado, os dois faziam estágios remunerados em escritórios de advocacia e pretendiam seguir a profissão depois de formados. Com a pandemia, o volume de trabalho nos escritórios diminuiu e ambos, que moram juntos num apartamento no bairro de Santa Cecília, foram demitidos.

Victor Escudeiro e Bruna Vidal, sócios da Tropical Saladeria

“Já tínhamos essa frustração por fazer Direito no Brasil. A gente fica horas embasando uma peça para ver a parte contrária ganhar porque é amiga do juiz, porque tem contatos. Mas a decisão de abandonar foi totalmente por conta da pandemia”, conta Bruna.

Sem renda e com as contas chegando, Bruna e Victor começaram a pensar em montar um negócio que tivesse uma ligação com o estilo de vida do casal, que gosta de uma alimentação mais saudável. Nasceu assim a Tropical Saladeria, um delivery de saladas e pratos saudáveis que começou a fazer as primeiras entregas no começo de abril.

O delivery é um projeto embrionário, e os planos agora incluem ampliar o cardápio e, futuramente, procurar um ponto físico para montar um restaurante de comida saudável. Ou seja, o diploma que será conquistado no fim do ano ficará sem uso. “Quero continuar na linha de frente da cozinha. Gosto de criar receitas saudáveis e que mantenham o sabor dos alimentos”, diz Bruna.

Do desemprego para o negócio próprio de bolos e tortas

Marta Lourenço de Paula Emilio e Fernando de Paula Emilio sempre gostaram de comer bem e de preparar pratos gostosos para a família e os amigos. Mas nunca pensaram em trabalhar com isso. Fernando atuava na área administrativa e Marta, que desde 2013 não tinha emprego fixo, trabalhava com artes em pintura, macramês, organizadora pessoal, cabeleireira a domicílio, fazia várias coisas ao mesmo tempo. Quando veio a pandemia, Fernando estava desempregado e Marta teve que parar suas atividades, todas presenciais. O lado bom é que os dois puderam ficar em casa, protegidos.

A solução veio quando um vizinho, que ela conheceu no prédio para o qual tinha acabado de se mudar, no Centro, ganhou um pão de presente e gostou tanto que sugeriu que ela fizesse para vender. “Ele disse que, se eu vendesse, ele seria o primeiro cliente”, conta Marta. Ela aceitou o desafio e montou o cardápio, com empadinhas, tortas, pães, bolos, curau, e começou a postar nos grupos de vizinhança. “No começo eu achava que era muito amador, mas as pessoas percebem que é tudo feito com carinho e tem ido muito bem. A cada dia tem mais cliente.”

Deu tão certo que Marta e Fernando nem pensam em voltar para os trabalhos anteriores – embora Marta continue com suas produções artísticas – e já planejam buscar um ponto físico para depois da pandemia. “Quero um bistrozinho que seja um lugar onde as pessoas podem retirar e também comer lá”, diz Marta.

Do teatro para a doceria

A atriz Titzi Oliveira atuava em grandes produções musicais e estava para sair em turnê pelo Brasil com um espetáculo quando tudo foi paralisado por causa da pandemia. Sem renda nem perspectiva de voltar a trabalhar, ela recorreu a uma receita de família, a palha italiana que aprendeu com a avó e que fazia na época da faculdade para ajudar nas contas. “Eu me lembrei do sucesso da palha italiana, que mesmo depois que parei de fazer para vender os amigos sempre pediam”, conta Titzi.

Foi aí que ela montou a Sweet Palha, com vendas online pelo Instagram e entrega em casa. “Aí eu me descobri doceira e adorei. Fiz muitos doces para festinhas online, as pessoas pediam para entregar para os convidados”, diz ela, moradora de Santa Cecília.

A nova profissão, segundo Titzi, veio pra ficar. Mesmo quando os teatros reabrirem, ela pretende continuar com os doces. Com a experiência do ano passado, ela já aprimorou a atuação neste ano, se programando para as datas comemorativas comprando embalagens antecipadamente. E, ao tentar melhorar o Instagram, ela descobriu outra profissão: fez um curso de stop motion, adorou e já conseguiu dois clientes. A profissão de atriz, depois da pandemia, terá que dividir espaço com as outras ocupações.

Do comércio para as plantas

Alex Campana era gestor de varejo de uma loja autorizada da Apple e fazia kokedamas em casa, como hobby. Ele já tinha o Instragram Kokesampa para mostrar suas criações para os amigos e familiares, mas não vendia. Até que, por incentivo de amigos, começou a produzir algumas peças para vender em fevereiro do ano passado. Em março, com a quarentena, o comércio fechou e ele se viu em casa, com tempo livre e, sem as comissões, com o salário reduzido pela metade. Investiu no Instagram e na divulgação das kokedamas.

Em julho, quando as lojas reabriram, o negócio das plantas já estava mais avançado e ele deixou o emprego na loja. “Já tinha clientes fidelizados e achei que conseguiria segurar. Vi o potencial do kokedama e também já estava cansado do ambiente do varejo, da pressão por metas”, conta ele.

Na nova profissão, Alex usa os conhecimentos acumulados no comércio, como a negociação com fornecedores e o cálculo do custo. Além disso, tem a grande vantagem de poder trabalhar em casa, em segurança. “É algo que eu gosto, que me traz paz. E agora estou ganhando mais do que antes. Não pretende voltar para o comércio.”

Para crescer, ele tem planos de, depois da pandemia, abrir um ponto físico. No Centro, onde mora há muitos anos. “Um café com plantas, algo do tipo.”

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Denize Bacoccina

Denize Bacoccina é jornalista e especialista em Relações Internacionais. Foi repórter e editora de Economia e correspondente em Londres e Washington. Cofundadora do projeto A Vida no Centro, mora no Centro de São Paulo. Aqui é o espaço para discutir a cidade e como vivemos nela.