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Em março de 2020, quando tudo começou, pensávamos que estávamos construindo uma nova sociedade. A ilusão durou pouco
Por Denize Bacoccina
Faz um ano que tudo isso começou. Nesta quinta-feira, 11 de março de 2021, faz exatamente um ano que a Organização Mundial da Saúde declarou que o surto do novo coronavírus identificado em Wuhan, na China, já havia se espalhado pelo mundo a ponto de se configurar uma pandemia.
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Nos dias seguintes, o hecatombe chegou ao Brasil. O governador João Dória decretou o fechamento do comércio, a suspensão das aulas e de várias outras atividades no Estado de São Paulo, na tentativa de conter a pandemia. Na época se imaginava que seriam algumas semanas, dois meses no máximo de restrição e tudo voltaria ao normal.
Com o tempo até a palavra normal caiu em desuso. E, assim como o coronavírus, surgiu o novo normal. Mas ninguém poderia imaginar, naqueles primeiros meses, que estaríamos numa situação ainda pior depois de um ano.
Enquanto vemos outros países – os que se prepararam e compravam vacinas suficientes – avançar na proteção e imunizar sua população, no Brasil vivemos um iminente colapso do sistema de saúde em quase todos os Estados, inclusive São Paulo, o mais preparado e que conseguiu resistir no ano passado.
Nos primeiros meses da pandemia, abril, maio do ano passado, vimos uma grande corrente de solidariedade se formar. Na cidade de São Paulo, as ruas vazias de consumidores e pessoas a caminho do trabalho deram mais visibilidade aos que tem o espaço público também como moradia. Um censo realizado pela Prefeitura em 2019 já havia mostrado que eram mais de 24 mil pessoas vivendo nas ruas, 11 mil delas em São Paulo. A quarentena multiplicou este número, não se sabe para quantos, e escancarou nossas desigualdades.
A despeito – e talvez até por isso mesmo – da falta de iniciativa do governo federal em orientar e tentar proteger a população, muitas pessoas e empresas criaram iniciativa solidárias: fizeram doações de dinheiro, de tempo, de expertise e, por um tempo, parecia que estávamos todos juntos no mesmo barco e que remaríamos juntos para sair da tempestade.
Eu acreditei nisso. Até escrevi sobre isso. Mas logo vi que estava enganada. Com a descoberta da vacina desapareceu a solidariedade internacional. A corrida pelos equipamentos – lembram quando os Estados Unidos tentaram interceptar respiradores chineses comprados pelo Brasil ou compraram todas as máscaras, deixando todo mundo sem? – se repetiu na corrida pelas vacinas quando elas começaram a ficar prontas. Empresários que se sentiam protegidos pelos seus hospitais privados começaram a pressionar pela reabertura das atividades econômicas. Mais recentemente, com a escassez de vacinas, estamos vendo escândalos de políticos protegendo suas famílias enquanto quase duas mil pessoas morrem todos os dias.
Já ficou claro, um ano depois, que a pandemia não melhorou a sociedade. Aquela onda de solidariedade teve vida curta. Talvez tenha tido até o efeito inverso. Ficou claro o desprezo pela vida por parte de empresários que fazem campanhas pela reabertura de suas empresas, patrões que não abrem mão de suas empregadas domésticas e babás e, claro, pessoas que não abrem mão de socializar com os amigos porque afinal, é muito chato ficar em casa.
O resultado dessa falta de consciência ficou claro nesta nova onda. Muito pior do que no ano passado. Muito mais letal, e que já não distingue entre velhos e jovens.
Agora, quando ultrapassamos as duas mil mortes por dia, parece que estamos de fato todos no mesmo barco. Hospitais privados também estão lotados, e o risco de colapso é real para ricos e pobres. Como bem disse o chefe do Centro de Contingência da Covid-19 em São Paulo, João Gabbardo, nesta quinta-feira, avisando que o aumento do isolamento era a única chance de tentar evitar o pior. “Muita gente com plano de saúde não vai ter leito nos hospitais privados. Empreendedores de sucesso, com muito dinheiro na conta, morrerão. Assim como morrerão trabalhadores informais, pessoas da classe média, todos morrerão. Não vai ter leito pra todo mudo.”
A julgar pelo comportamento da sociedade nos últimos meses, é difícil acreditar que tudo vai mudar agora.
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