A Vida no Centro

Antonio Mantovani Neto - Pitá Arquitetura - Da Faria Lima para o Centro
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Tempo de leitura:5 minutos

Antonio Mantovani Neto, do Pitá: por que mudamos da Faria Lima para o Centro de São Paulo

Sócio do escritório de arquitetura Pitá, que projetou os badalados escritórios do LinkedIn, Civi-co e Cubo Itaú, o arquiteto Antonio Mantovani Neto fala sobre a importância histórica do Edifício Itália, nova sede da empresa

Da Faria Lima para o Centro de São Paulo: o arquiteto Antonio Mantovani Neto fala sobre a importância histórica do Edifício Itália e os impactos da pandemia na cidade

Clayton Melo e Denize Bacoccina

O arquiteto Antonio Mantovani Neto descobriu o Centro de São Paulo. De uma vez, ele mudou o escritório de arquitetura Pitá, do qual é sócio, do Jardim Paulistano, pertinho da Faria Lima, para o Edifício Itália, na esquina da Avenida Ipiranga com a São Luiz e, de quebra, se mudou de Pinheiros para o edifício Copan, ao lado. “Posso ir trabalhar de tirolesa”, brinca Antonio nesta entrevista ao A Vida no Centro.

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Ao fazer a mudança, ele descobriu várias coisas: que o Centro permite deixar o trabalho tarde e encontrar o comércio aberto (coisa difícil na região da Avenida Faria Lima) e que tudo é mais barato na nova vizinhança. Além disso, o escritório no 16º andar tem, literalmente, a cidade aos seus pés. “É muito interessante estar num prédio histórico que te possibilita uma vista ampla dessas, capaz de te conectar com a cidade”, diz ele.

Praça da República vista do escritório do Pitá Arquitetura

Ao se mudar para um edifício que até hoje é um ícone arquitetônico de São Paulo, o Pitá também quis se instalar num lugar tão impactante quanto os espaços que projeta para clientes como LindedIn, Civi-co e Cubo, ambientes profissionais que buscam também inspirar as pessoas que trabalham ou circulam por lá. Por isso, lá eles experimentaram soluções e materiais inovadores, uma espécie de showroom da sua visão de mundo.

Alguma coisa acontece no Centro de São Paulo

E a mudança para o Centro, longe de uma opção individual, é uma tendência. “Como arquiteto, eu vejo isso claramente”, diz Antonio. “A megavalorização do Copan nos últimos cinco anos mostra que alguma coisa está acontecendo no Centro da cidade, alguma coisa que precisa ser olhada. A mudança de escritórios criativos para cá também é uma clara informação de que as coisas estão mudando.”

Ele ainda vê um limite à instalação de grandes empresas, pela dificuldade em encontrar prédios modernizados com grandes áreas disponíveis, mas diz que há um número grande de empresas menores que poderiam se beneficiar de custos de aluguel mais baixos e maior facilidade de locomoção para seus funcionários. Uma pesquisa entre a equipe do Pitá depois da mudança mostrou que metade deles passou a gastar menos tempo no descolamento de casa para o trabalho.

A pandemia trouxe muitas mudanças no ambiente corporativo que impactam também a arquitetura dos locais de trabalho. Antonio conta que o Pitá já vem sendo muito procurado por empresas em busca de adaptações, pensando que as equipes serão menores, já que parte vai trabalhar de casa, ou em escritórios descentralizados, mais perto de casa, o que também deve provocar mudanças na dinâmica da cidade.

Clique aqui embaixo para ouvir o podcast com Antonio Mantovani Neto, do Pitá Arquitetura.

E leia a seguir a entrevista:

A Vida no Centro – O Pitá é responsável pelo projeto de escritórios inovadores, como do LinkedIn, do Civi-co, do Cubo. E agora vocês projetaram um espaço próprio, no Edifício Itália, no Centro de São Paulo. Qual a visão que vocês procuram levar para os escritórios projetados por vocês?

Antonio Mantovani Neto – Estávamos numa casa no Jardim Paulistano. Era uma região que era ok, não era ruim, mas não atendia a gente em uma série de coisas. Queríamos, além de um espaço maior, um ambiente que nos atendesse em algumas questões muito importantes. O primeiro ponto era ter para nós aquilo que buscamos oferecer para os clientes: um espaço super integrado, que possibilitasse a troca de conhecimento. A partir dessa necessidade – sair de uma situação em que não tínhamos essa possibilidade, porque cada grupo de arquitetos ficava trancado numa sala diferente -, acabamos parando num prédio do Centro em que todo mundo se vê e onde há essa troca entre as pessoas. Isso está bem alinhado com o tipo de trabalho que desenvolvemos para os clientes.

Como foi esse processo de mudança para um prédio histórico do Centro de São Paulo?

A mudança envolve coisas importantes. Uma delas é a geografia. Sair da Faria Lima e vir para o Centro significou ficarmos mais próximos dos arquitetos (a região da Vila Buarque, onde fica a Escola da Cidade e o prédio do Instituto de Arquitetos do Brasil concentra várias escritórios de arquitetura). Outro ponto foi ter acesso a muitos serviços que, na Faria Lima, não tínhamos depois do horário normal de trabalho. Exceto por esse período de quarentena – quando o comércio está fechado -, tem muita acontecendo à noite no entorno do Edifício Itália. E encontrar o Itália foi uma coisa interessante. A gente procurou por um novo espaço por mais ou menos um ano. No início, pensávamos que o Itália não fosse acessível, que talvez fosse muito grande ou antigo demais. Tínhamos uma série de preconceitos na cabeça por falta de conhecimento. Até que um dia falamos: vamos lá ver. Chegando ao edifício, vimos que ele tinha tudo o que estávamos buscando: é um prédio com 60 anos de história, extremamente conservado e atualizado, com manutenção interna impecável, elevadores com dois anos de uso e uma laje de trabalho super bacana, com uma vista linda e uma ventilação cruzada ótima. E todo mundo pode se ver. 

Veja como é o escritório da Pitá no Edifício Itália:

E de lá vocês também podem ver a cidade. Qual o impacto disso no trabalho?

É muito interessante estar num prédio histórico que te possibilita uma vista ampla dessas, capaz de te conectar com a cidade. Esse foi um dos motivos que nos fizeram escolher um andar mais baixo – estamos no 16º andar -, para a gente enxergar a cidade a partir de uma escala mais humana.

Qual a sua visão sobre o Centro de São Paulo hoje? Você nota um interesse maior pela história arquitetônica da região?

Como arquiteto, eu vejo isso claramente. A megavalorização do Copan nos últimos cinco anos mostra que alguma coisa está acontecendo no Centro da cidade, alguma coisa que precisa ser olhada. A mudança de escritórios criativos para cá também é uma clara informação de que as coisas estão mudando. Para as empresas em si ainda têm um grande problema. O Centro não tem muitos prédios atualizados, modernos no sentido de poderem receber uma grande empresa adequadamente.

Você se refere a aspectos como telefonia e infraestrutura de internet?

Não. Por incrível que pareça o Centro, em relação à telefonia e internet, é melhor do que a Faria Lima, porque todas as empresas de internet passam por aqui. Mas não tem, por exemplo, elevadores modernos ou como colocar sistemas de ar-condicionado nos prédios mais antigos. Existe uma necessidade de retrofits na maioria dos edifícios do Centro, embora a região tenha prédios muito bem construídos. Há prédios com lajes de 40 mil metros quadrados para locação, bons para empresas grandes, mas que precisam passar por retrofit, e por isso empresas não vêm para cá.  Porém, há uma série de espaços que são atraentes para empresas menores, como a nossa. Entre os motivos para isso estão o preço mais baixo em relação a outras regiões, como Jardins, Vila Madalena ou Faria Lima. E também a infraestrutura completa que existe no Centro. Dependendo de onde você estiver na Faria Lima, tudo fecha às 18h e você não encontra um lugar para comer. No Centro tudo isso está resolvido. E vim junto com o escritório: me mudei de Pinheiros para cá agora. Gosto de andar e ficar perto das coisas. Moro no Copan e brinco que posso ir de tirolesa para o trabalho.

Já há vários sinais de que o home office é uma realidade que deve permanecer em muitas empresas mesmo depois que a pandemia passar. Em sua avaliação, qual deve ser o impacto do trabalho remoto na cidade?

Vai influenciar com certeza, mas não podemos esquecer que o home office alcança uma parcela pequena da população. O restante da população trabalha no comércio, no supermercado, nos restaurantes, serviços de saúde. O que deve acontecer é que as empresas não serão mais tão inchadas, porque muitos funcionários trabalharão de casa, e vai haver um alívio no trânsito. Quem vai querer trabalhar na sede da empresa na sexta-feira, enfrentando aquele trânsito terrível, se pode ficar em casa? Mas os eixos da cidade, que são muito bem definidos, vão continuar como estão. Os eixos financeiros e de serviços, por exemplo, não devem mudar.

E você enxerga alguma possível mudança na relação das pessoas com a cidade?

Talvez passemos a viver um pouco mais o bairro. A grande maioria das pessoas que trabalha em escritório vive o bairro no sábado e no domingo. Talvez a gente aprenda a viver a vizinhança almoçando perto de casa num dia de semana porque estamos fazendo home office.

Você acredita que possa haver mudanças significativas do perfil de alguns pólos da cidade em função do impacto do home office? Ou uma diluição geográfica maior, capaz de diminuir essa coisa de todo mundo ir para as mesmas regiões para trabalhar?

Não deve haver essa diluição. Os pólos vão continuar onde estão hoje. O que pode acontecer eventualmente – embora eu ainda tenha minhas dúvidas quanto a isso – é uma megaempresa que tenha 2 mil, 3 mil funcionários, pegar o escritório, que hoje é centralizado na Faria Lima, e pulverizar: passa a adotar o home office parcial, mantendo o escritório na Faria Lima, por exemplo, mas com um espaço menor, para umas 200 pessoas, e montar alguns escritórios pequenos em diferentes regiões. É possível que companhias muito grandes criem esses hubs variados pela cidade – não sei se isso funciona ou se vai acontecer de fato, mas é uma possibilidade.

De todas essas mudanças que estamos vendo agora durante a quarentena, o que você acredita que deve ficar de vez?

A questão da higiene. Com certeza. Essa coisa de passar álcool gel e lavar a mão o tempo inteiro. Outra coisa que deve ficar é que as pessoas perceberam que podem ser produtivas em casa e não perderem duas horas no trânsito todos os dias. Essa necessidade de fazer o home office vai ficar. As pessoas não vão achar mais aceitável ter obrigatoriamente de ir para o escritório ficar lendo um contrato durante oito horas. Elas podem ler em casa. As empresas vão aprender que a necessidade de ter o funcionário na empresa é para haver uma colaboração presencial, que é muito importante. Elas vão olhar para as atividades delas é refletir sobre o necessita de gente no escritório e o que não precisa. Por isso os escritórios vão diminuir de tamanho.

Vocês já estão recebendo pedidos de projeto com base nessas novas configurações de espaço?

Muitos. Temos vários clientes olhando para isso. Desde empresas que resolveram reduzir 90% o tamanho do escritório e deixar os funcionários em home office eterno até clientes que estão transformando a sede em eixos de espaços colaborativos. O funcionário vai para lá uma ou duas vezes por semana para compartilhar e trocar conhecimento. E também aqueles que estão fazendo o óbvio: cortando 20% do tamanho do escritório, porque você sempre vai ter 20% da equipe fora do local de trabalho, pois estão de licença, férias ou viajando. Temos várias demandas. Cada empresa está tateando, buscando achar o que é melhor para ela. Some-se a isso o fato de que o valor do aluguel em São Paulo é muito alto. As companhias vão ter uma economia muito grande, além de melhorar a qualidade de vida do funcionário.

No mesmo ano que vieram para o Centro, vocês também abriram escritório em Paris. Como foi isso?

Abrimos praticamente duas semanas antes da pandemia. Foi uma loucura, mas as coisas estão caminhando. Estávamos com a ideia de abrir um escritório fora do Brasil, mas havia a dúvida entre Buenos Aires ou Miami. No final, um dos sócios teve de se mudar para a Europa e por isso aproveitamos essa oportunidade. Para nós é bom porque metade dos nossos clientes é europeu.

Nesse processo de mudança para o Centro de São Paulo, o Pitá produziu um livro sobre o Edifício Itália. O que essa pesquisa sobre o edifício trouxe de descobertas para vocês?

Quando decidimos nos mudar para o Edifício Itália, pensamos em comprar uns cem exemplares de algum livro sobre o prédio para presentear os maiores clientes. Era uma forma de mostrar para onde nos mudamos. Mas descobrimos que não existia um livro sobre o Edifício Itália. O que havia eram pedaços dessa história em diferentes obras sobre São Paulo. Então decidimos aproveitar nossa mudança para fazer um livro bacana sobre o Itália. E foi engraçado porque achávamos, no início, que teríamos material para um projeto de cerca de 60 páginas. Mas quando percebemos, já tínhamos material para mais de 200 páginas, como fotos, textos, desenhos. É um prédio que tem muito mais histórias do que parece à primeira vista.

Ele está à venda ou é só para clientes?

Fizemos um lote a mais de 300 exemplares para venda, que estão disponíveis no site da revista Projeto, na Amazon e em livrarias como a Martins Fontes. Está vendendo bem rápido, mas a gente não fez para comercializar. A ideia foi mesmo resgatar a história, mandar para os clientes e para as pessoas que gostam do Centro de São Paulo.

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