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Centro Novo de São Paulo
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Conheça a história do Centro Novo de São Paulo, a região da República

Foi só no fim do século 19 que a cidade ultrapassou a barreira do Vale do Anhangabaú e se expandiu para o chamado Centro Novo de Sao Paulo; saiba mais e veja fotos históricas

A cidade de São Paulo foi fundada oficialmente em 25 de janeiro de 1554, tendo como marco inicial a missa realizada pelos jesuítas para inaugurar o colégio deles no local hoje conhecido como Pateo do Collegio. Em consequência, a cidade se desenvolveu naquela região, entre as igrejas de São Bento, São Francisco e Carmo, o chamado Triângulo. O Vale do Anhangabaú era, então, uma barreira natural, só transposta no fim do século 19, com a construção do primeiro Viaduto do Chá. A partir daí, e com a riqueza proveniente do café, a cidade começou a crescer para o outro lado do Anhangabaú, região batizada de “Centro Novo”. Este texto, do Departamento de Patrimônio Histórico (DPH), da Secretaria Municipal de Cultura, conta como foi a expansão da cidade para o Centro Novo de São Paulo.

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A expansão para o Centro Novo de São Paulo

São Paulo passou por um rápido crescimento a partir do século 19. A produção cafeeira no interior paulista impulsionou o crescimento e a importância política da cidade. A chegada de imigrantes, da ferrovia e o capital acumulado do café permitiram o início da industrialização. Também foi a época de construção de prédios icônicos e a modernização da paisagem paulistana. Surgiram novas centralidades que até hoje estão presentes no cotidiano dos moradores da cidade, como o Centro Novo e a avenida Paulista.

Naquele momento, São Paulo passou por dois movimentos ao mesmo tempo: expansão e verticalização. Transpor o vale do rio Anhangabaú era uma necessidade e para isso foram construídos o primeiro Viaduto do Chá, em 1892, e o Viaduto Santa Efigênia, em 1913. Na região conhecida hoje como Centro Novo, que corresponde ao distrito da República, ocorreram uma série de intervenções que visavam modernizar e embelezar a cidade.

Símbolo de modernidade e responsável pela formação de um novo eixo cultural e comercial é o Theatro Municipal, inaugurado em 1911. Sua construção estimulou o crescimento do Centro Novo, ampliando-se comércio e serviços, como hotéis luxuosos,  a exemplo do antigo Hotel Esplanada, e dos desativados Hotéis Central e Britânia. Localizados na avenida São João, estes foram erguidos na década de 1910 com arquitetura eclética inspirada no barroco francês. Em 1925 foi fundada a Biblioteca Municipal de São Paulo, hoje Biblioteca Mário de Andrade, importante referência cultural dessa área. Seu edifício atual, na rua da Consolação, inaugurado em 1942, é um belo exemplar de arquitetura art déco. Passou por restauro e ampliação finalizada em 2012. Esta intervenção apresenta um aspecto interessante: nela é possível distinguir o original e o novo, isto graças ao uso de materiais diferenciados.

Outro marco no desenvolvimento do Centro Novo é a Praça da República. Sua história se inicia no século 18, quando era chamada de Praça das Milícias e utilizada para treinamento militar. No século seguinte foi palco de touradas e cavalhadas. Recebeu o nome atual em 1889, após a Proclamação da República. Logo depois, em 1894, foi construída a Escola Normal Caetano de Campos, de arquitetura típica das escolas da Primeira República. Desde 1978 o edifício abriga a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, e hoje a escola funciona no antigo prédio do Colégio Porto Seguro, na Praça Roosevelt. Ameaçado de demolição para obras do Metrô, na década de 1970, sua preservação como patrimônio cultural paulista se deveu a uma mobilização exemplar de antigos alunos e professores.

Colégio Caetano de Campos em 1975 Foto: Waldemir Lima/Museu da Cidade de São Paulo

Colégio Caetano de Campos em 1975 Foto: Waldemir Lima/Museu da Cidade de São Paulo

No início do século 20, com a expansão da cidade, foram propostos diversos projetos urbanísticos que objetivavam organizar seu crescimento. Entre os mais conhecidos há o Plano Bouvard, de 1912, e o Plano de Avenidas, da década de 1940. No primeiro havia o desejo de embelezamento da cidade e previa, para isso, a urbanização do Vale do Anhangabaú transformado-o num parque. Com o passar dos anos foi sendo descaracterizado e sua forma atual é resultado de um concurso para nova intervenção urbanística, realizada na década de 1990. Já o Plano de Avenidas, implantado pelo urbanista e prefeito Prestes Maia, visava modernizar e preparar a cidade, em meados do século 20, para receber o novo modelo de transporte que se intensificava: o automóvel. Abriu e alargou diversas avenidas, entre elas as Avenidas Ipiranga, São Luís, Dona Maria Paula e Senador Queiroz.

O Plano de Avenidas foi importante na consolidação da região da República, Consolação e uma parte da Bela Vista como uma centralidade comercial e verticalizada. Incentivou-se, também, a construção de galerias comerciais, edifícios de uso misto e torres altas ao longo das vias arteriais. É desta época um prédio icônico como o Esther, construído em 1938 na Praça da República, considerado um dos primeiros edifícios modernistas de São Paulo. Também é relacionada ao Plano de Avenidas a construção do Edifício Viadutos, de 1956, na confluência dos Viadutos Nove de Julho e Jacareí.

Vista do chamado centro novo em 1970: Edifício Itália, Copan, Eiffel, Hotel Hilton Foto: Edison Aquino/Museu da Cidade de São Paulo

Vista do chamado centro novo em 1970: Edifício Itália, Copan, Eiffel, Hotel Hilton Foto: Edison Aquino/Museu da Cidade de São Paulo

Próximos do Edifício Esther, e do expressivo conjunto de prédios da Avenida São Luís, estão outros dois marcos da paisagem paulistana: o Copan, projeto de 1951, e o Edifício Itália, inaugurado em 1965. Compuseram com a torre cilíndrica do antigo São Paulo Hilton Hotel, de 1971, uma imagem que se tornou ícone da São Paulo Moderna dos anos 1970-80.

Ainda no ideário da verticalização e modernização da cidade, uma quadra próxima à rua da Consolação guarda três edifícios que contam um pouco a trajetória do modernismo paulistano, de autoria do arquiteto Oswaldo Bratke. O primeiro é o Jaçatuba, de 1942, a sua fachada principal é côncava e adaptada ao terreno triangular onde foi construído. Poucos anos depois, em 1949, no ABC o arquiteto trabalhou em um terreno regular, mas manteve uma fachada côncava, como se buscasse conversar com o vizinho Jaçatuba. E o Edifício Renata Sampaio Ferreira, de 1956, já na fase consolidada do modernismo. É composto por um volume horizontal com a área comercial, e no volume vertical situam-se as salas de escritório.

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Integração do prédio com o entorno

Uma das características da legislação vigente na época era indicar a integração entre o edifício, a rua e entorno. Ao caminhar pela Avenida Ipiranga e arredores é possível notar que a maioria dos prédios apresenta térreo comercial e marquise, além de galerias, elementos que convidam a entrar e oferecem abrigo. Nesta avenida e arredores se estabeleceu uma área de lazer e cultura, que ficou conhecida como Cinelândia, e um bom exemplo é o Hotel Excelsior e o antigo Cine Ipiranga, erguidos em 1941.

Largo da Memória em 1953 Foto: Gabriel Zellaui/Museu da Cidade de São Paulo

Largo da Memória em 1953 Foto: Gabriel Zellaui/Museu da Cidade de São Paulo

O território do distrito da Consolação possui origem anterior aos planos urbanísticos modernizantes. A atual rua da Consolação era o caminho que ligava o centro ao bairro de Pinheiros e à cidade de Sorocaba. Este caminho partia de um local antigo e importante para a cidade: o Largo da Memória. No início do século 19, este ponto marcava o encontro dos caminhos vindos do sul do país e do interior de São Paulo. Lá há o monumento mais antigo da cidade, o Obelisco do Largo da Memória, erguido como parte do projeto de reformulação do largo, em 1814. Mas a rua da Consolação só recebeu seu nome definitivo após a construção da primeira Igreja de Nossa Senhora da Consolação, de 1801 (a igreja atual começou a ser construída em 1909).

Neste momento essa região ainda era pouco ocupada e afastada da cidade, e assim, em 1858 foi inaugurado o Cemitério da Consolação. No cemitério há desde o mausoléu da Família Matarazzo até as sepulturas de Tarsila do Amaral e Mário de Andrade. Além de lápides esculpidas e projetadas por Victor Brecheret e Ramos de Azevedo. Com o passar do tempo, foram instaladas chácaras na rua da Consolação, posteriormente parceladas para a abertura de vias e construção de edifícios. Entretanto, há alguns remanescentes desta época que demonstram a forma de morar da elite daquele momento. Por exemplo, a Chácara Lane, do final do século 19, integrante do acervo do Museu da Cidade de São Paulo, e a Casa Amarela, antiga residência, hoje ocupada, do começo do século 20.

A proximidade ao Centro e ao local de moradia das elites levou o bairro da Consolação a concentrar alguns imóveis de uso educacional. Um deles é a Escola Estadual Marina Cintra, representante da arquitetura escolar da década de 1930. Outro é o antigo prédio do Instituto “Sedes Sapientiae”, inaugurado em 1942, projeto do arquiteto Rino Levi, e que atualmente abriga um campus da PUC. Estas duas instituições possuem características arquitetônicas protomodernas, que, grosso modo, pode ser entendida como uma arquitetura preparatória para o modernismo. Apresentam elementos modernos como pilotis, grandes janelas e a preocupação com a funcionalidade. Porém conservam ornamentos de inspiração art déco, como a geometrização de elementos da natureza e volumes curvos.

Com o crescimento da cidade, as famílias de elite se mudaram para outros lugares que se tornaram mais acessíveis com a construção do Viaduto do Chá. Um deles foi o espigão da Paulista, a área mais alta da cidade, logo transformada em avenida. Inaugurada em 1891, com vias largas, pavimentadas e áreas ajardinadas, rapidamente passou a ser local de manifestação cultural. Nela ocorriam corridas de carro e corsos de carnaval. Nos arredores da Paulista se formaram bairros como Paraíso, Cerqueira Cesar, Bela Vista e Jardim Paulista. Possuem origem no loteamento de chácaras vizinhas à Paulista e se aproveitaram da infraestrutura e comércio proporcionado por ela.

Avenida Paulista em 1915

Avenida Paulista em 1915

Muitos palacetes dessa primeira ocupação da Paulista foram demolidos e em seus terrenos erguidos os imóveis atuais. Mas é interessante notar que as edificações remanescentes não mantiveram o uso original. Demonstrando que prédios históricos podem ser adequados para as necessidades contemporâneas. Por exemplo, o Palacete Franco de Mello, de 1905, deve virar um espaço cultural e o Hospital e Maternidade Humberto I, de 1904, passa por restauro e funcionará como hotel, centro cultural e de compras. A Casa Daphnis de Freitas Valle, de 1928, hoje abriga uma funerária, e a Casa das Rosas, de 1935, um espaço cultural. O local mais antigo da Paulista, o Parque Tenente Siqueira Campos, o Parque Trianon, de 1892, conservou, no entanto, seu uso inicial. Nele há remanescentes de mata atlântica, um conjunto escultórico e a casa da administração original.

Após a crise de 1929 a economia cafeeira entrou em declínio e os palacetes foram vendidos a construtoras. Estas aproveitaram uma de lei promulgada em 1936 que autorizava a construção de edifícios residenciais na Paulista. Foram erguidos prédios para as classes média e alta, normalmente em linguagem modernista. Por exemplo, o Edifício Anchieta da década de 1940, financiado pelo Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI) e localizado na esquina da rua da Consolação com a Paulista. No térreo dele funciona o tradicional Bar Riviera, um lugar de reunião da classe artística e intelectual.

Em 1952 foi autorizada a construção de edifícios não residenciais na avenida Paulista, fato que transformou a história da região. Inaugurado em 1956, o Conjunto Nacional é um dos primeiros prédios de uso misto da Paulista. Foi um projeto inovador na época devido ao grande porte e a mistura de vários usos (comercial, corporativo e residencial). Também impulsionou na área uma série de outros empreendimentos como restaurantes, cinemas e lojas. Neste momento a Paulista se consolidava como um centro comercial, pois recebia tanto investimentos públicos como privados.

Conjunto Nacional em 1991 Foto: Marcia Ines Alves/Museu da Cidade de São Paulo

Conjunto Nacional em 1991 Foto: Marcia Ines Alves/Museu da Cidade de São Paulo

As construtoras encontraram na avenida um local que possuía infraestrutura, comércio e grandes terrenos para a construção de edifícios corporativos. Então, a partir da década de 1960, foram construídos edifícios modernos para grandes empresas com características marcantes e distintas. Por exemplo, o prédio do extinto Banco Sulamericano, de 1963, com sua estrutura modulada e planta livre, que permite paredes sem função estrutural. Há também o edifício sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), da década de 1970. Com um volume inusitado e que o transformou em um dos marcos referenciais da região.

A Paulista também é conhecida por ser um local de manifestação da população e abrigar instituições artísticas. Um local que reúne essas duas funções é o edifício brutalista do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), de 1968. Nesta vertente buscava-se a verdade dos materiais, ou seja, deixar a estrutura e os materiais expostos, evidenciando como o edifício foi construído. Outro local cultural, localizado na rua da Consolação mas próximo à Paulista, é o Cine Belas Artes, inaugurado na década de 1950. É um dos poucos cinemas de rua que permaneceu em funcionamento, e desde o início se dedicou a uma programação cinematográfica de qualidade.

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